“Vale foge do debate sobre o fechamento das minas de Itabira como o diabo da cruz”, ao ponto de recusar a participar de GT do Codema

Carlos Cruz

Causou indignação e repúdio a correspondência que a mineradora Vale encaminhou e foi lida na reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), na reunião realizada nessa sexta-feira (10), no anfiteatro do Parque Natural Municipal do Intelecto.

Na correspondência, a Vale se nega a participar do Grupo de Trabalho (GT), instituído na reunião anterior por sugestão deste repórter e assumida pelo conselheiro Sydney Lage, para discutir desde já os Planos de Fechamento das Minas (PFM) de Itabira, já existentes e encaminhados à agência reguladora da mineração, pelo menos desde 2013, mas que Itabira só tomou conhecimento em postagem neste site Vila de Utopia.

Após a publicação, a mineradora pediu à Agência Nacional de Mineração para manter o FPM em sigilo, assim como fez também em relação ao relatório circunstanciado de todas as suas reservas e recursos existentes nas minas e nas barragens do maior complexo minerador de Minas Gerais.

O relatório é exigência da agência reguladora para revalidar a licença operacional do chamado Grupamento Mineiro de Itabira, com base no novo plano de aproveitamento econômico apresentado pela mineradora.

Na correspondência encaminhada ao Codema, a Vale alega que a discussão com a sociedade itabirana sobre o PFM não é para agora, uma vez que a previsão para o encerramento da atividade mineradora em Itabira só deve ocorrer em 2041, conforme está no último relatório Form-20, arquivado em 13 de abril junto à U.S Securities and Exchange Comission (SEC), referente ao ano fiscal de 2022.

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Por unanimidade, com a abstenção dos conselheiros da Vale, Codema rechaça carta da mineradora pedindo o fim do Grupo de Trabalho para discutir o descomissionamento das minas de Itabira (Foto: Carlos Cruz)

Projeções superadas

A exemplo do que vem fazendo desde 2001, a mineradora informa essa e outras previsões de exaustão de minas à ANM e aos acionistas que investem na Bolsa de Nova Iorque, Estados Unidos, apresentando entre outras informações o volume de suas reservas, recursos no país e no mundo. No primeiro Form-20, a previsão para exaustão das minas de Itabira era para 2014.

Já no relatório do ano seguinte a previsão foi mais otimista: a exaustão ocorreria em 2021. Em 2003, aumenta em um ano o horizonte de exaustão, com previsão de exaustão das minas Conceição e Minas do Meio para 2022 – e Cauê em 2004, como de fato ocorreu, sem que o município de Itabira fosse comunicado oficialmente desse acontecimento histórico.

Em 2018, projetou o fim das minas de Itabira para 2028, o que já não está mais valendo. Agora, pelos relatórios divulgados nos três últimos anos, as luzes do Complexo Minerador de Itabira – Grupamento Mineiro, só devem se apagar em 2041.

“Novos prazos são apresentados recorrentemente pela Vale, ora mais curto, ora mais longos, de acordo com os interesses frente ao mercado financeiro. Não existe básica técnica de prospecção de minério que justifiquem esses prazos para o fechamento das minas de Itabira”, observou o conselheiro Leonardo Reis, na reunião do Codema, representante da Cáritas Diocesana no Codema.

Ele sugeriu, e foi acatado, o envio de correspondências à ANM e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Supram), solicitando todas as informações encaminhadas pela mineradora acerca da exaustão e do “uso futuro” das minas de Itabira após a exaustão mineral.

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Fóruns desconhecidos

Para a Vale, conforme está na correspondência ao Codema, enviada no dia 7 deste mês, o GT é desnecessário pois “existem outros fóruns” onde o tema vem sendo debatido, como é o caso do projeto Itabira Sustentável, uma parceria da Prefeitura com a mineradora, com a consultoria da Arcadis.

“No Itabira Sustentável várias iniciativas, como parte de um plano estratégico, o tema vem sendo discutido, com ações que visam a recuperação ambiental, patrimônio cultural e uso futuro das minas (exauridas)”, disse o conselheiro Luiz Augusto Moysés de Magalhães, representante da Vale no Codema.

Na reunião anterior, ele não fez oposição à criação do GT, embora se absteve na hora da votação da proposta, aprovada por todos os demais conselheiros. “Criar mais um espaço (de discussão do Plano de Fechamento de Mina) talvez não seja necessário”, insistiu o conselheiro da Vale.

Para a diretora de Preservação Ambiental, Flávia Lage, que participa do Itabira Sustentável como representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), nesse fórum não tem sido discutido o descomissionamento das minas de Itabira, ela contestou o representante da Vale.

A diretora de Preservação Ambiental, Flávia Lage, diz que a discussão sobre o plano de fechamento das minas de Itabira não chegou ao Itabira Sustentável, parceria da Prefeitura com a Vale: “neste fórum não há essa discussão.”

“Não se fala em fechamento de mina, o que deve ser discutido antes da exaustão, fala do pós-mineração, são pautas distintas. O que o GT propõe é uma discussão sobre o tema antes da exaustão”, ela defendeu. Exaustão que já vem ocorrendo desde o início deste século: a mina Cauê exauriu em 2004, Chacrinha em 2016 – e outras cavas das Minas do Meio seguem pelo mesmo caminho irreversível.

Mesa diretora do Codema foi veemente ao rechaçar a proposta da Vale em correspondência classificada como desrespeitosa à sociedade itabirana

Enduro de motocicletas em minas exaurídas – uso futuro

Quando a Vale diz que tem discutido o tema de fechamento de minas em outros fóruns, ela pode está se referindo, também, à postagem do diretor de Uso Futuro, da Vale, para a área de descomissionamento de Minas, Gustavo Roque, que há cerca de um ano postou no LinkedIn: “O que a RedBull e uma mina de minério pode ter em comum?”, ele perguntou, para em seguida responder: “Uso futuro”.

Na postagem, Gustavo Roque sugere parceria com a Vale para a realização de uma a competição semelhante à Red Bul Erzbergradeo, um enduro de motocicletas realizado na montanha Erzaberg, em Eisenerz, na Áustria.

Sem citar Itabira, o diretor da Vale sugere trazer essa competição para o Brasil, para acontecer em uma das minas exauridas da mienradora. O diretor não nomina, mas as minas da Vale que estão mais próximas da exaustão, com dimensões para receber essa barulhenta competição, são justamente as de Itabira.

A proposta da Vale para o Codema encerrar com as atividades do GT do descomissionamento das minas foi rechaçada por todos os conselheiros, que votaram pela sua manutenção pelo menos até dezembro deste ano.

O GT pode ser prorrogado no próximo mandato dos conselheiros, em 2025. Trata-se de uma data histórica, apontada em 1990, pela Associação Comercial de Itabira, como prazo para a exaustão das Minas, que lançou projeto para diversificar a economia itabirana, sem sucesso.

Reprodução/Linkedin

Repercussão negativa

Para o secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Martins da Costa Lott, ao abrir a discussão sobre a malfadada correspondência da Vale, lembrou que anteriormente, na reunião em que o GT foi aprovado, o conselheiro da mineradora não se opôs à sua instalação.

“Não se manifestou contrariamente em momento algum, inclusive aquiesceu em participar. O tema  é importante pra Itabira, Minas Gerais e para o Brasil. É importante que a Vale participe (do grupo de trabalho), fomentando as discussões com informações, que diga sim, diga não, talvez, quem sabe, todavia”, defendeu Denes Lott.

Porém, segundo ele, a não participação da Vale não inviabiliza o grupo de trabalho. “O que a empresa não pode é omitir informações. Mas se isso acontecer, podemos buscar informações na ANM e na Semad, mas seria amigável, eu diria muito importante, se essas informações fossem dadas pela Vale”, disse ele.

O secretário, em nome do Codema, vai enviar nova correspondência à mineradora, convidando-a rever o seu posicionamento e participar das discussões, desde já, sobre o fechamento das minas de Itabira que já estão acontecendo, até a exaustão final daqui a 20 anos.

Prazo curto

“É logo ali. Antigamente eu achava que 20 anos era uma eternidade, hoje sei que não é, é logo ali. São quatro, cinco copas do mundo, isso acontece muito rápido. Peço encarecidamente aos representantes da Vale que revejam a sua posição”, disse o conselheiro Glaucius Detoffol Bragança, representante da Loja Maçônica União e Paz.

A conselheira Marli da Matta Lacerda Lage, representante das Entidades de Classe e Atividade Econômica, disse ter ficado impressionada com a resposta da mineradora recusando-se participar do GT. “A Vale nasceu aqui e criou todo o seu patrimônio em Itabira. E se nega a dialogar com a comunidade itabirana. Esse grupo não é para discutir o pós-fechamento, é para saber o que vai acontecer antes de ocorrer o encerramento (das minas)”, ela enfatizou.

“Negar discutir isso com o grupo é não abrir o diálogo com a comunidade. E não abrir as informações é muito triste, é grave”, classificou a conselheira que, entretanto, não concorda com a judicialização para forçar a mineradora a abrir as informações sobre o presente e o futuro das minas de Itabira. Mas para iss, deve apresentar ao Codema as respostas que deu à ANM sobre o novo plano econômico para as minas de Itabira.

A presidente da subseção da Ordem dos Advogados (OAB) em Itabira, Patrícia Ferreira, também considerou desrespeitosa a correspondência da Vale em que recusa participar do GT. “A Vale se apresenta como aberta ao diálogo com a comunidade, mas só na propaganda pela rede social, nos outdoors espalhados na cidade”, lamentou.

As conselheiras, da OAB, Patrícia Ferreira, e Marli da Mattra, das atividades econômicas, também consideraram a carta da Vale desrespeitosa

Novo plano econômico para as minas de Itabira

O relatório circunstanciado sobre o complexo minerador de Itabira foi uma exigência da agência reguladora antes de revalidar, em 2022, a licença operacional do chamado Grupamento Mineiro de Itabira. Um dos pedidos da ANM foi justamente para que a Vale apresente evidências de ter aberto essa discussão com a sociedade itabirana. Deve ter apresentado a sugestão do diretor de Uso Futuro de parceria com a Red Bull.

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ANM quer que a Vale abra, desde já, debate com Itabira sobre o descomissionamento de suas minas

O conselheiro Sydney Lage, do Rotary, lembrou que a Vale ficou mais de quatro décadas sem pagar royalties a Itabira, sem que compensasse pelas perdas incomparáveis.

“Acabou com as nossas fontes de água e nesses anos faturou mais de um trilhão de dólares com o minério de Itabira. E agora quer dar by by Itabira, deixando um deserto na cidade que corre risco de virar cidade de idosos, como por muitos anos virou Santa Bárbara e Barão de Cocais. É o que pode acontecer com Itabira daqui 20 anos ou até em menos tempo”, observou o autor do pedido para que fosse criado o GT do Descomissionamento das Minas.

Para ele, não se trata de discutir o uso futuro das minas exauridas, mas o tempo presente, as ações que podem ser executadas desde já para assegurar a sustentabilidade da economia itabirana. Isso pode ocorrer, inclusive com a implantação do que está previsto no Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), de 2013, que a Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria elaborou para a Vale, encaminhado ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).

Uma das propostas desse PRFIMI consta o Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” deve ser a produção de insumos terapêuticos para hospitais e indústria farmacêutica, com cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril dispostas nas cavas exauridas – e também no platô da pilha Convap. Outra proposta é a construção de um novo hospital na cidade.

O que é um Plano de Fechamento de Minas e para que serve

O fechamento das minas de Itabira é um processo complexo e de grande importância para a região, para o estado de Minas Gerais e para o país, pela sua dimensão e importância histórica. A Vale, por força da legislação, vem apresentando esse plano à agência reguladora pelo mens desde 2013. O PRFIMI é atualizado a cada cinco anos, apresentado ANM, conforme exige a legislação vigente.

O PRFIMI inclui o planejamento para o descomissionamento das áreas de mineração, com foco nas minas Cauê, já exaurida, do Meio e Conceição. O estudo realizado pela Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria em 2013 estimou os investimentos necessários para as ações propostas em aproximadamente R$ 6,2 bilhões, valor que hoje seria superior a R$ 14,6 bilhões.

As legislações brasileira e estadual exigem que o descomissionamento seja precedido de consulta pública, para que haja transparência e debate sobre as alternativas para a ocupação das áreas mineradas após a exaustão, inclusive no tempo presente, já que a minas Cauê e Chacrinha já exauriram.

No entanto, a comunicação da Vale com a comunidade nesse sentido inexiste, embora exista o senso de urgência por motivos óbvios para que a cidade não continue cismando com a derrota incomparável, como se apresenta na presente conjuntura de obscuridade e ausência do necessário diálogo com a sociedade itabirana. É preciso, desde já, implementar ações concretas para reverter esse quadro.

O correto fechamento das minas de Itabira, com transparência e diálogo, e adotando o que deve ser feito, a exemplo do que está no PRFIMI, pode configurar um precedente importante para outros territórios brasileiros que enfrentam – ou enfrentarão – situações semelhantes no futuro.

A Vale diz, em seus relatórios à agencia reguladora e ao mercado financeiro, que tem se preocupado com o tema. Tanto que criou a Diretoria de Uso Futuro para as suas minas exauridas, “atendendo às boas práticas nacionais e internacionais de fechamento de mina, devolvendo um território estabilizado para outros usos e potencializando o desenvolvimento territorial”.

Diz trabalhar no planejamento do fechamento de minas juntamente com as atividades de operações –  e que identifica prioridades e sinergias. Diz ainda ter uma equipe dedicada para assegurar a sustentabilidade dos territórios minerados, com gestão sustentável e planejamento.

E que trabalha esse tema de acordo com as diretrizes do Conselho Internacional de Mineração (ICMM) e com a legislação brasileira. Se é assim, está tudo certo, mas está esquisito, pois falta abrir o diálogo com a parte mais interessada que é a sociedade itabirana.

Como diz um engenheiro de minas aposentado, que já trabalhou na empresa, “a Vale foge do debate sobre o descomissionamento das minas de Itabira mais do que o diabo da cruz”. Pelo visto, a analogia está corretíssima, até que se prove o contrário.

 

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