O lado obscuro das democracias

Veladimir Romano*

Quem viajou por várias ditaduras, e testemunhou tanta crueldade pelo mundo, podia hoje viver politicamente descansado ou até humanamente realizado perante a crescente ordem democrática, aspecto civilizador que aos poucos conquistou seu lugar a nível planetário. Conselhos, a responsabilidade da escolha, oportunidade sobre discussão e razões somando doutrinas, umas mais compreendidas do que outras, foram-se acumulando benefícios.

Entretanto, muitas vitórias que não convencem, teimosias estratégicas entre políticos considerados representantes de ações moderadas, misturando suas ideias integradas em políticas sociais-democratas, foram afunilando posições, abrindo espaço onde cega ambição enterrou boa quantidade das conquistas sociais nas mãos dos direitistas subindo ao poder sempre que uma associação arruinou promessas sem distinguir seus enigmas, misticismos, mas pior: rendidos ao estilo profético do ser “moderado”. Questão nunca entendida.

Mais ainda: com tempo, parece existir uma classe política descobrindo arte poderosa em nigromancia por onde demônios falsamente vestidos como juízes da Babilônia, cavando sepulturas para outra esquerda que não desejar ser a tal “moderada” temendo futuros, procurando novos profetas revelando economias do modelo alternativo a bem com processos neoliberais. Vamos, seus vassalos, consultem o próximo oráculo dos bilionários da bem conhecida seita Bilderberg.

Assim, ocioso ficou muito da prática prometida pelas virtudes democráticas, quando fomos descobrindo do trabalho inútil suspenso então ficaram ditames impertinentes entre juízos sobre que democracia funesta acabamos descobrindo. Lograr tanto bem, viver tão venturosas promessas, esperança maravilhosa, nobres conquistas enchendo nossas agendas, novo século, assombrosas façanhas; mas logo, logo entre o verdadeiro, saiu o trágico.

Apanhados pela promiscuidade bancária e a submissão de grupos políticos junto ou em leviana compadria especializada na ruína das economias, tesouros nacionais. É profunda prova por onde estatuto marginal acumulou mordomia sucessiva sem paralelo aplicando esses dirigentes habilidades notáveis. Porém, difuso ilusionismo se acumulou também, até que as bolhas financeiras abriram caminho, mostrando como nossas democracias chegaram ao mundo coberto de mazelas até notar quanto obscurantismo político impregna nossas vidas.

A situação anda profundamente baralhada com negações fugindo da realidade aos nossos tempos. Na Califórnia, por exemplo, pela histórica e simpática cidade de Sacramento [capital com quase 600 mil habitantes], o conselho e assembleia municipal, resolveram a par do tremendo tiroteio urbano entre grupos marginais [por causa dos territórios para venda de drogas, especialmente sintéticas], em nove votações, todas favoráveis, autorizar a prefeitura doar milhão e meio de dólares [sensivelmente quatro milhões e meio de reais], aos militantes transgressores desses grupos rivais, para que não mais molestem cidadãos com futuros possíveis eventos brutais e para que assim não haja qualquer citadino vítima dos tiroteios.

A boa dádiva foi designada pela prefeitura de Sacramento de “Programa Social”. Ora, todos nós, de certa forma, com entusiasmo alimentamos ingenuidade querendo limpar zonas já denunciadas de cinzento mas onde igualmente queremos ir encaixando processos construtivos. Contudo, com desarmonias, e com alguma covardia misturada, testemunhado desigualdades, o sindicalismo quase acomodado vem adulterando valores, condenando também a democracia ao fracasso.

Fusões como a da social-democracia junto com o social-liberalismo, criaram recentes analogias sobre a mesma questão. Ora, vejamos como uma outra nova certeza se anuncia. O presidente francês Emmanuel Macron, começou carreira política entrando no Partido Socialista, rapidamente saiu tachado de social-democrata e agora no exercício do poder, passou a social-liberal. Tal como no passado não muito longe, o inglês Tony Blair ou o alemão Gerhard Schröder, haviam praticado piruetas idênticas trazendo depois os efeitos que hoje se alimentam em frustrações constantes.

Olhando uma realidade muito séria, pelo menos no palco europeu, muita razão [embora nem tantos se atrevam em aceitar] Jean-Luc Mélenchon ao denunciar que todas as jogadas não passam de golpes contra o Estado social, é dos poucos realistas infelizmente raramente escutado pelo poder e muito menos pelos grupos de interesse, vai do outro lado, apenas o povo que ainda acredita, resiste, segurando frágeis fios por onde se aguenta a democracia.

 

* Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-caboverdiano

 

 

 

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3 Comentários

  1. Tem razão Veladimir Romano, quando nos lembra o lado obscuro das democracias, muito porque os cidadãos são pouco participativos e mal informados.
    Não somos uma sociedade de cidadãos! E a humanidade não aprende com a história.
    Mas o problema, não é só o lado obscuro das democracias, mas as tensões se agravam entre EUA, Europa, Oriente.
    Ontem o Secretário-Geral da ONU, Guterres, pediu “postura de Estado”, e o presidente dos EUA ameaçou com guerra!

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