Água do rio Tanque só deve começar a jorrar nas torneiras de Itabira em 2026, diz promotora

Trecho do rio Tanque onde vai ocorrer a captação tem mata ciliar raquítica e áreas descobertas assoream o seu leito

Foto: Reprodução/
Aecom

Por Carlos Cruz

Embora o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) tenha feito gestão para antecipar para 2024 o cronograma de construção da adutora, emissário e uma nova estação para o tratamento da água do rio Tanque, dada a urgente necessidade de equacionar o eterno problema de escassez desse recurso na cidade de Itabira, só em 2026 o projeto de transposição deve ser concluído.

2026 é a data prevista para a conclusão das obras necessárias para o cumprimento integral do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado pela mineradora Vale com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em 2020.

“A Vale nos disse, em abril deste ano, que não teria como executar as obras no prazo requerido pelo prefeito, daí que prevalece o cronograma inicial”, disse à reportagem deste site a promotora Giuliana Talamoni Fonoff.

Curadora do Meio Ambiente, a representante do MPMG presidiu o inquérito instaurado para que a Vale cumpra o que dispõe a condicionante 12 da Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira, referente ao abastecimento público em Itabira não somente apresentando o projeto de captação, mas também arcando com os seus custos.

É que a cidade de Itabira perdeu para a mineração as fontes de água que existiam na encosta da Serra do Esmeril. Atualmente, a Vale, detém o quase monopólio das outorgas na cidade.

A mineradora deixou de arcar com esse custo desde o ano 2000, quando as condciionantes foram aprovadas pelo órgão ambiental estadual, sob o argumento de que a sua obrigação era apresentar o projeto de captação e não a sua execução.

Outro argumento protelatório, apresentado no passado pela mineradora em reuniões com a Prefeitura e o Serviço Autonômo de Água e Esgoto (Saae), e publicado em seu informativo Vale Notícias, foi que não haveria necessidade dessa transposição, uma vez que sobrariam águas dos aquíferos Cauê e Piracicaba após a exaustão das Minas do Meio para abastecer a cidade, o que não aconteceu.

Giuliana Fonoff, promotora de Justiça, entendeu que a Vale tem responsabilidade pela escassez de água em Itabira e propôs o TAC do Rio Tanque (Foto: Carlos Cruz)

Reforço no abastecimento

Enquanto a transposição não é concluída com a água do rio Tanque chegando a Itabira, em um volume de 600 litros por segundo (l/s), a Vale está obrigada a fornecer 160 l/s para reforçar os sistemas de tratamento e distribuição na cidade.

Entretanto, somente a partir deste ano a empresa tem fornecido integralmente esse reforço, segundo a promotora. Trata-se de uma das duas obrigações de fazer estabelecidas no mesmo TAC – a outra é concluir as obras necessárias para a transposição do rio Tanque, incluindo a construção de uma nova ETA.

Com a transposição concluída, o TAC prevê a utilização do excedente de água pelas operações da Vale, o que deve ser, inicialmente, acima de 400 l/s, uma vez que a demanda da cidade é por um acréscimo de 200 l/s

“Enquanto a Vale estiver utilizando dessa água, a empresa arcará com o custo energético. O Saae só assume esse custo quando estiver utilizando toda a água captada do rio Tanque de 600l/s”, esclarece a promotora.

Prazo

“Juntamente com a Aecom (empresa de consultoria do MPMG), entendemos que a antecipação de prazo pretendida pelo prefeito não é exequível, por se tratar de uma obra complexa”, disse a promotora, que enumera a questão da licença ambiental pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), como também alguns “gargalos” inerentes à passagem da adutora em propriedades particulares.

“A maioria das negociações com proprietários por onde vai passar a adutora já está resolvida, mas um ou outro caso pode ser judicializado se não houver um acordo consensual”, informa a promotora.

Nesses casos, como se trata de um projeto prioritário de interesse público, “a Prefeitura faz a desapropriação e a justiça manda executar a obra, enquanto os valores a serem pagos como indenização são decididos em juizo”, explica explica o secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott.

Outra questão já resolvida é a necessidade de se dispor na região da captação de energia elétrica pelo sistema trifásico para fazer o bombeamento da água até a cidade. Isso também já está resolvido, conforme teria respondido a Cemig, ao informar que dispoe desse sistema na localidade.

Quanto ao licenciamento ambiental, a promotora diz que o processo está correndo na “velocidade de cruzeiro”. “Não vejo isso como gargalo, por ser uma questão prioritária para o abastecimento em Itabira”, argumenta.

Reforço

Mesmo com a estiagem, a partir da solução encontrada pela Vale com a abertura de mais poços profundos nas minas para atender à demanda de Itabira, a promotora acredita que não haverá interrupção no reforço de 160 l/s daqui para frente, resduzindo significativamente a possibilidade de desabastecimento em alguns bairros da cidade.

Para isso, espera-se que não repita o que ocorreu em 2021, quando vários bairros ficaram sem abastecimento em diversas ocasiões, pelo fato de o Saae não dispor desse reforço no volume acordado, o que acarretou multas à mineradora, ainda não quitadas com o MPMG.

“Tivemos vários problemas com a Vale no início do TAC, quanto a parte do reforço. Já no ano passado o problema foi com a qualidade da água, quando se verificou excesso de ferro, que não é prejudicial à saúde, mas deixa a água escura, amarelada, o que gerou mais multas à Vale”, conta Giuliana Fonoff.

Se não causa danos à saúde humana, esse execesso de ferro acarretou mais despesas ao Saae, com mais gastos com o tratamento (filtragem e clarificação).

“Por envolver custos adicionais, cujo quantitativo o Saae ficou de nos apresentar, estamos vendo como isso deve ser ressarcido pela Vale. Se a empresa entender que nada deve, vamos executá-la (judicialmente) para cobrar esse custo adicional”, adianta a promotora.

Outorgas

Com, a disposição de rejeitos sobre o aquífero em cavas exauridas das Minas do Meio, a Vale inviabiliza o uso futuro desse manancial para o abastecimeto na cidade (Foto: Carlos Cruz)

A alternativa de captação de água do rio Tanque para solucionar de vez a escassez na cidade foi apresentada como solução pela administração passada, com o projeto de parceria público-privada (PPP), cujo investimento seria pago pelo consumidor com o aumento correspondente nas tarifas cobradas pelo Saae.

“Essa captação foi tratada em uma condicionante da licença ambiental de 2000, mas a Vale entendeu que a obrigação seria apenas apresentar o projeto de captação para a Prefeitura. Isso ela fez e o órgão ambiental entendeu que a condicionante havia sido cumprida”, relembra a promotora. Foi daí que o governo anterior propôs a PPP.

Com os trágicos rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, quando a mineradora foi proibida de dispor rejeitos na barragem Itabiruçu, a toque de caixa a Vale obteve licença ambiental para depositar esse material nas cavas exauridas das Minas do Meio.

Com isso, inviabilizou o cumprimento da promessa do “legado da mineração”, que viria a ser o acesso às águas dos aquíferos, com o qual, caso se concretizasse, não haveria a necessidade de captar água do rio Tanque. A Vale sempre empurrou pra frente a alternativa do rio Tanque com esse argumento protelatório.

“Com essas informações, inclusive com o material que nos foi passado (sobre esse legado do acesso à água dos aquíferos, fartamente noticiado por esse site), e também com base no Código das Águas, que prioriza as outorgas para o abastecimento humano, entendemos que a obrigação da Vale não era somente apresentar o projeto de captação da água do rio Tanque, mas também arcar com a sua execução”, recorda a representante do MPMG.

É que, no caso de Itabira, ocorre uma inversão das prioridades estabelecidas pelo Decreto Federal 24.643, de 10 de julho de 1934 (Código das Águas), ainda em vigor.

“Entendemos que o abastecimento urbano é prioridade para as outorgas e em Itabira a empresa estava conseguindo as outorgas para o seu uso mais facilmente que o Saae para o abastecimento público, uma inversão de prioridades.”

Outra questão levantada pelo MPMG, e que pesou também para a efetivação do TAC, foi a inviabilidade de se captar água da barragem de Santana para suprir a duplicada ETA Gatos. Isso por estar essa água contaminada por excesso de manganês, o que inviabilizou o aumento considerável da capacidade de produção hídrica na estação para distribuição na cidade.

Licenciamento

Denes Lott, secretário de Meio Ambiente, diz que deve pautar para os próximos meses a concessão de anuência pelo Codema para a captação de água no rio Tanque (Foto: Carlos Cruz)

Para a execução das obras de captação, adução, assim como para a construção da nova ETA, será preciso obter licenciamento ambiental junto ao Copam, como também a outorga ao Saae pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igan).

Antes, o próprio município terá que apresentar uma declaração de que o projeto está em conformidade com a legislação ambiental, como também do uso e ocupação do solo, o que ocorre por meio de anuência, ou não, do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), que sugere condicionantes.

Uma das condicionantes, sugere o secretário de Meio Ambiente, Denes Lott, pode ser a abertura de poços artesianos nas propriedades rurais por onde passará a adutora e que não disponham de água de superfície em abundância.

“Seria uma contradição ter água passando em grande volume nessas propriedades e os moradores tendo dificuldades de acesso à água”, observa o presidente do Codema, para quem outra condicionante pode ser também a recomposição de mata ciliar nas nascentes e em trechos descobertos do rio Tanque.

“Devemos incluir o pedido de anuência na pauta do Codema na reunião de novembro, no máximo em dezembro, para que se tenha um licenciamento estadual para dar início às obras em fevereiro/março”, informa o secretário.

Para Denes Lott, não é processo de licenciamento ambiental que não permite acelerar o projeto do rio Tanque. Isso se deve à sua complexidade.

“Não acredito que o licenciamento ambiental será dificultado por se tratar de prioridade para o abastecimento público. A execução da obra é complicada, teremos elevatórias muito altas, passando por terreno com declives também acentuados”, explica.

O pedido de licenciamento do projeto de transposição já foi encaminhado pela Vale aos órgãos ambientais estaduais, segundo Denes Lott. “A Vale é responsável pela execução das obras, é ela que vai tocar o empreendimento para depois passar para o Saae.”

Vale responde

“A Vale vem aprimorando, nos últimos anos, sua contribuição ao sistema de fornecimento de água de Itabira, em virtude do termo de compromisso firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) com o objetivo de cessar os problemas hídricos de Itabira.

Eventuais descumprimentos, devidamente justificados, estão em discussão junto ao MPMG, havendo a possibilidade do repasse financeiro em benefício do próprio município.

O Projeto Rio Tanque faz parte dessa contribuição e, pela complexidade técnica, não é possível antecipar a sua implantação, que está prevista para 2026, conforme cronograma inicial já acordado com o MPMG.

A Vale reforça seu compromisso com a comunidade e transparência em suas operações.”

Para saber mais, leia:

Vale reconhece parte da dívida da água com Itabira e assume o custo da transposição do rio Tanque

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3 Comentários

  1. essa mineradora é sempre uma conversa muito ruim, sempre da pior qualidade
    e, a meu ver, essa água deveria ser captada na represa de Dona Rita, no mesmo Rio Tanque, aproveitando para ceder água aos moradores de Santa Maria também

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