Fim da mineração em Itabira só deve ocorrer depois de 2060. Afinal, a Vale não é boba de abandonar os ativos que tem no distrito ferrífero

Foto: Acervo Vila de Utopia

Carlos Cruz

O último da série de relatórios Form-20, exigência do mercado financeiro norte-americano, – com os quais a Vale arquiva, desde 2001, junto à U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), nos Estados Unidos, balanços gerais de suas atividades minerárias, ativos e passivos –, informa que as minas de Itabira só vão exaurir em 2041.

Balela! Essa previsão é para os norte-americanos verem e investirem nas ações da mineradora na Bolsa de Nova Iorque. As previsões desses relatórios são falácias – e até recentemente, somente consideravam as reservas já auditadas, sem apresentar os recursos minerários adicionais.

Para se ter ideia da discrepância dessas previsões, no relatório Form-20 de 2001, a  Vale informa pela primeira vez ao mercado que as reservas de minério de ferro em Itabira iriam exaurir em 2014, com o fim do minério nas minas Cauê e Conceição.

Cauê exauriu muito antes, em 2003, sem que a Vale tenha aberto discussão sobre o que fazer com a cava, abandonando o projeto inicial de transformá-la em um grande reservatório de água para a cidade.

Sem dar satisfação à sociedade itabirana, mesmo sendo detendora de uma concessão pública, a mineradora passa a dispor rejeitos e material estéril nesse imenso buraco, que volta ser montanha com essa disposição. Não se discutiu o descomissionamento dessa mina, por considerar que ainda é área operacional. Nenhuma compensação foi oferecida por essa grande perda incomparável.

A mina Conceição, que pelo primeiro relatório Form-20 também iria exaurir em 2015, mantém-se em operação, devendo ser ampliada juntamente com a mina de Dois Córregos, que, neste mesmo relatório de 2001 consta como tendo a maior reserva de minério de ferro em Itabira.

Essa mina pouco falada, já que é parte das Minas do Meio, dispunha de uma reserva de 403,7 milhões de toneladas (MT) com 59,5 de ferro (o maior teor entre todas as outras minas da Vale em Minas Gerais naquele ano), enquanto Conceição dispunha de 319,5% com 56,7% de ferro, segundo registra o relatório de 2001.

Relatório Form-20 registra, em 2001, previsão de exaustão das minas Cauê e Conceição em 2014. Nada mais falso: Cauê exauriu em 2003 e Conceição vai ser ampliada (Reprodução)

Nesses relatórios, cujas previsões foram alterando a cada ano, não eram divulgados os recursos disponíveis, o que só passou a fazer a partir do ano passado. Atualmente, o horizonte para a exaustão das minas de Itabira está “previsto” para 2041.

Mas não será surpresa se nos próximos relatórios a projeção avançar ainda mais, podendo chegar até mesmo a 2060. Quem gostaria de ver Itabira livre da mineração, não vai gostar disso e vai continuar respirando ar poluído por partículas de minério em suspensão, pois muito pouco deve ser feito para mitigar essa situação, como tem sido desde sempre.

2060 é o  horizonte de exaustão anunciado pelo ex-diretor de Ferrosos José Martins Viveiros , em 2003, na Acita (https://viladeutopia.com.br/vida-longa-para-as-minas-de-itabira-preconizou-o-ex-diretor-viveiros-em-2003-na-acita/).  Na ocasião, Viveiros assegurou que não haveria ampliação do pit das minas, que ficaria restrito ao atual, permancendo a linha férrea mantida como a divisa entre as minas e a cidade.

Porém, essa restrição já não se tem mais. A mineração pode ter continuidade em Itabira avançando por outros territórios do município, onde sabidamente há milhões de toneladas de minério de ferro sob a cidade.

No bojo da aprovação do novo plano econômico das minas do distrito ferrífero de Itabira, a Agência Nacional de Mineração (ANM) indagou como seria esse avanço sobre a cidade, para além do pit atual das minas.

A resposta que a Vale apresentou à agência reguladora da mineração, Itabira não tomou conhecimento, uma vez que a mineradora pediu sigilo dessas informações e foi prontamente atendida.

O futuro de Itabira à Vale pertence

Diretor de Uso Futuro, da Vale, sugere parcerias com a Red Bull para realizar enduros como motocross nas minas exauridas: mais poluição do ar e sonora, na contramão das demandas para diminuir a emissão de dióxido de carbono (CO₂) e outros poluentes (Imagem: Reprodução/Linkedin)

Com essas sucessivas ampliações das minas e de seus horizontes de exaustão, Itabira se mantém dependente da mineração, sem que se tenha ainda encontrado alternativas, até por não dispor de água em volume suficiente para atrair novas indústrias, já que as principais outorgas estão com a Vale.

E não abre o debate de como ocorrerá o descomissionamento e quais os projetos de uso futuro podem ser implementado nessas áreas exauridas.

Entretanto, o diretor de Uso Futuro, um tal de Gustavo Roque (estará ainda na empresa?), recentemente apresentou no LinkedIn, sem citar Itabira, sugestão de a mineradora fazer parceria para a realização de competição semelhante à Red Bul Erzabergradeo, um enduro de motocicletas realizado na montanha Erzaberg, em Eisenerz, na Áustria, nas vias de acesso às minas exauridas.

Nada mais impróprio, mas a sugestão dá ideia do que pensam as “cabeças iluminadas” da empresa no Rio. Eles continuam vendo Itabira como o pit das minas que já foi, por mais 43 anos, a maior produtora de minério de ferro do mundo.

A mineração em larga escala em Itabira foi viabilizada para fornecer matéria-prima para o aço empregado na fabricação de tanques e armamentos pesados para os aliados derrotarem o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial (1939-45). (Infelizmente o ovo da serpente não foi destruído e está de volta em várias partes do mundo, inclusive no Brasil).

Essa não abertura para o debate sobre a exaustão das minas locais acontece mesmo tendo a mina Cauê exaurido em 2003. A Vale não apresentou naquela ocasião à Itabira, e também não foi cobrada, e muito menos executou medidas compensatórias pela exaustão dessa histórica mina.

Isso por entender, numa leitura casuística da legislação, que essa discussão somente deve ser aberta dois anos antes da exaustão final de todas as minas do complexo de Itabira, em qual ano isso vai acontecer ninguém sabe, nem mesmo a própria mineradora.

Legislação é vaga, cheia de lacunas

Para negligenciar essa discussão sobre o descomissionamento e uso futuro de áreas exauridas e degradadas, a mineradora se apega e faz uso dos lapsos da legislação, que trata diferentemente os requisitos para apresentar os planos de fechamento em relação às novas minas.

Para essas, antes de aprovar o projeto de lavra, o plano de fechamento é apresentado ainda no início do processo de licenciamento, enquanto a mesma legislação negligencia e tangencia a apresentação e discussão desses planos para as minas mais antigas, como é o caso de Itabira.

Desde 2013 a empresa é obrigada a apresentar o plano de fechamento de cada mina à agência reguladora, que deve ser atualizado a cada cinco anos.

O último plano deve ter sido atualizado no ano passado e encaminhado à ANM. No entanto, a mineradora nada informa a Itabira. E a Vale se nega a participar de um grupo de discussão sobre o fechamento das minas locais, instituído pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema).

Não bastando esse descaso, a empresa sequer disponibiliza esse plano de fechamento atualizado para que o grupo possa tomar conhecimento das ações de recuperação da degradação ambiental e uso futuro, por exemplo, das pilhas de estéril já conformadas, sem receber mais material, como também sobre o uso futuro dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, em fase de descomissionamento.

Assim como nada informa como será o uso futuro do dique já descaracterizado na barragem do Rio de Peixe. Nada disso importa para a mineradora. Afinal, não há respeito para com o público itabirano, mesmo sendo detentora de concessões públicas. Com certeza, o itabirano vai ser o último a saber quando o fim inexorável realmente acontecer.

Saiba mais

O descomissionamento de minas é um processo que visa garantir a segurança ambiental e a reabilitação necessária das áreas mineradas. As mineradoras são responsáveis pelo descomissionamento de suas minas, conforme as regulamentações aplicáveis, mas o que fazer nessas áreas exauridas deve ser debatido com a sociedade afetada pela atividade.

Mas isso, pelo que os fatos indicam, não se aplica a Itabira, que continua especulando sobre o fim inexorável que virá, mais cedo ou mais tarde, sem que se tenha encontrado alternativas para o seu desenvolvimento sustentado, assentado em bases diversificadas antes que o fim aconteça com a derrota final incomparável.

Quando não existem  dados precisos e oficiais, muitas especulações aparecem e a Rádio Peão aumenta, mas não inventa.

Isso aconteçe quando não há transparência e objetividade nas informações, uma prática que parece ser intencional da mineradora para deixar a cidade com medo do fantasma da exaustão. Mantém-se assim, deliberadamente, a dependência à mineração, enquanto o itabirano cruza os braços e deixa “a vida passar devagar em Itabira do Matto Dentro”.

Pena que seja assim. Poderia ser bem diferente, com mais diálogo, informação e ação para se fazer o que há muito já deveria ter sido realizado para Itabira se transformar em um caso mundial de mineração. Pelo visto, vai ser justamente o contrário, infelizmente.

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4 Comentários

  1. Além do mineiro de ferro a vale também roubar ouro pedras preciosas tem galpão em Vespasiano é outros lugares onde esconde nossas riquezas povo brasileiro otários ainda trabalha pra eles

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