“Será que o presidente da Vale sabe dessa situação complexa e singular que Itabira vive com a proibição de obras nas ZAS”
Codema suspende licenciamento da ETE-Pedreira para saber se a sua futura instalação está na ZAS, onde por lei federal estão proibidas novas obras públicas e privadas, a exemplo da avenida Machado de Assis, no destaque
Carlos Cruz
A pergunta do título dessa matéria é do titular da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o advogado Denes Martins da Cota, formulada na sexta-feira 8, na reunião do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema), que ele preside.
“Não sei se o presidente da Vale tem conhecimento dessa situação complexa e singular, de difícil solução que temos em Itabira”, quis saber o presidente do Codema, referindo-se à vedação da Lei Federal nº 14.066/2020, que institui a nova Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), ao proibir novas construções, públicas e privadas, nas localidades por onde pode passar a lama de rejeitos, no caso de rupturas de barragens.
O questionamento ocorreu depois de ser perguntado se manteria a apreciação do pedido de licenciamento ambiental para a instalação da Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) da Pedreira, uma urgente necessidade.
Isso porque, conforme apontou o conselheiro Sidney Lage, o local previsto para a sua instalação estaria na nova Zona de Autossalvamento (ZAS), redefinida para toda a cidade de Itabira. O local escolhido fica abaixo das barragens de Cemig II e Jirau.
Com o questionamento, o projeto da ETE-Pedreria foi retirado de pauta até que seja esclarecido pela Vale, e também pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), responsável pelo empreendimento, se a sua futura localização, na Rocinha, se encontra ou não na ZAS. Se estiver, terá de mudar a sua localização, por força da lei federal
Em Itabira, mais de 18 mil pessoas são diretamente atingidas por residirem em locais abrangidos pela ZAS – e por extensão toda a sua população e mais quem transita pela cidade.
Essas áreas podem ser alcançadas em poucos minutos pela lama de rejeito, em caso de ruptura de uma das 16 barragens que comportam, em seu conjunto, mais de 500 milhões de metros cúbicos de lama, contendo resíduos pesados do ferro desprezado no processo de produção de pellets-feeds para o mercado internacional.
As principais barragens são Itabiruçu, Conceição, Rio de Peixe, Pontal e Santana (essa não tem rejeito, trata-se de um reservatório para abastecer a usina Cauê). Mas tem também outras menores, como Cemig II, Jirau.
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Retirada de pauta
O pedido de retirada de pauta do projeto aconteceu depois que o conselheiro Sidney Lage, afirmou que, com as novas “manchas” redefinidas recentemente pela mineradora, a área escolhida para a instalação da futura ETE está na ZAS. O conselheiro tem propriedade no condomínio Quintas da Rocinha, com entrada justamente em frente à área onde a nova ETE está para ser instalada.
“Essa mancha foi ampliada, tanto que o ponto de encontro (para se autossalvar” em caso de ruptura de uma das barragens), que estava na entrada dos Gatos (povoado) foi mudado e hoje está no condomínio, com placa indicativa na entrada”, disse o conselheiro na reunião do Codema, ao pedir esclarecimentos sobre essa nova realidade que veio a público com reportagens deste site Vila de Utopia.
Saiba mais lendo aqui: Prefeitura de Itabira está proibida, por lei federal, de executar ou liberar obras por onde rejeitos de barragens podem passar se alguma estourar
E também aqui: Vale tem prazo até junho para informar à ANM como vai garantir a segurança de quem vive nas zonas de autossalvamento
Improbidade
“Essa disposição proibitiva da lei é claríssima”, reconheceu Denes Lott, para quem o projeto inicial da ETE, apresentada pelo Saae, entendeu que a sua instalação não estava localizada na ZAS.
“Mas se estiver, a lei tem de ser cumprida. Vamos suspender a apreciação do licenciamento até que a Vale informe se a localização está ou não na zona de autossalvamento”, sugeriu o presidente do Codema, o que foi acatado pelos conselheiros.
Pela legislação, se o poder municipal autorizar a realização de alguma obra em áreas localizadas na ZAS, o prefeito incorrerá em crime de improbidade administrativa, de acordo com o parágrafo 3º da mesma legislação federal:
“Cabe ao poder público municipal adotar as medidas necessárias para impedir o parcelamento, o uso e a ocupação do solo urbano na ZAS, sob pena de caracterização de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.”
Com isso, o secretário municipal de Meio Ambiente entende que Itabira vive um impasse de difícil solução, assim como ocorre em outras cidades que também dispõem de barragens de mineração a montante.
“A lei estabelece que não se pode ter pessoas e construções abaixo das barragens de mineração. Desde que tomou posse, Marco Antônio Lage não tem autorizado novas construções na ZAS”, assegurou o secretário.
Prazos
De acordo com a legislação, a mineradora Vale tem até 30 de junho para apresentar uma das três soluções que podem ser adotadas para resolver esse imbróglio jurídico, socioeconômico e ambiental, todas de difícil adoção em Itabira.
Pelo artigo 54 da Resolução nº 95/2022, da Agência Nacional de Mineração (ANM), que regulamentou a Lei Federal 14.066/2020, são três opções:
1) descaracterizar (descomissionar) as estruturas de contenção até 31 de dezembro de 2027; 2) reassentar as comunidades e o patrimônio cultural existentes nos territórios até a mesma data; 3) realizar obras de reforço que garantam a estabilidade efetiva da estrutura, com prazos específicos.
Provavelmente todo o esforço e lobby da Vale será para que seja aprovada a terceira alternativa, que já vem sendo implantada com a desativação dos diques e cordão Nova Vista, na barragem do Pontal, além de um dique já descaracterizado na barragem do Rio de Peixe.
Impasse
Mas para Denes Lott essa alternativa de reforçar as estruturas não vai eliminar a proibição de novas obras urbanas em áreas de ZAS. “Não adianta (fazer o reforço), pois as ZAS vão continuar existindo com as mesmas proibições”, disse o secretário, que é mestre em mineração e meio ambiente, com dissertação sobre descomissionamento de minas.
“Será possível realocar todas essas pessoas (que estão nas ZAS)?”, ele perguntou na reunião do Codema. “Ou a solução é desativar todas as barragens, o que implica na paralisação da mineração que é responsável pela movimentação de mais de 80% da economia itabirana”, indagou, da mesma forma sem saber qual das três soluções atende aos interesses da sociedade. Possivelmente nenhuma, ele acredita, daí o impasse.
Esclarecimentos
Para a próxima reunião do Codema, na primeira sexta-feira de maio, foi solicitada à Vale respostas a essas indagações, em especial se está ou não inserido na ZAS o local escolhido para instalar a ETE-Pedreira, mais precisamente se está na mancha de inundação das barragens Cemig II e Jirau em caso de ruptura de uma dessas estruturas de contenção de rejeitos.
Espera-se também que a mineradora detalhe como pretende cumprir a legislação federal de segurança das barragens em Itabira, que ameaça deixar parte da cidade sem poder expandir urbanisticamente.
Não por coincidência, mas por geografia, as ZAS se estendem, em boa parte, pelas áreas urbanas localizadas em áreas de preservação permanente (APP), mas que foram estabelecidas antes da legislação ambiental.
Nessas áreas não são também permitidas construções, exceto as de interesse público, como é uma ETE, que deve estar localizada próxima de curso d’água, por onde escoará os efluentes tratados.
Pois pode ser que nessa exceção esteja um argumento que, por analogia, pode ser aplicada à futura ETE-Pedreira para manter a sua localização previamente definida, com as medidas mitigadoras que eliminem o mau-odor, deixando de impactar a vizinhança, sem deteriorar a qualidade de vida de quem mora próximo. Se terá base jurídica, a conferir.
Leia o que diz a Vale em resposta aos questionamentos deste site Vila de Utopia
“É importante esclarecer que o Art. 18-A, §1º da Lei nº 12.334/2010, instituído pela Lei nº 14.066/2020, foi recentemente regulamentado pelo Art. 54 da Resolução nº 95/2022 da Agência Nacional de Mineração – ANM.
O dispositivo determinou que, para atendimento ao Art. 18-A, §1º, que o empreendedor deverá apresentar à ANM até o dia 30/06/2022 estudo de alternativas avaliando a relação de custos, riscos e benefícios para definição de qual será a medida a ser adotada (descaracterização da estrutura, ou o reassentamento da população e o resgate do patrimônio cultural, ou obras de reforço que garantam a estabilidade efetiva da estrutura), devendo considerar a anterioridade da barragem em relação à ocupação e a viabilidade técnico- financeira das ações que devem ser adotadas em cada uma das situações analisadas, sugerindo ao Poder Público a alternativa mais viável.
Diante disso, a Vale está trabalhando nos referidos estudos em relação às respectivas barragens que possuem comunidade na ZAS, estando o prazo para apresentação ainda em curso.
A Vale ressalta que não vem medindo esforços para garantir a segurança das pessoas das localidades onde atua, adotando as melhores práticas para resguardar as vidas, sempre buscando soluções para aumento crescente da segurança.
A empresa ressalta o cumprimento de todas as obrigações legais, com o aprimoramento dos sistemas de emergência e Planos de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) implantados e funcionais.
A empresa ainda tem intensificado a rotina dos exercícios simulados de emergência, capacitando todos os empregados e a população, com a participação de agentes públicos, para que tenham condições de proceder com as ações necessárias em caso de emergência.
A Vale reforça que todas as barragens são monitoradas, permanentemente, pelo Centro de Monitoramento Geotécnico (CMG) e diversos instrumentos, e são submetidas a inspeções de campo regulares.
Além disso, a Companhia, visando a maior proteção das comunidades e incremento da segurança das suas operações, e em atendimento às normas vigentes, vem procedendo com a eliminação de todas as barragens a montante da empresa no Brasil, reforçando o seu compromisso com a salvaguarda das vidas humanas e do meio ambiente.
Especificamente em relação às barragens de Itabira, as estruturas consideradas como de alteamento a montante estão sendo reforçadas e descaracterizadas, como os diques internos do Sistema Pontal.
O dique 2 foi reforçado em 2020 e a obra de descaracterização está programada para 2023; os diques 3 e 4 foram reforçados em 2021 e estão sendo descaracterizados; e o dique 5 foi descaracterizado no ano passado, assim como o dique Rio de Peixe.
Já o projeto de descaracterização dos diques Minervino e Cordão Nova Vista está em fase de desenvolvimento. Os diques 1A e 1B, da mina Conceição, estão em obras de adequação de descaracterização para atendimento às regulamentações recentes.
Por fim, a Vale informa que todas as indenizações eventualmente devidas serão tratadas com os envolvidos individualmente.”
“Por fim a Vale informa que todas as indenizações eventualmente devidas serão tratadas com os envolvidos individualmente”. O parágrafo final é um aviso mortífero. Onde estão os poderosos da cidade? São todos bundinhas cuidando de seus interesses privados?