Com a crise hídrica há muito anunciada e sem precedente, Itabira pede urgência no licenciamento ambiental da transposição de água do rio Tanque
É preciso agilizar o licenciamento ambiental pelo Estado da transposição de água do rio Tanque, impondo condicionantes que incluem a reabilitação de toda a sua mata ciliar e de seuse afluentes
Foto: Reprodução/ Aecom Engenharia
Carlos Cruz
Com os parcos mananciais que abastecem a população de Itabira estando em níveis mais baixos de todos os tempos, em decorrência da forte estiagem com a umidade relativa do ar variando entre 20% e 12% – e sem previsão de chuvas para os próximos 15 dias, não será de estranhar se a Prefeitura decretar o racionamento de água na cidade para os próximos dias.
Com o racionamento, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), que já faz manobras para manter o abastecimento ainda que precário na cidade, passará a liberar água para os bairros em dias alternados até que volte a chover.
Trata-se de uma medida que pode se tornar imprescindível diante da escassez hídrica anunciada e prevista há mais de 20 anos, pelo fato de a cidade não dispor de mananciais robustos para abastecer a sua população, uma vez que as principais outorgas estão com a mineração.
Não é, portanto, somente agora com a seca prolongada que a cidade enfrenta crise hídrica sem precedente histórica, em decorrência sobretudo da má distribuição dos recursos hídricos, com a maior parte ficando como insumo para as atividades de mineração.
Tanto é assim que em 2000, com a aprovação da Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira, pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), foram definidas várias condicionantes, muitas ainda não cumpridas, para que a Vale solucionasse em definitivo o recorrente problema da falta de água na cidade, solução essa que vem se arrastando desde então.
Por muito tempo a mineradora sustentou que não haveria necessidade de fazer transposição de água do rio Tanque para abastecer a cidade.
Isso porque, conforme ela propagou, inclusive em seu house-organ Vale Notícias, que a partir de 2016, com a exaustão das Minas do Meio (Chacrinha, em especial), ficariam disponíveis mais de 1,100 litros por segundo (l/s) de água disponível com o fim do rebaixamento dos aquíferos.
Isso se tornaria, segundo a empresa, um “grande legado” da mineração para a Itabira, ela propagandeava – uma água de classe especial que serviria para abastecer a cidade com sobras suficientes para atrair novas indústrias para diversificar a economia local.
Jogo de empurra
E foi assim empurrando indefinidamente a transposição da água Tanque que a crise hídrica em Itabira vem se agravando ano a ano, ao ponto de agora atingir a própria mineradora, que também precisa de mais recursos para atender às demandas de suas plantas industriais, uma vez que as águas de suas barragens também estão se tornando escassas.
Isso até que se tornou evidente a balela do tal legado dos aquíferos, a partir do momento que a mineradora decidiu por dispor nas cavas exauridas rejeito e material estéril, sepultando de vez a possibilidade de suprir a população com essa água de qualidade especial, a mesma que abastece os bairros Pará, Centro e Penha desde muito tempo.
Foi só depois de não se ter mais a alternativa das águas subterrâneas, e com a crise hídrica se tornando mais aguda, que em agosto de 2020 a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, curadora do Meio Ambiente do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), propôs a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que a Vale arque com os custos da transposição de água do rio Tanque para abastecer a cidade.
Antes, a proposta da administração anterior, que considerava cumpridas as condicionantes da água impostas como obrigação de fazer pelo órgão ambiental estadual à Vale, era de se fazer uma parceria público-privada, com o consumidor pagando a conta do investimento com o reajuste da tarifa de água em até 30%. A proposta foi aprovada pela Câmara em março de 2019.
Com o TAC, a obrigação de arcar com os custos da transposição passou a ser de quem deve essa água à Itabira, a mineradora Vale. Só que o projeto inicial, que era de captar 200 l/s, passou para 600 l/s, ficando o que sobrar para uso da mineração, que, gulosa, tem muito mais sede de água nova que toda a população de Itabira e demais indústrias estabelecidas no município.
Licença ambiental
Foi uma conquista histórica para Itabira. Entretanto, mesmo com a assinatura do TAC, essa “solução definitiva” (será?) se arrasta há mais de quatro anos, em decorrência da morosidade na aprovação da licença ambiental estadual dessa necessária e urgentíssima transposição para não deixar Itabira sem água, como vem acontecendo com maior gravidade nesta estiagem. E só deve ser concluída, se não houver mais atrasos e não ser agilizada a licença ambiental, em 2027.
Desde que assumiu a administração de Itabira, o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) tem feito gestão para agilizar o licenciamento, necessário para enfim ter início as obras de captação, adução, tratamento e distribuição da necessária água do rio Tanque.
Depois de até aqui malgrada essa gestão junto aos órgãos ambientais estaduais, o prefeito se reuniu, nessa sexta-feira (30), com a secretária de Estado de Meio Ambiente e Recursos Renováveis, Marília Carvalho de Melo, em Belo Horizonte.
No encontro, o prefeito reiterou o apelo para que o licenciamento da transposição ocorra o mais rápido possível, uma vez que a situação de escassez em Itabira está à beira da calamidade pública – e a alternativa para captação de água do rio Tanque vem se arrastando muito além do que seria razoável.
Utilidade pública
Para dar celeridade ao processo de licenciamento ambiental, Marco Antônio Lage reivindicou a declaração de utilidade pública estadual, para que possa ser desburocratizado e agilizado o licenciamento, dando início às obras de transposição o mais rapidamente possível, já que Itabira já esperou por isso muito mais do que seria razoavelmente admissível.
A própria Vale, que vai arcar com os custos da transposição por força das condicionantes ainda não cumpridas da LOC – e agora também pelo TAC assinado com o MPMG, já havia pedido anteriormente a expedição de uma Declaração de Utilidade Pública (DUP) à Superintendência de Água, Esgoto e Drenagem Pluvial (SUAD), até então também sem sucesso.
A DUP é o órgão estadual responsável pela gestão e operação dos serviços de saneamento básico em Minas Gerais – e tem entre as suas atribuições garantir a captação, tratamento e distribuição para que não falte água potável para a população. Argumentos para que trate essa captação como sendo de utilidade pública não faltam e precisam ser urgentemente acatados.
Empenho necessário
Na reunião com o prefeito, a secretária Marília Carvalho de Melo, mostrou-se receptiva ao pedido, sinalizando com a possiblidade de a DUP declarar a demanda de Itabira por água potável como sendo de utilidade pública. A expectativa é que isso ocorra ainda neste mês de setembro.
“Essa é uma grande prioridade nossa neste momento. Em breve, a licença estará concluída para que o município tenha, junto com a empresa (Vale), condições de executar as obras e entregar água para toda a população”, comprometeu-se a secretária Marília de Melo, em vídeo que foi posteriormente postado pelo prefeito em sua rede social.
Pois que saia logo esse licenciamento ambiental para enfim dar início às obras de captação, adução, tratamento e distribuição da água a ser transposta do rio Tanque, processo que já se arrasta há mais de dois anos, sob pena de penalizar ainda mais a população itabirana e a própria economia da cidade, pois não há como diversificar a sua estrutura produtiva sem esse necessário e imprescindível insumo.
Condicionantes
É razoável, necessário e até imprescindível que por esse licenciamento ambiental sejam impostas condicionantes que visem a preservação e recuperação hídrica do rio Tanque, que vem se definhando ano a ano. Isso para a fonte não secar e deixar de ser “alternativa definitiva” para o abastecimento de água na cidade.
Entre as condicionantes, deve-se constar a recuperação de toda a mata ciliar do rio Tanque desde a sua nascente, além de todos os principais afluentes até a sua foz no rio Santo Antônio, em Ferros.
E à prefeitura cabe manter e ampliar o programa de proteção de todas as nascentes existentes no município, como medida compensatória para que ocorra essa necessária e atrasada transposição.
Racionamento já começou faz tempo na cidade pela falta de água nos mananciais
Com o aprofundamento da crise hídrica em Itabira, podem ter o abastecimento temporariamente afetado os bairros Bela Vista, Campestre, Cidade Nova, Eldorado, loteamento Village da Lagoa, Nossa Senhora das Oliveiras, Nova Vista, Pedreira do Instituto, Penha, Santo Antônio e São Pedro.
Manobras para amenizar o risco de desabastecimento já estão sendo realizadas pela autarquia.
O racionamento na cidade só não afetou ainda os bairros Pará, Centro e Penha, que são abastecidos pelos poços profundos das Três Fontes, com a água captada do aquífero Piracicaba, que ainda resiste à seca prolongada, sabe-se lá até quando.
Se houvesse de fato, e não de ficção, o tal legado dos aquíferos prometido para 2016, após a exaustão das Minas do Meio, a população de Itabira não estaria hoje sofrendo com a constante falta de água.
Vale recordar
“Com a aprovação do projeto de lei 33/2018 pela Câmara Municipal na sessão dessa terça-feira (22), o prefeito Ronaldo Magalhães (PTB) passa a dispor de instrumento legal para terceirizar, eufemismo para a privatização, vários serviços que historicamente são gerenciados pela administração pública (Saae, Itaurb). A lei institui o Programa Municipal de Parcerias Público-Privadas.” (Vila de Utopia, 24 de maio de 2028)
Acesse a íntegra do TAC da Água do Rio Tanque aqui:
https://viladeutopia.com.br/wp-content/uploads/2024/09/SEI_MPMG-0255978-Termo.html
Para saber mais, acesse:
Saae quer que população pague pela água captada no rio Tanque
Prefeito envia projeto à Câmara para captar água no rio Tanque sem considerar outras alternativas
Meu amigo Carlos Cruz, captar água do Rio Tanque, ótimo, mas olhe as margens do Rio tanque, que tristeza, totalmente descoberto de vegetação. E os governantes nossos já sabiam do estudo patrocinado pela mineradora VALE desde 2000 LOC VALE Licença de Operação Corretiva. E o que foi feito com relação da mata ciliar ao entorno do rio? acho que nem precisa falar nada, é visível e notório a omissão de nossos gestores e também da mineradora Vale.