Parte da reserva de Santana é incendiada, com início do fogo na manhã de sexta-feira, propagando até a manhã deste sábado (7)
Foto: Reprodução
“Não, não haverá para os ecossistemas aniquilados
Dia seguinte.
O ranúnculo da esperança não brota
No dia seguinte.
A vida harmoniosa não se restaura
No dia seguinte.
O vazio da noite, o vazio de tudo
Será o dia seguinte.”
(Carlos Drummond de Andrade, Mata Atlântica)
As mãos assassinas dos piromaníacos e outros criminosos que andam incendiando o país com queimadas e incêndios florestais já não se contentam em colocar fogo no mato seco. Nessa sexta-feira (6), pela manhã um fogo teve início, ainda perceptível só pela fumaça, na reserva legal de Santana, ao lado da barragem homônima, lado esquerdo da rodovia sentido Santa Maria.
Como a vigilância da Vale, que tem a obrigação de proteger as suas unidades de conservação, não agiu a tempo de debelar o fogo ainda no seu início, as chamas foram se propagando com a ação do vento e tempo seco.
À noite o fogo já havia atingido a copa das árvores, remanescentes da Mata Atlântica em estágio avançado de regeneração, agora fortemente atingidas pelas chamas. O fogo nessa mata não surgiu do nada, foi com certeza decorrente de uma ação criminosa.
Criminosos
Os piromaníacos são indivíduos doentes que sofrem de transtorno psicológico, a piromania, com esse desejo desenfreado para atear fogo e obter prazer, sem que se tenha motivação financeira. Esses precisam ser identificados e tratados.
Mas há também os incendiários de aluguel, alguns poucos já estão sendo investigados em São Paulo, após as ações sincronizadas em que atearam fogo nos canaviais. Esses precisam ser também identificados, processados e condenados na forma da lei.
Ambos comentem crime ambiental, quaisquer que sejam as motivações que os levam a provocar incêndios florestais e queimadas.
O ato irresponsável e criminoso é tipificado pela Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que prevê penas severas para quem causa danos ao meio ambiente, com prisão que pode variar de 2 a 4 anos de prisão, além de multa.
E se houver danos a terceiros, seja por colocar a vida em risco ou provocar danos ao patrimônio, pena e multa podem ser ainda maiores, além da obrigação de reparar o dano causado.
Identificar um piromaníaco pode ser difícil, mas ele sempre dá alguns sinais. É comum voltar ao local do crime para observar o resultado da pequena chama que ateou no mato seco. Ele tem fascínio mefistofeliano pelo fogo.
Já os incendiários de aluguel que andam provocando incêndios nos canaviais – e também em áreas para abrir pastagem, basta seguir o dinheiro e descobrir quem são os mandantes, os autores intelectuais.
Obrigação de proteger
Mas quando ocorre um incêndio em uma floresta densa, em unidades de conservação, há outros ilícitos que também precisam ser investigados e os responsáveis penalizados na forma da lei.
Por exemplo, o fogo que começou pequeno em parte da Mata de Santana poderia ter sido debelado logo no início, sem causar danos significativos, mas sem ser combatido, cresceu acabou atingindo as copas das árvores.
Nenhuma ação de combate foi desencadeada pela Vale, que tem a obrigação de proteger as suas unidades de conservação averbadas para esse fim.
Se não havia como os valentes brigadistas da Amda (Associação Mineira de Defesa Ambiental) chegar até o local, que fossem contratados equipamentos especializados.
Para a poderosa Vale, e se ela fosse realmente protetora, custaria muito pouco contratar helicópteros com baldes de água suspensos (Bambi Buckets) para combater o incêndio florestal, ou mesmo utilizando outros sistemas de pulverização de água, matando o fogo logo no início.
Poluentes cancerígenos e nocivos à natureza
Mas nada disso fez. Deixou o fogo propagar à noite inteira, carregando ainda mais o céu de Itabira com dióxido de carbono (CO₂), monóxido de carbono (CO), além de materiais finos particulados que causam doenças respiratórias e cardiovasculares, podendo chegar aos pulmões.
O fogo na mata libera também metano (CH₄), um perigoso gás de efeito estufa que contribui para o aquecimento global, como também hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), que são compostos químicos que podem causar câncer e outros danos à saúde.
Portanto, são poluentes que têm impactos significativos na qualidade do ar e na saúde humana, além de contribuir para mudanças climáticas e degradação ambiental.
Essas emissões aconteceram à noite inteira dispersando substâncias tóxicas no ar de Itabira, somando-se às indefectíveis partículas de minério em suspensão poluindo ainda mais Itabira.
É o que ocorre também com as queimadas que vêm ocorrendo por quase toda a cidade, com mais vigor na região do bairro Gabiroba.
Porém, de forma alguma isso não exime e nem ameniza as responsabilidades da Vale, que precisa descobrir e implementar meios mais eficazes dos que hoje mal utilizados para proteger as suas unidades de conservação, que são também patrimônios ambientais do município.
É o que ocorre também todos os anos no Pontal, uma área que é misto de reserva legal e operacional. Em toda estiagem a área arde em chamas, mesmo quando a Vale é avisada por sitiantes vizinhos a tempo de dar o bom combate logo no início da ocorrência.
Invariavelmente os brigadistas só chegam quando as chamas já se propagaram. Atordoados, e em número reduzido, não sabem por onde começar a apagar as perigosas chamas.
No incêndio na mata de Santana o fogo apagou por si só, sem que houvesse um combate ativo por parte da mineradora.
Deixou de propagar e causar danos maiores por não encontrar material combustível, mesmo sem a ajuda de alguns pingos de água que por lá não caiu para acabar com as chamas, já que não tem previsão de chuvas para os próximos meses. E nenhum combate aéreo foi executado
O fogo na mata de Santana apagou por ser remanescentes resilientes da Mata Atlântica, um bioma úmido que assim se conserva mesmo com a estiagem. Por sorte, possivelmente houve um arrefecimento do vento, mantendo-se as chamas na área inicialmente atingida pelo fogo criminoso.
Isso se não houver retorno, já que não feito rescaldo, que é para ter a certeza de que o fogo foi completamente extinto, sem risco de reignição. Nenhuma ação humana foi empreendida para garantir que o fogo não retorne.
Responsabilidades
O proprietário de uma área com reserva legal, neste caso, a Vale, tem várias responsabilidades para protege-la do fogo, não importa como começou e propagou.
Para isso, precisa manter vigilância permanente e dar combate assim que o incêndio tem início. E não é só fazendo minguados aceiros de três metros (quando deveriam ser maiores, de até seis metros) no entorno dessas unidades e mesmo internamente.
E sobretudo, precisa ter um sistema eficiente de monitoramento e vigilância, para que focos de incêndios possam ser combatidos logo no início. Mas nada disso aconteceu para que o incêndio florestal fosse combatido logo no início em parte da reserva legal de Santana.
Se houvesse real fiscalização, que fosse de fato e não de ficção, a mineradora Vale poderia ser também penalizada por omissão, por não dar combate eficiente aos incêndios florestais em suas áreas protegidas. Quando ocorre, começa tarde, quando o fogo já tomou grandes proporções.
As penalidades cabíveis aos proprietários que não protegem as suas reservas legais contra incêndios, permitindo que o fogo consuma a floresta, afugenta quando não mata a fauna, são severas caso fossem condenados.
Incluem multas com valores que variam de acordo com o dano ambiental, além da obrigação de reabilitar a área atingida com as mesmas espécies vegetais suprimidas pelo fogo.
Além disso, há ainda previsão de responsabilidade civil e criminal, pela omissão e pouca eficiência nessa necessária proteção.
Entre as penalidades previstas, estão as perdas de benefícios fiscais e creditícios (alô, BNDES), além de incentivos fiscais e perda créditos de carbono eventualmente obtidos por outras ações conservacionistas.
Entretanto, nada disso acontece em um país onde o capital pode tudo, sob o beneplácito do Estado que nada vê, sente ou escuta o clamor da natureza, para a qual “não haverá dia seguinte para os ecossistemas aniquilados”.
Cadeia é pouco. Deveriam ser obrigados, enquanto viverem, a apagarem qualquer incêndio que surgir na região.
Esse despautério de existir uma mata em chamas bem ao lado de uma lagoa sem um mínimo sistema de irrigação devidamente distribuído em pontos acessíveis no terreno também vejo acontecer aqui em Goiás. Ajudaria muito o combate precoce ao fogo quando ainda no início, se os “vigilantes” do patrimônio da empresa, munidos de rádios de comunicação, pudessem ligar as bombas, abrir as válvulas e direcionar os bicos com o jato d’água então disponível, para aplacar essa chaga aberta na mata.
Fica a dica…