Para o Ministério Público, contratação de consultores pela Prefeitura não substitui assessoria técnica independente aos atingidos pela barragem do Pontal
Frente à histórica omissão da Prefeitura de Itabira diante dos impactos decorrentes da mineração, é louvável que a atual administração municipal tenha proposto a criação de um comitê, que depois virou comissão, para acompanhar os moradores nas negociações com a Vale para a remoção de parte das residências dos bairros Nova Vista e Bela Vista.
A remoção, segundo a empresa, é necessária para a construção de um segundo grande muro com tubos metálicos fixados no solo, conectados por chapas soldadas em aço. O primeiro muro será construído na região da Lagoa Coqueirinho.
É também considerado pela empresa como medida preventiva, necessária para impedir possível escoamento de rejeitos em caso de ruptura com a movimentação de material e máquinas nas obras de reforço dos diques 3 e 4, assim como com a descaracterização do dique 5. Para esse primeiro muro não será necessário remover moradores.
Desde pelo menos 1988, quando se realizou uma audiência pública com grande participação popular, definindo as principais reivindicações que viraram condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 2000, não se vê a administração municipal procurando assumir a articulação e mobilização de moradores para se fazer frente a esses impactos.
A remoção, que deve ser negociada com os moradores, substitui as desapropriações a preços vis que atingiram moradores dos extintos bairros Explosivo, parte alta da Vila Paciência, Vila Cento e Cinco – e da Camarinha, que, com a transferência compulsória de moradores, originou o bairro Nova Vista no início da década de 1980.
Pois é com o propósito de “estar ao lado do povo” que o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) propôs a criação do comitê paritário, na reunião do dia 28 de junho. Deve ser constituído em lei, com participação de representantes da Prefeitura e dos moradores com o objetivo de assessorar os moradores atingidos pelas obras de descomissionamento do dique Minervino e do cordão Bela Vista, na barragem do Pontal, a mais antiga (existe desde a década de 1970) – e a maior de Itabira, com mais de 250 milhões de metros cúbicos de rejeitos, fora o volume de água.
Pouco depois de seu anúncio, o comitê virou comissão para não se confundir com o combativo Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e na Região, uma organização da sociedade civil, articulada no município após o trágico rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019 – o maior acidente de trabalho e um dos mais impactante ambientalmente no país, que resultou nas mortes de 270 pessoas, a maioria trabalhadores da mineradora, deixando um rastro de destruição por onde a lama foi carreada.
“Já ouvimos a Vale e agora estamos ouvindo vocês para iniciar um contato permanente de discussões, para que vocês não fiquem sozinhos nas buscas de melhores soluções que assegurem os direitos dos moradores”, salientou o prefeito.
Foi depois dessa primeira reunião, no dia 2 de julho que assessores do prefeito apresentaram a proposta de o município contratar uma consultoria técnica para acompanhar os moradores nas negociações com a Vale.
Assessoria independente
Ativistas do Comitê Popular, moradores e promotores não descartaram essa consultoria, mas fizeram ressalvas a proposta em reunião virtual ocorrida nessa terça-feira (6), dando sequência a uma série que vem ocorrendo desde 30 de março.
Na mesma reunião, ativistas fizeram críticas pesadas ao que chamaram de desconhecimento dos assessores municipais sobre a nova legislação que consolidou direitos dos atingidos, aprovada após as tragédias de Mariana e Brumadinho.
É que a lei estadual 23.795, de 15 de janeiro deste ano, conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, ao consolidar os direitos dos atingidos por barragens, estabeleceu também a obrigatoriedade de o impactante contratar uma assessoria técnica independente, escolhida pelos moradores.
Para os ativistas do Comitê Popular, essa contratação já está atrasada, pois deveria ter ocorrido assim que surgiu a notícia de que seria necessário fazer a remoção de centenas de residências para a construção do segundo muro de contenção.
Trata-se de um direito assegurado pelo artigo 3º da referida lei, item VIII, que estabelece o “direito a assessoria técnica independente, escolhida pelos atingidos por barragem e a ser custeada pelo empreendedor, para orientá-los no processo de reparação integral, nos termos de regulamento.”
Portanto, para ativistas, moradores e representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), eventual contratação de consultoria pela Prefeitura é quase como que “chover no molhadoE. Não substitui a assessoria técnica independente aos ameaçados de remoção, a ser custeada pela Vale.
“A empresa dispõe de equipe técnica, daí que os moradores devem também contar com essa assessoria técnica independente. É direito deles”, reforçou a promotora Shirley Machado, ao informar que essa contratação está sendo negociada com a Vale. A promotora é da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social (Cimos), do MPMG.
Lei vai ser cumprida, assegura a Vale
Em nota encaminhada a este site, a Vale disse que vai cumprir a lei, mas sem se referir expressamente à reivindicação da contratação da assessoria técnica independente.
“As ações serão definidas após resultados dos estudos, sempre considerando o menor impacto possível para as comunidades, observando todos os requisitos da legislação vigente.”
Ainda de acordo com a nota, a mineradora reafirma que o processo de descaracterização de estruturas a montante do Sistema Pontal está em discussão e será realizado em duas etapas, com a execução das atividades da primeira em área operacional.
“A segunda etapa, ainda em estudo, prevê a descaracterização dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, do Sistema Pontal, e a construção de uma segunda contenção.”
É para esta fase que está sendo considerada a remoção de pessoas e imóveis nos bairros Bela Vista e Nova Vista. Segundo a empresa, isso só deve ocorrer em meados de 2022.
Defensoria Pública
Os moradores devem contar também com a Defensoria Pública de Minas Gerais na defesa dos interesses coletivos e individuais dos atingidos pela remoção. Foi o que assegurou o defensor público Antônio Lopes de Carvalho Filho, que se apresentou aos moradores no “bate-papo” virtual realizado pela mineradora em 2 de junho.
Antônio Lopes é coordenador do Núcleo de Vulneráveis da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG). Ele atuou na defesa dos atingidos pelo rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho.
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