Representantes de órgãos ambientais foram negligentes na fiscalização da Vale em Brumadinho, acusam deputados

Deputados estaduais não se convenceram da eficiência da fiscalização exercida pelos órgãos ambientais em relação às barragens da Vale, em especial da que rompeu no dia 25 de janeiro, na mina de Córrego do Feijão em Brumadinho. Os resultados do trágico rompimento foram mais de 300 mortes e uma devastação ambiental na bacia do rio Paraopeba.

Os depoimentos dos técnicos e representantes dos órgãos de fiscalização foram prestados nessa segunda-feira, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da barragem de Brumadinho, segundo informa a assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Deputado André Quintão (PT), relator da CPI da Barragem de Brumadinho (Fotos: Daniel Protzner/ALMG)

Os depoentes tentaram justificar os licenciamentos liberados para a mineradora Vale na barragem que se rompeu, mas deixaram mais dúvidas do que certezas. “Fiquei muito incomodado”, criticou o deputado André Quintão (PT), relator da CPI.

O que mais incomodou os deputados foi a frieza dos depoentes. “Parece até que a barragem não se rompeu, que centenas de pessoas não morreram, que os laudos foram apresentados adequadamente”, criticou o relator da CPI.

Os depoimentos foram acompanhados por parentes de vítimas que continuam desaparecidas. Impressão semelhante teve o deputado Sargento Rodrigues (PTB).

acusou a mineradora Vale de mandar no Estado, ao obter os licenciamentos sem observar os procedimentos exigíveis, manipulando informações. “Ao ouvir os depoimentos, parecia até que estávamos diante de representantes da Vale”, apontou.

O deputado disse que irá pedir o sigilo bancário e investigar a evolução patrimonial dos funcionários envolvidos no licenciamento da barragem I de Córrego do Feijão, que se rompeu em Brumadinho.

Para o deputado, o que ficou evidente é que existe uma relação promíscua entre representantes do Estado e a mineradora. E denunciou o forte lobby da Vale no Congresso Nacional, no governo federal e nas assembleias estaduais, incluída, claro, a de Minas Gerais.

Deputado Sargento Rodrigues (PTB)

De acordo com o parlamentar, existe uma relação promíscua entre as mineradoras e os centros de poder. Ele também criticou a composição do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), onde a influência da mineradora tem se revelado suficiente para obter os licenciamentos que a empresa requer, sem muitas vezes sequer ouvir as comunidades vizinhas, que podem ser diretamente impactadas pelos empreendimentos licenciados.

Foi o caso do licenciamento do alteamento em curso da barragem de Itabiruçu, em Itabira (leia aqui aqui ). “Essa proximidade do público e privado é algo grave”, observou o parlamentar.

Já a deputada Beatriz Cerqueira (PT) também criticou os depoimentos dos representantes dos órgãos fiscalizadores. “A barragem não rompeu repentinamente”, observou.

Ela acha muito estranho que os problemas estruturais que levaram o rompimento da barragem em Brumadinho não tenham sido detectados pela fiscalização. “É algo muito estranho”, ironizou.

Deputada Beatriz Cerqueira (PT)

A parlamentar observou que os depoimentos tinham o objetivo de desconstruir o depoimento da conselheira Maria Teresa Viana Corujo (leia aqui), que foi a única a votar contrária ao licenciamento da mina de Córrego do Feijão.

Com ironia, o deputado Bernardo “Bartô” Moreira (Novo) chegou a indagar aos depoentes se barragem em Brumadinho realmente se rompeu. A frieza dos depoentes também chamou a atenção do parlamentar, que indagou: “Para que serve o Estado, se é tão fácil de enganar assim?”

Segundo ele, se os  os órgãos estaduais não são capazes de fiscalizar as mineradoras, essa função deve ser repassada para a Polícia e a Justiça.. o trabalho deve ser repassado para a Polícia e a Justiça.

Sem favorecimentos

Os fiscais e representantes dos órgãos ambientais negaram qualquer tipo de favorecimento à mineradora Vale na concessão da licença ambiental da mesma mina, ocorrida em dezembro do ano passado, pouco antes do rompimento da barragem. Eles negaram que foram alertados sobre os riscos de segurança das estruturas do complexo minerador.

Hildebrando Canabrava, subsecretário de Regularização Ambiental

Foi o caso do subsecretário de Regularização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Hildebrando Canabrava Rodrigues Neto. Em seu depoimento, ele informou sobre as diferentes normas que existem sobre a classificação de porte e potencial poluidor das empresas.

E assegurou que os técnicos não têm autoridade para alterar esses critérios, dizendo que a secretaria observa apenas os critérios ambientais. E que se baseia em informações passadas pelas próprias mineradoras.

De acordo com o subsecretário, por diversas vezes a Vale teria confirmado a estabilidade da barragem. Segundo ele, se ficar comprovado que a empresa prestou falsas informações com documentos sem lastro na realidade, serão tomadas providências contra a mineradora. “Estamos aguardando a conclusão do inquérito”.

O secretário de Estado da Semad, Germano Luiz Gomes Vieira, que ocupava o mesmo cargo na gestão passada do governo estadual, destacou que a barragem estava desativada.

Disse ainda que a licença e concedida à Vale em dezembro previa, entre outras atividades, o tratamento de minério a seco, uma pilha de rejeito e ferro, disposição dos resíduos em cavas, reaproveitamento de rejeitos e construção de um mineroduto. Disse ainda que mineradora havia apresentado uma declaração de estabilidade em setembro.

Negligências

Outro depoimento importante foi do superintendente de Projetos Prioritários (Supri), da Semad, Rodrigo Ribas, que foi quem presidiu a reunião pública do alteamento de Itabiruçu em Itabira, em 28 de junho do ano passado, na Câmara Municipal (leia aqui). Ele relatou o histórico de licenciamento para a mina Córrego do Feijão, que começou a operar em 1976.

Rodrigo Ribas, superintendente de Projetos Prioritários

Segundo ele, a proposta da empresa era recuperar ambientalmente a área da mineração no prazo de 10 a 12 anos. E que nessa reabilitação estaria incluída o descomissionamento (fechamento com as medidas ambientais cabíveis) da barragem.

Mas ele também não convenceu os deputados da CPI ao tentar explicar o rebaixamento de classe da mina, que caiu da classe 6 para 4.

Para o técnico do órgão ambiental a classificação é definida de acordo com as atividades propostas – e a maioria dos itens era considerado de médio porte, correspondendo à classe 4. Seus argumentos também não convenceram os parlamentares.

De acordo com o depoimento do chefe de Segurança de Barragens de Mineração da Agência Nacional de Mineração (ANM), Wagner Araújo Nascimento, as inspeções quinzenais de segurança também são responsabilidade da mineradora.

Disse ainda que a Vale não recebia um fiscal desde 2016. E que a empresa não havia reportado qualquer irregularidade ou anomalia nas estruturas da mina.

A consequência de toda essa negligência foi o maior acidente coletivo de trabalho que se tem notícia na mineração, além de crime ambiental e humanitário. E que não pode ficar impune, como até agora figura o também trágico rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.

 

 

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