Vale está para expandir o “pit” de suas minas para além da via férrea e deixa moradores de Itabira preocupados
A Fazenda do Pontal corre o risco de mais uma vez desaparecer do mapa se a Vale, poderosa que é, decidir que vale a pena extrair minérios nesta área próxima da grota do Minervino, onde teve o garimpo de ouro
Fotos: Carlos Cruz
Sem informações claras e objetivas, mineradora mantém moradores da rua Jacutinga, no bairro Campestre, e da Vila Paciência, apreensivos sem saber o que a Vale anda pesquisando fora das minas
Moradores da rua Jacutinga, no bairro Campestre, e também da Vila Paciência, em Itabira, estão apreensivos com a movimentação de pessoal a serviço da mineradora Vale fazendo prospecção geológica na encosta do Pousada do Pinheiro, de onde constantemente há deslizamentos com muito minério de ferro em sua encosta e também ao lado da Fazenda do Pontal, que pode, mais uma vez desaparecer do mapa.
Prospecções geológicas estão sendo realizadas na mina de Chacrinha, que está ainda inativa desde 2016, mas que pode voltar a ser minerada, com os resultados positivos já apurados. As pesquisas se estendem para áreas abaixo da linha férrea, o que deixa apreensivos moradores da Vila Paciência, que muito já sofrem com a incômoda e impactante vizinhança.
Na encosta da Fazenda do Pontal, passando pela rua Jacutinga, é visível e solta aos olhos a profusão de minério de ferro. “Até a água que está faltando em nossa residência desde sexta-feira (26), depois que estourou uma rede do Saae, escorreu por dois dias pelo canto da rua carregada de minério de ferro”, conta a moradora Raquel Teixeira Monteiro. Esse “fino” seguiu pela boca do bueiro em direção do Pontal.
Segundo ela, quando chove ocorre muito deslizamento de solo com minério de ferro na encosta. “O meu receio é de um dia isso acontecer no fundo de minha casa”, ela conta, ao lado do seu marido, o aposentado da Vale Luiz Rosa da Silva.
Veja vídeo gravado pelos moradores mostrando água com fino de minério na rua Jacutinga escorrendo até a boca de lobo:
Raquel Teixeira está assustada com a possibilidade de ter de sair de sua casa, no futuro próximo, para a Vale explorar o que está no subsolo da região.
“Tempo atrás, um vizinho já falecido, nos dizia: ‘eu estou morrendo e não vou ver, mas vocês ainda vão ter de sair daqui, pois tem muito minério e ouro debaixo de nossas casas’. Eu acho que esse momento está chegando”, diz a apreensiva a moradora.
“A maioria das pessoas que aqui mora veio do Explosivo, um bairro que tinha de tudo e foi desapropriado pela Vale”, acrescenta. O antigo bairro Explosivo ficava onde hoje está instalada a usina, a oficina e demais instalações da mina Cauê.
Sem respostas
“Os carros da empresa que faz o serviço (de sondagem geológica) para a Vale passam aqui dia e noite. O pessoal já fez vários furos com muitos metros de profundidade e dá para ver que tem muito minério por onde eles retiram as amostras”, ela conta.
“Gostaria de ter essa resposta da Vale: o que vocês estão pesquisando aqui? Vamos ter que sair novamente dessa rua onde vivemos há tanto tempo”, indaga a moradora, ainda sem resposta da mineradora, que se nega recorrentemente a prestar informações sobre as suas atividades minerárias e pesquisas realizadas no território itabirano.
Outra moradora da rua Jacutinga, Maria Conceição, conta que tem visto, em seu quintal, que o solo está se elevando. Garante não se tratar de realismo fantástico, mas de um fato que vem observando há algum tempo.
Ela não sabe dizer se tem relação com o minério de ferro que estaria submergindo do subsolo ou se é também pelo volume de água armazenado em suas fissuras de rocha e que força o terreno para o alto.
“Pode acreditar, é verdade, o terreno na encosta de minha casa já está mais elevado do que era”, diz assustada a moradora, sem entender essa movimentação em seu quintal.
Pesquisas geológicas
Informações da Rádio Peão que aumenta, mas não inventa, diz que a Vale tem feito prospecção geológica nas minas e também fora delas, não somente nas imediações da rua Jacutinga, mas também em muitas outras áreas fora do “pit” das minas, nas imediações do bairro Paciência avançando para próximo do hospital Nossa Senhora das Dores.
No ano passado, por exemplo, uma sonda teria perfurado 700 metros na mina de Chacrinha (que atualmente está inexplorada, tida até recentemente como exaurida, mas que pode voltar à atividade minerária), tendo sido confirmada a ocorrência de minério com alto teor de ferro, informa essa mesma fonte que trabalha na área da mineradora, via Rádio Peão.
Já recentemente neste ano, confirma a mesma fonte, equipamentos de sondagem estão perfurando o subsolo para os lados da Fazenda do Pontal, o que é confirmado pelos moradores da rua Jacutinga ouvidos pela reportagem, como também pela presença de equipamentos que por lá permanecem.
Informa também a Rádio Peão que foi confirmada uma grande reserva de ferro com alto teor no Alto do Pousada, com o veio descendo justamente em direção à Fazenda do Pontal, que corre o risco de mais uma vez desaparecer do mapa, como aconteceu com a original em 1972.
Há ainda a possibilidade de no futuro, talvez já não distante, de a Vale explorar a hematita que está abaixo dos itabiritos compactos, uma ocorrência mineral não muito comum, entre a mina Conceição e Chacrinha.
Essa informação foi confirmada à reportagem por um geólogo aposentado da Vale, que trabalhou nessas prospecções. Ele, entretanto, considera difícil a exploração desse recurso, a menos que seja por mina subterrânea.
Vale nada explica, como é de praxe em Itabira
Procurada pela reportagem para falar sobre essas sondagens e informar de forma clara e objetiva qual é a real projeção para o fim das minas de Itabira, como é de praxe, a resposta veio evasiva, com a mineradora deixando de informar ao público itabirano de algo que diz respeito ao presente e futuro da economia local, esquecendo-se que a mineração é uma concessão da União, portanto, uma concessão pública que assim deve ser tratada e respeitada.
“A Vale não comenta especulações ou rumores”, assim começa a mineradora a responder, sem entrar em pormenores, o longo questionamento enviado à empresa. Mas admite que tem feitos sondagens da cidade, sem entrar detalhes, admitindo que esse horizonte agora estendido para 2041 pode ser mais vezes ampliado.
“Com relação ao plano de exaustão das minas, o planejamento é ajustado em função da revisão dos planos estratégicos de lavra e de produção da empresa. Importante esclarecer, ainda, que premissas econômicas, demandas de mercado e avanços tecnológicos podem interferir na estimativa da exaustão mineral.”
Itabira segue cismando a derrota incomparável
Sem informações claras, objetivas e precisas, a Vale mantém Itabira, passados mais de 82 anos de exploração ininterrupta do seu subsolo, ainda “cismando com a derrota incomparável” – e sem que tenha diversificado a sua economia, até mesmo pelo fato de as águas disponíveis nas encostas da serra do Esmeril ter sido monopolizada pela mineração.
Sem a diversificação econômica, comprova-se o que vaticinou Drummond na crônica Vila de Utopia, quando escreveu que “tanta riqueza em potência vem sendo, talvez, um grande mal para a vila de Utopia”, referindo-se à letargia do itabirano, adormecido “na fascinação do seu bilhão e 500 milhões de toneladas de minério com um teor superior a 65% de ferro”.
Com as novas prospecções geológicas, não será surpresa se nos próximos relatórios Form-20, arquivados junto à U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), nos Estados Unidos, a Vale informe ao mercado (e não à Itabira) que as minas locais só vão exaurir muito além de 2041.
E faz isso sem sequer abrir a discussão com a sociedade itabirana sobre o descomissionamento da mina Cauê, exaurida em 2003, assim como também o uso futuro dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, além de outras estruturas alteadas a montante já desativadas em outras barragens, como a do Rio de Peixe.