Vila medieval da Alemanha vai sumir do mapa para ampliar uma mina de carvão. Se lá pode, imagina em Itabira colonial
Remoção vila alemã de Mühlrose é “necessária” para a mina ampliada alimentar uma central elétrica a carvão
Foto: Daniel Chatard/ Bloomberg Markets/ Reprodução/O Globo
Carlos Cruz
A pequena vila de Mühlrose, localizada no extremo leste da Alemanha, na região entre a antiga República Tcheca e Polônia, vai desaparecer do mapa para ceder lugar à expansão de uma mina de carvão, a ser explorada até a exaustão em 2049, data em que o país se comprometeu livrar desse mineral “sujo”, completando a transição para uma energia limpa.
Até lá, vão explorar ao máximo as reservas de carvão mineral existente nessa localidade para alimentar uma central elétrica. Para isso acontecer, a pequena vila medieval, com apenas 200 habitantes, vai ser varrida do mapa.
A vila existe desde o século XIII, “resistindo a guerras, incêndios, nobres inescrupulosos, a divisão do país e sua reunificação”, descreve reportagem da Bloomberg, da Alemanha e reproduzida por O Globo.
Pit da mina
Mühlrose vai desaparecer do mapa a exemplo do que já ocorreu em Itabira com as vilas do Explosivo, Camarinha, Vila Paciência, Rio de Peixe. Vai ser varrida do mapa como foi também a Fazenda do Pontal, em 1972, para ser ocupada por barragem homônima. E cuja réplica, reconstruida na encosta da Pousada do Pinheiro, pode novamente desaparecer do mapa para a Vale extrair minério de ferro do seu subsolo no futuro talvez não tão distante.
Se até na Europa são removidas vilas históricas medievais para dar lugar à mineração de carvão, imagina o que pode ocorrer (como já ocorreu em diversas ocasiões) com Itabira, quando a Gulosa, como Drummond chamava a antiga CVRD, hoje Vale S.A, decidir que é chegada a hora de expandir o pit da mina em direção à cidade?
Não tenha dúvida de que se for viável economicamente, e se assim a mineradora decidir monocraticamente como sempre faz, esse pit da mina em Itabira pode chegar até próximo da igrejinha do Rosário, mesmo que para isso seja preciso remover para outra localidade o histórico hospital Nossa Senhora das Dores.
Se for de interesse da poderosa mineradora isso será fácil na Cidadezinha Qualquer, onde o itabirano cruza os braços e deixa a mineradora fazer o que bem entende.
Afinal, é a economia, estúpido, que comanda a roda da história e o destino das pessoas, passando por cima de tudo, levando vantagem sobre tudo, como na lei de Gerson, ignorando os costumes, tradições , pois tudo isso são devaneios que se desmancham no ar com a poeira do minério.
A remoção da vila de Mühlrose, à semelhança do que já ocorreu em várias situações em Itabira, é mais uma prova de que a economia capitalista é globalizada – e a história se repete aqui como também mundo afora, em nome do capital , dos interesses não dos Estados nacionais, mas das transnacionais, como é a Vale.
Assim como é a empresa de mineração e geração de energia Lausitz Energie Bergbau AG (LEAG), que fará a remoção da pequena vila Mühlrose para explorar lignito, um carvão mineral de baixo poder calorífico e que mesmo assim desperta a cobiça do grande capital.
Se é essa ótica capitalista globalizada que prevalece, porque na cidadezinha qualquer não se pode, no futuro talvez nem tão distante, remover todo o pico da Pousada do Pinheiro para extrair minério de ferro, a exemplo do que já ocorreu com o lendário pico do Cauê, cuja mina exauriu em 2003, ocupando-se a cava exaurida com rejeitos da usina de concentração, como sempre com a economia determinando qual deve ser o uso futuro de uma cava exaurida.
É assim que, em nome da economia, é possível também prever a expansão das minas da Vale cada vez mais em direção da cidade. Isso já é certo na mineradora, embora nada informe à sociedade itabirana – e por certo vai acontecer daqui a uma ou duas décadas.
É possibilidade real, pois a Vale não é boba de deixar de lado, para virar sucata todo os seus ativos industriais de beneficiamento de ferro existente no complexo minerador de Itabira. É possibilidade real também depois que a Vale desistiu de trazer minério de ferro da mina de Serpentina, em Conceição do Mato Dentro, ao ceder a fabulosa jazida para a concorrente Anglo American.
É pela economia e demanda que vai explorar até a última tonelada de itabirito existente ainda no subsolo itabirano, até mesmo pelas dificuldades adicionais que enfrenta para licenciar novas minas, como é o caso da insistência com o projeto Apolo, que se arrasta há mais de uma década, cujo licenciamento ambiental pode não ser aprovado pelos impactos irreversíveis nos aquiferos e em todo Parque Nacional da Serra do Gandarela.
Embora esses ativos da Vale em Itabira já tenham sido pagos pelo lucro que geraram a partir de financiamento subsidiado do sempre oportuno BNDES (nessa hora não se fala em Estado Mínimo, quando é de seu interesse, a Vale sempre foi e será keynesiana), podem render muito mais aos acionistas – e ao governo federal também, com as migalhas de sempre ficando para o Estado de Minas Gerais e o município de Itabira.
Na Alemanha, como aqui no Brasil, a engalobação é a mesma
Em Mühlrose são “apenas” 200 habitantes e “nenhum deles sairá prejudicado com baixo valor pago pelas suas propriedades”, assegura o responsável pelo reassentamento na empresa de geração de energia Lausitz Energie Bergbau AG (LEAG), que fará a remoção da vila para explorar lignito.
“Não queremos que ninguém fique financeiramente prejudicado como resultado da relocação”, afirma Klausch na reportagem da Bloomberg, à semelhança do que também asseguram os prepostos da Vale envolvidos nas negociações com moradores que terão as suas residências nos bairros Bela Vista e Nova Vista removidas para a Vale construir uma nova estrutura de contenção de rejeitos (muro tubular), que diz ser para prevenir danos maiores em caso de ruptura de estruturas que estão sendo descaracterizadas a montante na barragem do Pontal.
Em Itabira como na vila de Mühlrose ocorre tudo isso mesmo sob protestos dos moradores impactados. Na pequena vila medieval alemã, moradores deixaram afixada em uma residência já com janelas e portas lacradas pela empresa carbonífera, ao lado de uma placa com o indefectível “é proibido entrar”, outra faixa com o pedido: “Salvem nossa linda Mühlrose.”
Em vão, como foi também o protesto da pastora protestante Jadwiga Mahling, da paróquia local, na mesma reportagem aqui citada. “Para mim, é simplesmente inacreditável”, afirma. “Todos falam sobre a transição energética, mas aqui estamos decidindo puramente no interesse dos negócios.”
Resignado, um dos últimos residentes da Mühlrose, Detlef Hottas, 64 anos, ainda resiste em uma fazenda com a sua mulher, onde criam ovelhas e galinhas. “Eu não queria me mudar, porque nasci aqui. Esta é minha casa”, entristece.
Derrota incomparável
É assim também que Itabira continua cismando a derrota incomparável, ainda fascinada com o lucro fabuloso que o minério de ferro propicia ao erário municipal, com geração de empregos e oportunidades de negócios para poucos prestadores de serviços à empresa mineradora.
E assim, com a complacência da maioria, que a boca da mina avançará avassaladora sobre a cidade toda de ferro, com a gula destrulidora de uma gulosa que leva tudo e muito mais no maior trem do mundo, “puxado por cinco locomotivas a óleo diesel, engatadas geminadas desembestadas, leva meu tempo, minha infância, minha vida, triturada em 163 vagões de minério e destruição”, como já denunciou o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Isso enquanto “os itabiranos cruzam os braços e deixam a vida passar”. E a vida segue passando devagar em Itabira do Mato Dentro. Se passasse depressa, a cidade já teria cobrado com mais veemência o fim do quase monopólio pela Vale das outorgas da água do pouco que restou ao redor da cidade.
É o que historicamente impede a diversificação da economia local, ainda hoje, passados mais de oito séculos de exploração ininterrupta de minério de ferro para exportação, sem pagamento de impostos pela isenção no passado por dádiva de Getúlio Vargas – e agora pela Lei Kandir, deixando migalhas que o povo agradecido diz amém, até que chegue irremediavelmente à derrota incomparável.
A vale continua avançando na área rural da cidade, derrubando matas, nascentes de água e muita história.
Nisso vai a minha história de infância e de vida!
Triste, muito triste.
Nosso amado poeta fala por todos nós: “Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói.”