Vale é autorizada a depositar rejeitos nas Minas do Meio, mas não explica como irá garantir o acesso às águas dos aquíferos
Carlos Cruz
A mineradora Vale obteve licença ambiental simplificada da Superintendência de Projetos Prioritários (Supri), órgão ambiental vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), para depositar rejeitos nas cavas das minas exauridas Onça e Periquito, mais conhecidas como Minas do Meio, abaixo da encosta do Esmeril.
Por debaixo dessas minas estão os aquíferos Cauê e Piracicaba, cujos níveis foram rebaixados, no início deste século, para que fosse realizada a extração de minério de ferro. A licença ambiental para esse rebaixamento foi aprovada em março de 2002, com a garantia que a medida não afetaria o abastecimento futuro da cidade.
Já a autorização da Supri para a Vale dispor rejeitos das usinas Conceição nas cavas exauridas, medida que antes era prevista para o futuro, com o tratamento de minérios vindos de outras minas (Conceição do Mato Dentro, Morro do Pilar, Guanhães), não vê riscos que possam comprometer esses aquíferos. Diz que a medida foi antecipada pela necessidade de encontrar alternativa para dispor rejeitos gerados nessas plantas de concentração de itabiritos.
Essa antecipação ocorre após a decisão, em 30 de setembro deste ano e por recomendação da empresa de auditoria contratada por indicação do Ministério Público, de suspender o lançamento de rejeitos na barragem Itabiruçu, até que se esclareçam as condições de estabilidade da estrutura que levaram à paralisação das obras de alteamento.
Como tem sido de praxe, por meio de sua assessoria de imprensa, a Vale não respondeu todas as questões levantadas por este site, notadamente sobre se essa disposição iria, ou não, comprometer o acesso às águas desses aquíferos para o abastecimento futuro de Itabira e atração de novas indústrias.
No passado recente, esses aquíferos foram anunciados pela Vale como sendo “o grande legado da mineração para Itabira”, após a exaustão das minas, inclusive, se transformando em forte atrativo para novas indústrias.
“Com vários aquíferos e mais a água armazenada nas barragens (aquíferos artificiais), os recursos são eficientes para a mineração e também para abastecer a cidade no futuro”, afirmou o então gerente de Geotécnia e Hidrogeologia da Vale, Henry Galbiatti, na edição de agosto de 2004 do jornal Vale Notícias, órgão oficial da mineradora editado até 2015.
Nada a declarar
Perguntada a respeito de um possível comprometimento desse “legado” com a disposição de rejeitos nas cavas exauridas, que pode ocorrer se medida protetiva não for adotada, a empresa preferiu ignorar a questão, para responder genericamente. Simplesmente respondeu que será apresentado relatório anual da disposição desses rejeitos.
E que medidas de controle ambiental serão aplicadas, além de “cumprir programas de monitoramento conforme apresentado no Relatório Ambiental Simplificado (RAS) e possíveis medidas corretivas aditadas”. Nada mais respondeu, embora muito mais tenha sido perguntado.
Por exemplo, a empresa não detalhou quais são as condicionantes apresentadas, em especial, para proteger os aquíferos – e, sobretudo, o acesso a essa água subterrânea de classe especial, para uso atual e futuro da população, além de servir de insumo para atrair novas indústrias.
Potencial hídrico
Na edição de março de 2002 do Vale Notícias, o então hidrogeólogo da mineradora, Agostinho Fernandes Sobreiro Neto, garantiu que o rebaixamento dos aquíferos, não iria comprometer a sua disponibilidade hídrica. O rebaixamento foi necessário para que fosse extraído o minério das Minas do Meio, já exauridas. Leia mais aqui e aqui.
Assegurou também, como reafirmou posteriormente o ex-gerente Galbiatti, que, após a exaustão das minas, Itabira se tornaria a cidade com maior disponibilidade hídrica no estado.
Esse argumento sempre foi utilizado pela Vale para não investir na transposição de água do rio Tanque, como agora quer o prefeito Ronaldo Magalhães (PTB) e o Serviço Autonômo de Água e Esgoto (Saae), por meio de uma parceria público-privada.
A mineradora não via essa alternativa como viável, justamente por haver essa disponibilidade de águas subterrâneas abaixo da Serra do Esmeril, bem na encosta da cidade. E que estariam disponíveis após a exaustão das Minas do Meio.
Imensos reservatórios
Conforme informou o hidrogeólogo Agostinho Sobreiro, antes de o rebaixamento dos aquíferos ter início em 2002, os aquíferos Cauê e Piracicaba, que não se comunicam, dispunham de 338,8 milhões de metros cúbicos de água.
E que até 2016, data prevista naquela ocasião para a exaustão das Minas do Meio, “seriam bombeados 37,2 milhões de metros cúbicos, correspondentes a 11% das reservas iniciais existentes nos reservatórios subterrâneos do distrito ferrífero.” E que por ser um recurso natural renovável, o seu nível seria rapidamente recuperado após ser paralisado o bombeamento nas cavas.
Pois mesmo tendo sido questionada a respeito de um possível comprometimento desse “legado que ficaria para Itabira após a exaustão”, a empresa simplesmente ignorou a dúvida – e nada respondeu, como se querendo permanecer com todos esses recursos só para a ela, gulosa que é, como já dizia Drummond. Leia aqui.
É importante que a Vale esclareça essas questões, em respeito à opinião pública e pelo dever de transparência. Afinal, a mineradora explora há mais de 77 anos o subsolo itabirano, uma concessão da União. Portanto, trata-se de um bem público, cuja exploração a tornou uma das maiores mineradoras do mundo.
A atividade mineradora da Vale em Itabira está sujeita às legislações minerais e ambientais. Mas as suas obrigações para com o município não deveriam se ater apenas ao texto da lei, mas também indo além, cumprindo as suas obrigações econômicas, sociais, ambientais e históricas com o município, que hoje ainda vive a incerteza do fantasma da exaustão – de como será o seu futuro sem a mineração.
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