Não é só Mühlrose, na Alemanha, que vai sumir do mapa para expansão de mina; Kiruna, na Suécia, está mudando de lugar. Itabira pode ser a próxima

Edifícios do antigo centro de Kiruna serão demolidos para a expansão da mina subterrânea de minério de ferro. Foto: Jonathan Nackstrand/AFP

Assim como a pequena vila de Mühlrose, localizada no extremo leste da Alemanha, na região entre a antiga República Tcheca e Polônia, vai desaparecer do mapa para ceder lugar à expansão de uma mina de carvão, a cidade de Kiruna, na Suécia, onde fica a maior mina subterrânea de minério de ferro da Europa está sendo gradativamente transferida para outra localidade próxima em decorrência da exploração mineral.

A vila de Mühlrose é do século XIII, e mesmo tendo “resistido a guerras, incêndios, nobres inescrupulosos, a divisão do país e sua reunificação”, agora, no século XXI, vai ceder lugar para expandir uma mina de carvão, informa reportagem da Bloomberg, publicação da Alemanha.

A justificativa para essa mudança de lugar é de que a expansão se tornou necessária para a continuidade da exploração de carvão mineral para alimentar uma central elétrica da Lausitz Energie Bergbau AG (Leag) até 2049 – data em que a Alemanha tem o compromisso de se livrar desse mineral “sujo”, completando a transição para uma energia limpa. Isso mesmo que ao custo de fazer desaparecer do mapa uma vila histórica, remanescente da Idade Média.

Remoção vila alemã de Mühlrose é “necessária” para a mina ampliada alimentar uma central elétrica a carvão (Foto: Daniel Chatard/ Bloomberg Markets/Reprodução/O Globo

Remoção lenta e gradual

A remoção da cidade de Kiruna tem sido lenta e gradual. A cidade sueca está há dez anos desativando o seu centro, com transferência para outra localidade a três quilômetros, para dar continuidade à exploração de minério de ferro, que acontece em seu subsolo.

Isso porque, com o tempo a estabilidade das galerias no subsolo abaixo das construções enfraqueceu, aumentando o risco de colapso de parte de sua estrutura subterrânea.

Os seus 18 mil habitantes estão divididos, com uma parte apoiando o prefeito Gunnar Selberg, que faz elogios públicos vangloriando-se da relocação faraônica, enquanto a sua mulher é contra.

“Ela (a sua mulher) fica com raiva de mim, está decepcionada. Acha triste, não quer mais ver a velha cidade”, conta o prefeito, que, mesmo assim, não perde o entusiasmo com o deslocamento.

Para Selberg, está sendo construída uma nova cidade, muito mais moderna, disse ele em entrevista à agência de notícia AFP.

Kiruna não é histórica como a vila de Mühlrose. Foi  fundada no início do século passado, quando a mineradora LKAB deu início a exploração de um imenso depósito de minério – e a mina foi aos poucos avançando por debaixo da cidade.

“Com escavações subterrâneas, bairros correm o risco de desabar com movimentos de terra”, informa a reportagem da agência de notícia alemã, reproduzida pelo portal Extra.

Esse deslocamento já vem ocorrendo há 15 anos, já tendo sido concluídas as primeiras etapas da “mudança”, a um custo estimado em 3 bilhões de euros (R$ 16,5 bilhões), financiada pela LKAB.

“As mais belas construções históricas foram ou serão transportadas inteiras em comboios especiais. A esplêndida igreja de madeira vermelha, orgulho de Kiruna, seguirá o mesmo destino em 2026”, informa a mesma reportagem.

Pelos recursos já investidos só nessas primeiras etapas dessa remoção dá para se ter ideia do quanto a expansão da mina deve gerar de lucro a ponto de justificar esse deslocamento.

Pois se lá isso é possível, imagine o que pode acontecer em Itabira, talvez em um futuro não tão distante, onde existem recursos minerais já mapeados em vários pontos da cidade, que podem vir a ser explorados em um futuro não tão distante.

Segundo admite o próprio prefeito de Kiruna, que é favorável ao deslocamento, é grande o descontentamento com o deslocamento, enquanto outras são favoráveis.

“As pessoas (favoráveis) tendem a pensar ‘é fantástico, é um projeto tão grande’. A operadora (das minas) LKAB vende sempre uma imagem positiva, onde todos estão felizes. Mas não é o caso de todos os moradores”, admite Selberg.

“Os moradores reclamam que estão presos entre duas cidades”, diz o prefeito, que vê a antiga Kiruna virar gradativamente uma cidade fantasma. “Prédios inteiros na cidade velha, sem os seus ocupantes ou lojas, agora são protegidos por cercas azuis para impedir o acesso, antes de serem demolidos.”

Já são 6 mil pessoas afetadas com a remoção, um terço da população de Kiruna. Mas esse número pode ser muito maior, no caso de a LKAB receber autorização para cavar mais na mina subterrânea.

“A empresa também acaba de anunciar a descoberta do que seria o maior depósito de terras raras da Europa, ao norte da cidade”, conta o prefeito, feliz com o “progresso” que o início de sua exploração pode propiciar.

Pit da mina em Itabira

Vale busca licença ambiental para expandir as minas Conceição e Dois Córregos. Não demora vai requerer autorização para expandir o pit da mina de Chacrinha, com a mineração avançando sobre e sob a cidade (Foto: Carlos Cruz)

Mühlrose vai desaparecer do mapa a exemplo do que já ocorreu em Itabira com as vilas do Explosivo, Camarinha, Vila Paciência, Rio de Peixe.

Vai ser varrida do mapa como foi também a Fazenda do Pontal, em 1972, para ser ocupada pela barragem homônima. E que cuja réplica, reconstruída na encosta da Pousada do Pinheiro, pode novamente desaparecer do mapa para a Vale extrair minério de ferro do seu subsolo no futuro talvez não tão distante.

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Se até na Europa são removidas vilas históricas medievais para dar lugar à mineração de carvão, imagina o que pode ocorrer (como já ocorreu em diversas ocasiões) com Itabira, quando a Gulosa, como Drummond chamava a antiga CVRD, hoje Vale S.A, decidir que é chegada a hora de expandir o pit da mina em direção à cidade?

Não tenha dúvida de que se for viável economicamente, e se assim a mineradora decidir unilateralmente como sempre faz, e com autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM), em nome da economia, além do licenciamento ambiental.

Em um primeiro momento o pit das minas em Itabira pode chegar até próximo da igrejinha do Rosário, mesmo que para isso seja preciso remover para outra localidade o histórico hospital Nossa Senhora das Dores.

Se for esse o interesse da poderosa mineradora isso será fácil na Cidadezinha Qualquer, onde historicamente o itabirano cruza os braços e deixa a mineradora fazer o que bem entende.

Afinal, é a economia que comanda a roda da história e o destino das pessoas, passando por cima de tudo, levando vantagem sobre tudo, como na lei de Gerson, ignorando os costumes, tradições , pois tudo isso são devaneios que se desmancham no ar com a poeira do minério.

A remoção da vila de Mühlrose, à semelhança do que já ocorreu em várias situações em Itabira, é mais uma prova de que a economia capitalista é globalizada – e a história se repete aqui como também mundo afora, em nome do capital , dos interesses não dos Estados nacionais, mas das transnacionais, como é a Vale.

Assim como é também do interesse da empresa  de mineração e geração de energia Lausitz Energie Bergbau AG (LEAG) fazer a remoção da pequena vila Mühlrose para explorar lignito, um carvão mineral de baixo poder calorífico e que mesmo assim desperta a cobiça do grande capital.

Se é essa ótica capitalista globalizada que prevalece, porque na cidadezinha qualquer não se pode, no futuro talvez nem tão distante, remover todo o morro onde está a antiga Pousada do Pinheiro para extrair minério de ferro?

“É a economia, estúpido”

Isso a exemplo do que já ocorreu com o lendário pico do Cauê, cuja mina exauriu em 2003, ocupando-se a cava exaurida com rejeitos da usina de concentração, como sempre com a economia determinando qual deve ser o uso futuro de uma cava exaurida.

É assim que, em nome da economia e do mercado, é possível também prever a expansão das minas da Vale cada vez mais em direção da cidade. Isso já é certo na mineradora, embora nada informe à sociedade itabirana – e por certo vai acontecer daqui a uma ou duas décadas.

É possibilidade real, pois a Vale não é boba de deixar virar sucata os seus ativos industriais de beneficiamento de minério de ferro existente no complexo minerador de Itabira.

É possibilidade real também depois que a Vale desistiu de trazer minério de ferro da mina de Serpentina, em Conceição do Mato Dentro, ao ceder a fabulosa jazida para a concorrente Anglo American, para ser concentrado em Itabira.

Em nome da economia e da demanda, com certeza a Vale vai explorar até a última tonelada de itabirito – e também de hematita remanescente – existente no subsolo itabirano, até mesmo pelas dificuldades adicionais que a empresa enfrenta para licenciar novas minas.

É ocaso da insistência com o projeto Apolo, que se arrasta há mais de uma década, cujo licenciamento ambiental pode não ser aprovado pelos impactos irreversíveis nos aquíferos e em todo Parque Nacional da Serra do Gandarela.

Embora esses ativos da Vale em Itabira já tenham sido pagos pelo lucro que geraram a partir de financiamento subsidiado do sempre oportuno Banco Nacional de Desennvolvimento Econômico e Social (BNDES), eles podem render muito mais aos acionistas – e ao governo federal também, com as migalhas de sempre ficando para o Estado de Minas Gerais, assim como também para o município de Itabira.

Nessas horas, o grande capital defende o Estado Mínimo, quando é de seu interesse, assim como a Vale é keynesiana sempre que é de seu interesse.

Draga da Vale faz sondagem na encosta do Pousada do Pinheiro: minério de ferro à flor da terra (Foto Carlos Cruz)

Derrota incomparável

É assim que Itabira segue cismando com a derrota incomparável, ainda fascinada com o lucro fabuloso que o minério de ferro propicia ao erário municipal, com geração de empregos e oportunidades de negócios para poucos prestadores de serviços à empresa mineradora.

Segue firme e solerte fazendo o que bem entende na cidade, com a complacência da maioria. É assim que esteja certo que a boca da mina avançará avassaladora sobre a cidade ainda toda de ferro, com a gula destruidora de uma empresa que leva a riqueza para o mundo, pagando uma merreca de royalties e nada de imposto, já que o pellet-feed exportado é isento de ICMS, por benesse fiscal da Lei Kandir.

E lá vai o maior trem do mundo “puxado por cinco locomotivas a óleo diesel, engatadas geminadas desembestadas, leva meu tempo, minha infância, minha vida, triturada em 163 vagões de minério e destruição”, como já denunciou o poeta Carlos Drummond de Andrade.

Enquanto isso “os itabiranos cruzam os braços e deixam a vida passar”.  A vida segue devagar em Itabira do Mato Dentro. Acordará algum dia?

 

 

 

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