Processo de licenciamento ambiental para transpor água do rio Tanque até Itabira é arquivado, mas deve ser reaberto após ajustes, diz Feam

Rio Tanque tem vários trechos de suas margens sem mata ciliar, cuja recomposição precisa ser incluída nas condicionantes para a aprovação da licença ambiental da transposição de água até Itabira

Foto: Reprodução/Aecom

O processo de licenciamento para o empreendimento Estação de Tratamento de Água em Rio Tanque (ETA-Rio Tanque), que visa promover a captação desse recurso hídrico para o abastecimento público em Itabira, com vazão prevista de 600 litros por segundo (l/s), foi arquivado pelo órgão ambiental estadual.

Segundo a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), isso ocorreu após análise do processo administrativo, quando a equipe técnica encontrou necessidade de fazer ajustes processuais.

“A regularização ambiental desse empreendimento dependerá de ajustes das informações técnicas solicitadas e de formalização de novo processo administrativo para retomada da análise e emissão da licença ambiental”, respondeu o órgão ambiental à reportagem deste site.

Arquivamento é provisório, diz Prefeitura

A Prefeitura de Itabira, por meio de sua assessoria de imprensa, confirma o arquivamento do requerimento apresentado pela mineradora Vale, pela Unidade Regional de Regularização (URA) Sul, órgão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

“A empresa, no entanto, informou à Prefeitura de Itabira, ao Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) e ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que já tramita com outro processo no mesmo órgão”, tranquiliza a prefeitura, que não vê no arquivamento empecilho ao empreendimento, imprescindível para abastecer a cidade de Itabira com água em volume suficiente e qualidade nos próximos 30 anos.

“Segundo foi informado à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o novo processo em tramitação é um Licenciamento Ambiental Simplificado com Relatório Ambiental Simplificado (LAS/RAS), com perspectivas de resolução ainda neste primeiro semestre de 2024”, acredita a Prefeitura de Itabira. “Portanto, sem impactos muito consideráveis para o cronograma inicial do projeto.”

“A Prefeitura e o Saae acompanham o processo e estão em contato constante tanto com a Vale quanto com a Semad/MG para que os trâmites legais ocorram com a maior celeridade possível, obedecendo a todas as etapas necessárias”, finaliza a nota enviada pela assessoria de imprensa da Prefeitura a este portal de notícias.

Posicionamento da Vale

Procurada pela reportagem para se posicionar em relação ao arquivamento do processo inicial de licenciamento ambiental, a mineradora Vale enviou a seguinte nota à redação deste site:

“A Vale assinou, em agosto, de 2020, termo de compromisso para a execução de um projeto de captação de água bruta do Rio Tanque, com a finalidade de ampliar o sistema de abastecimento de água potável do município de Itabira (MG).”

“O projeto está em fase de atendimento às orientações técnicas solicitadas pelo órgão ambiental para obtenção dos licenciamentos ambientais necessários, respeitando todos os trâmites legais.”

“A companhia também já iniciou atividades fundamentais para a implantação do projeto como sondagens e trabalhos de campo. A empresa reforça o seu compromisso com as pessoas das comunidades onde está presente, o meio ambiente e suas operações.”

Água do rio Tanque só deve chegar a Itabira a partir de 2026

Embora o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) tenha feito gestão para antecipar para 2024 o cronograma de construção da adutora, emissário e uma nova estação para o tratamento da água do rio Tanque, dada a urgente necessidade de equacionar o eterno problema de escassez desse recurso na cidade de Itabira, a conclusão da instalação dos emissários necessários à captação, assim como das obras da nova ETA, só deve ocorrer em 2026.

A participação da mineradora Vale nesse empreendimento é decorrente da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em agosto de 2020.

O TAC é necessário para que a mineradora enfim cumpra o que dispõe a condicionante 12 da Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira, apresentando o projeto de captação, mas também arcando com os seus custos.

É que a cidade de Itabira perdeu para a mineração as fontes de água que existiam na encosta da Serra do Esmeril (Borrachudo, Camarinha, as Fontes do Pará) – e também a água dos aquíferos Cauê e Piracicaba. Atualmente, a Vale detém o quase monopólio das outorgas das águas superficiais e subterrâneas na cidade.

A mineradora deixou de cumprir a condicionante da água desde o ano 2000, sob o argumento de que a sua obrigação era apresentar o projeto de captação – e não a sua execução.

Outro argumento protelatório apresentado pela Vale no início deste século em reuniões com a Prefeitura e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), e publicado em seu informativo Vale Notícias, foi de que não haveria necessidade dessa transposição, uma vez que sobraria água dos aquíferos Cauê e Piracicaba após a exaustão das Minas do Meio para abastecer a cidade, o que não aconteceu.

Responsabilidade hídrica

Reportagens do informativo Vale Notícias asseguravam que a água dos aquiferos Cauê e Piracicaba se tornariam o grande legado da mineração para Itabira após a exaustão das Minas do Meio

A promotora Giuliana Talamoni Fonoff entendeu que a Vale tem responsabilidade pela escassez de água em Itabira e propôs o TAC do Rio Tanque.

É por força desse dispositivo ministerial que a mineradora vai arcar com o custo do empreendimento, ficando, porém, com os 400 l/s excedentes enquanto a cidade não demandar pelos 600 l/s que serão captados do rio Tanque.

O projeto inicial era de uma parceria público-privada, proposta pela administração passada, para captar 200 l/s, que seriam suficientes para reforçar o sistema atual de abastecimento na cidade nos próximos 30 anos.

A administração do ex-prefeito Ronaldo Magalhães entendia, assim como fez a Feam, que a condicionante da água já havia sido cumprida com o projeto de fontes alternativas apresentadas pela mineradora, com base em estudo realizado pela Fundação Christiano Ottoni, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Não foi o que entendeu a promotora de Justiça, com base na escassez ainda vigente desse recurso na cidade, como também pelo que dispõe o Código das Águas, Decreto Federal 24.643, de 10 de julho de 1934, que prioriza o abastecimento público.

Em Itabira ocorre a inversão do que dispõe o código, com a água de classe especial ficando com a mineração, enquanto a população sofre, há anos, com a escassez hídrica no período de estiagem, assim como também com a má qualidade e frequente contaminações diversas dos recursos atualmente disponíveis.

“Entendemos que o abastecimento urbano é prioridade para as outorgas e em Itabira a empresa estava conseguindo as outorgas para o seu uso mais facilmente que o Saae para o abastecimento público, uma inversão de prioridades”, disse promotora em entrevista a este site.

Legado aquífero

Segundo propagandeou a Vale, a água do aquífero Cauê ficaria como legado para Itabira com a exaustão das Minas do Meio, mas isso já não é mais possível (Foto: Carlos Cruz)

Outro argumento do MPMG se baseou também no não cumprimento da promessa de que haveria o “legado” das águas profundas (aquíferos), de classe especial, para o abastecimento público por meio do acesso a esses recursos após a exaustão das Minas do Meio, a partir de 2016.

Outra questão levantada pelo MPMG, e que pesou também para a efetivação do TAC, foi a inviabilidade de se captar água da barragem de Santana para suprir a duplicada ETA Gatos.

Isso pelo fato dessa água estar contaminada por excesso de manganês, o que inviabilizou, na prática, o aumento considerável da capacidade de produção hídrica na referida estação, que reforcaria o sistema Pureza, por meio da alça hidraúlica construída pela administração anterior.

Manancial da Pureza sofre, historicamente, com a poluição do DI e, também contemporaneamente com óleo e graxa, além da mortandade de peixes por falta de oxigenação da água escassa em período de estiagem (Foto: Ascom/PMI)

Reforço no abastecimento

Enquanto a transposição não é concluída, com a água do rio Tanque chegando a Itabira, a Vale está obrigada a fornecer 160 l/s para reforçar os sistemas de tratamento e distribuição na cidade.

Entretanto, somente a partir deste ano a empresa tem fornecido integralmente esse reforço, segundo a promotora Giuliana Fonoff.

A medida é uma das duas obrigações de fazer estabelecidas no mesmo TAC – a outra é concluir as obras necessárias para a transposição do rio Tanque, incluindo a construção de uma nova ETA.

Com a transposição concluída, o TAC prevê a utilização do excedente de água pelas operações da Vale, o que deve ser, inicialmente, acima de 400 l/s, já que a demanda da cidade é por um acréscimo de 200 l/s

“Enquanto a Vale estiver utilizando dessa água, a empresa arcará com o custo energético. O Saae só assume esse custo quando estiver utilizando toda a água captada do rio Tanque de 600l/s”, esclarece a promotora.

Para saber mais, leia:

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2 Comentários

  1. Em contrapartida, deveria aumentar a largura da APP. É até ironia, o rio que será captada essa quantidade significativa de água, manter um solo exposto como mostra a foto. Seria interessante um projeto de reconstituição da flora.

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