Vale apresenta ao Codema plano de fechamento das minas de Itabira sem alternativas econômicas para o pós-mineração

Na imagem em destaque, o cenário futuro do empilhamento no final da cava Cauê: uso presente

Fotos: Reprodução/
PFMI/Vale

Carlos Cruz

Após diversas cobranças públicas, inclusive aqui neste site Vila de Utopia, a mineradora Vale finalmente encaminhou ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) o tão esperado Plano de Fechamento das Minas de Itabira (PFMI).

A divulgação do documento foi apresentada como uma condição para a anuência do órgão ambiental, aprovada no dia 14 de maio, para a expansão das minas do Meio e Conceição, além da instalação de duas grandes pilhas de rejeito/estéril.

Até então, o plano era mantido sob sigilo, apesar de sua obrigatoriedade legal, sendo atualizado a cada cinco anos e enviado à Agência Nacional de Mineração (ANM).

O documento atual é datado de maio de 2025, até parece ter sido elaborado para atender à solicitação do Codema. Terá sido enviado à agência reguladora da mineração?

O documento apresenta os impactos ambientais e técnicos do fechamento, mas não inclui nenhuma proposta econômica para Itabira após a exaustão das minas – prevista para 2041.

Se nenhuma alternativa viável for implementada antes mesmo do fim inexorável, o município corre o risco de enfrentar um colapso econômico, podendo se tornar uma quase “cidade fantasma”, inviável economicamente.

PDE Itabirucu

Diferenças entre planos

A diferença entre o documento encaminhado ao Codema e o Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), elaborado em 2013 pela consultoria Tüv Süd Bureau, é evidente.

O PRFIMI abordava a necessidade de planejamento econômico, propondo medidas concretas, como o Ecoparque Cauê, que sugere o cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril das cavas exauridas, com foco na produção de insumos terapêuticos para hospitais e a indústria farmacêutica – além da construção de um novo hospital na cidade.

Já no PFMI enviado ao Codema, a Vale ignora completamente a necessidade de alternativas econômicas para a cidade pós-mineração.

Além disso, a empresa trata o Complexo Itabira como uma única estrutura, sem considerar as minas individualmente.

Para saber mais, acesse o PFMI enviado ao Codema aqui.

E compare-o com o PRFIMI enviado em 2013 ao DNPM (atual ANM)

Arranjo geral atual do complexo de Itabira: minas, arragens e pilhas em profusao na cabeceira da cidade

Exaustão da mina Cauê

Um exemplo da falta de transparência na condução desse processo é a exaustão da mina Cauê, ocorrida em 2003, mas comunicada oficialmente à sociedade apenas agora, por meio desse documento encaminhado ao Codema.

A estratégia é clara: empurrar a discussão para o futuro, possivelmente até que a produção da mineração local seja reduzida para cerca de 5 milhões de toneladas anuais.

Com as quedas sucessivas de produção já observadas no complexo local, com a Prefeitura recebendo menos royalties (Cfem) e a quota-parte de ICMS ficando cada vez menor, essa estratégia da mineradora é prejudicial à cidade e compromete o seu futuro.

Itabira Sustentável

Complexo Conceição: ampliação é necessária para a mineração em Itabira permanecer até 2041

Isso, enquanto a Vale informa que já está trabalhando nesse tema por meio do projeto Itabira Sustentável, lançado com toda pompa e circunstância em 30 de outubro de 2023.

O projeto inclui um termo de cooperação técnico-financeira para viabilizar 61 iniciativas, anunciadas como ações preparatórias para a transição econômica do município.

O plano, construído desde o início da administração passada que tem continuidade na atual gestão, tem o auxílio da consultoria internacional Arcadis, também financiada pela Vale.

Segundo a mineradora, algumas iniciativas já estão em andamento, como a aquisição de um moderno laboratório para o curso de Medicina do UNIFuncesi e outros projetos a serem implantados nos próximos anos, sabe-se lá quando. E, também tem investido na lenta quase parando construção de três novos prédios no campus da Unifei-Itabira.

Ainda assim, esses projetos parecem pouco significativos diante da urgência da diversificação econômica de Itabira.

Cavas das Minas do Meio, que também serão ampliadas

Atrasos históricos

Por exemplo, a cidade aguarda há mais de 25 anos pela transposição de água do rio Tanque, uma ação que constava da Licença de Operação Corretiva (LOC), de 2000, e que só agora está sendo executada por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público de Minas Gerais – e que só deve ser concluída em 2027.

Essa crise hídrica prolongada é apontada, historicamente, como um dos principais obstáculos para a atração de novos investimentos industriais, o que dificultou a criação de alternativas econômicas sustentáveis para o município.

Enquanto isso, a Vale, em conversas privadas, atribui a responsabilidade ao próprio município, argumentando que Itabira não utilizou corretamente os recursos da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), os chamados royalties do minério.

Esses recursos, de fato, têm sido historicamente mal empregados, inclusive com a Prefeitura sofrendo calotes de empresários que obtiveram empréstimos subsidiados pelos royalties e não os quitaram.

Mas também é fato que parte desse recurso é empregado no custeio do hospital Carlos Chagas, que foi da Vale, repassado com todos os encargos ao município, com a mineradora livrando-se desse ônus no final do século passado.

Dependência da mineração

Mapa hidrogeológico local

É fato também que Itabira tem sido economicamente dependente da mineração há décadas.

Essa relação, entretanto, não foi administrada de forma correta e necessária pela municipalidade, nem gerou o retorno esperado desde o início da mineração em larga escala, com a criação da estatal Companhia Vale do Rio Doce, no início da década de 1940.

Por muitos anos, o município isentou a mineradora do pagamento de impostos, o que fez com que praticamente toda a hematita do Cauê, única existente em grande volume no Quadrilátero Ferrífero, fosse exportada, levada pelo maior trem do mundo para o Japão, Alemanha e Canadá, sem qualquer tributação em benefício do erário municipal.

Só em 1969, com a criação do Imposto Único sobre Minerais (IUM), o município passou a receber exíguos tributos. Além disso, até as calçadas de hematita do centro histórico de Itabira foram entregues à mineradora como pagamento de dívidas do município com a Vale.

Agora, com o iminente encerramento da mineração em 2041, o município precisa agir rapidamente para evitar um cenário de colapso econômico.

O Plano de Fechamento deveria trazer propostas concretas de transição para o município, garantindo que Itabira não seja abandonada após a exaustão de suas minas.

Estruturas descomissionadas e responsabilidades no pós-mineração
Britador desativado no complexo local, sucateado: será o futuro de Itabira?

O fechamento das minas exigirá um extenso processo de descomissionamento de estruturas minerárias, industriais e ambientais. Entre as principais intervenções previstas estão:

Cavas: Cauê, Conceição e Minas do Meio terão que ser estabilizadas fisicamente e quimicamente para evitar riscos ambientais. A cava Cauê será parcialmente preenchida com rejeitos filtrados para sua reintegração ao ecossistema.

Barragens e diques: Conceição, Itabiruçu e Rio do Peixe, além das estruturas das Minas do Meio (Cambucal I e II, Borrachudo), passarão por descaracterização e estabilização.

Pilhas de estéril: Estruturas como PDE Aba Oeste, PDE Canga e PDE Itabiruçu serão revegetadas e monitoradas para evitar erosão e instabilidade geotécnica.

Instalações industriais: Usinas de beneficiamento, sistemas de transporte de rejeitos e minerodutos serão desmontados.

Após o encerramento das operações, a responsabilidade pela manutenção e monitoramento dessas áreas será da Vale durante os primeiros anos do pós-mineração.

Segundo o documento encaminhado ao Codema, o acompanhamento geotécnico e ambiental deve se estender por até 10 anos, incluindo inspeções periódicas, revegetação e análise da qualidade hídrica das barragens.

No longo prazo, caberá ao município e aos órgãos ambientais manter a fiscalização e garantir que essas áreas não representem riscos para a população? Terminam aí as responsabilidades da mineradora Vale?

Medidas são insuficientes

Barragem do Pontal retém 209,8 milhoes de metros cubicos entre água e rejeito armazenado na barragem

O que está proposto no Plano de Fechamento das Minas de Itabira é insuficiente. E precisa ser debatido e discutido com a sociedade itabirana desde já, para que outras medidas de mitigação e compensações possam ser incorporadas.

A construção desse plano não é exclusividade da mineradora Vale, deve ser debatido com o conjunto da sociedade itabirana. E precisa ser implementado desde já, inclusive definindo o uso futuro das áreas exauridas e também das barragens.

Espera-se que as minas exauridas da Vale em Itabira não sejam transformadas em pistas de motocross, como propõe o diretor da mineradora de Uso Futuro, Gustavo Roque (Foto: Reprodução: Linkedin)

Que não sejam por meio de disputas de motocross e atividades correlatas, como tem sido proposto pelo diretor de Uso Futuro da Vale, Gustavo Roque, uma proposta indecorosa e que vai de encontro às políticas de sustentabilidade necessárias para diminuir os impactos decorrentes do uso de combustíveis fósseis.

A Vale e o poder público precisam acelerar a implementação de alternativas econômicas reais e sustentáveis para garantir um futuro viável para a cidade. O tempo está se esgotando – e Itabira não pode esperar mais, antes que venha a “derrota incomparável” cismada por Tutu Caramujo.

 

 

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1 Comentário

  1. Prezado Carlos,
    Penso que nao deveria caber à Vale propor alternativa econômica para Itabira ou qualquer outro lugar.
    Esse é um papel da sociedade civil e do poder público, a Vale podendo participar disso como mais um ente.

    Essa alternativa, após consensada, deve ser orçada e a conta apresentada à empresa.

    Dois pontos me parecem fundamentais no que diz respeito ao complexo Vale em Itabira.

    1) A definição das áreas pertinentes para a recepção de indústrias, centros de serviços, moradia e as que devem ser reabilitadas para a natureza e o lazer – feito isso, definição de como devem ser entregues pela empresa ;
    2) A potencialização do ramal ferroviário para o transporte de passageiros e de cargas das empresas que se incorporarem à nova fase de Itabira.
    Um último ponto a também merecer atenção é o tipo de formação técnica e de nível superior que deve criar o ambiente e formação para alimentar esse novo cenário

    A Vale não tem expertise em planos de desenvolvimento. Um termo de referencia deve ser criado, com participação da sociedade civil. E estabelecidos os espaços e conceitos, a possibilidade de utilização da logística ferroviária, a Prefeitura de Itabira poderia lançar um concurso publico internacional – com uma comissao qualificada e isenta para formulação de um edital ou conjunto de editais e para apreciação das propostas.

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