A lição das eleições alemãs

Veladimir Romano*

A crescente febre nacionalista tomando conta da sociedade europeia tem duas faces e, depois de múltiplas crises desde a implementação de várias repúblicas, incluindo brutais conflitos, como causa flagrante das imposições nacionalistas cobertas pelo fanatismo antes que o lado bom entregue senso comum.

Foi grande a desilusão das últimas eleições quanto tão chocante o enorme balde de água fria molhando boa porção dos germânicos, ainda pensando na subida dos sociais-democratas como futuros timoneiros ou uma conjugação de forças entre conservadores e restantes moderados.

Eleitores de Angela Merkel (Foto: Alexander Koerney/Getty Imagines. No destaque da matéria, ilustração de Quintatinta, com foto de Cordan Press)

Porém, da velha região Leste, ventos contrariados rejeitaram tudo quanto possa ser o mais normal entendimento entre forças políticas. A divisão provocada pelos resultados colaterais da Segunda Guerra Mundial, separando Alemanha pelo meio, quando reunida, promessas ricas carregadas de cifrões para outra margem, nunca chegaram a seu termo tendo hoje uma Alemanha unida sim, geograficamente; mas bastante desunida e muito na qualidade, rendimento e justiça social como repartição do bem.

Quem viaje numa Alemanha pungente, ativa, moderna e eficaz, voltando na hora do trem para Leste, se perde a memória numa face desatualizada, vivendo em contraste com tudo o que foi prometido pelos responsáveis alemães quando da reunificação. Até ao presente, palavras apenas não provocaram o tão famoso “milagre” germânico. Todos vivem em pleno abandono, ou melhor: discriminação, será o melhor juízo que podemos ir analisando. Deste modo, se for encontrada uma análise, o resultado destas eleições, então seria algo em nada de inesperado, antes, a realidade duma Alemanha que não se anda vendo no espelho.

Uma germânica ilusão de como dividir o bem comum em difícil composição causadora de um certo tipo de raiva ou contragosto a Leste, outra população enganada pela propaganda dos políticos. Líderes bons e humanistas como Willy Brandt, Konrad Adenauer ou Helmut Schmidt, não voltam mais. E, do jeito generoso que muitos milhares de refugiados estão sendo tratados, chega de encher o saco nas populações deste Leste sentindo profunda discriminação inexplicável.

Angela Merkel e a CDU, ganhando novamente e já vão doze anos de administração na responsabilidade conservadora, agora, por ironia, poderia combinar forças com velhos comunistas, hoje transformados em Die Linke [Esquerdistas] e no Grüne [Verdes], juntando aos 32% da CDU, 10%+10%, numa maioria que os sociais-democratas da SPD, depois da última experiência anunciando que desta vez, ficarão em oposição a qualquer novo governo. Porém, a escolha verdadeira será a parceria com os liberais do FDP [também com queda nacionalista, mas pró-europeistas].

Alexander Gauland e Alice Weidel, líderes da Alternativa para a Alemanha (AfD), da extrema direita (Foto: AP)

Calcular hoje qual poderá ser o futuro da AfD, vai depender muito das diferentes opções estratégicas em matéria política ao investimento na recuperação obrigatória da região da Alemanha Leste. Colegas conservadores consideram a “Mutti” [diminutivo de Mutter=Mãe, apelido dado a Angela Merkel], social-democrata até demais; por outro lado, outros partidos sociais, ecologistas e centro-esquerda, consideram a chanceler totalmente neoliberal.

Novas eleições seria a melhor solução, falando pela lógica; no entanto, poderá ser ainda pior o resultado, até aumentar a oportunidade desta entrada no parlamento alemão [Bundestag] do AfD [Alternativa para Alemanha], superando os recentes 95 deputados, representando 13% na urna dos votos, criar maiores embaraços. Como diz o povo: «Pior a emenda do que o soneto»: esta Alemanha, mostrou como a força reacionária também cresce em nações onde financiamentos e economia dão boa nota.

Assim, estamos assistindo a um novo fenômeno, talvez loucura, algo entrando no campo irracional quando uma outra face nacionalista é de origem popular, sim, mas contra lógicas temperadas conseguindo entender manifestos supérfluos saindo da escuridão. Na França, Holanda, Itália, Grécia, Bélgica; o povo encontrou algum balanço contra aventureiros do julgamento sectarista desejando lançar ódio social através da legitimidade democrática.

Tempo de bonança já é história e longe vão os dias quando Helmut Kohl chamava de “Mädchen” [Mocinha], a Angela Merkel, depois da entrada na CDU como novo sangue, um dia, pela liderança não somente do partido cristão de centro-direita, mas da própria Alemanha.

Entretanto, as últimas eleições oferecem uma tremenda lição não só aos germânicos ocidentais, mas na restante galera europeia; programas sociais, trabalho e recolocar justiça solidária na outra zona-leste são prioridades urgentes. Assim que o investimento se faça, especialmente partindo do Estado como exemplo  criando espaços ao privado, cooperativo, parcerias, juntando uma Europa saturada de crise, ainda muito presa nas cordas do capitalismo desumano e oportunista, capaz de organizar conflitos, mas nunca encontrando caminhos de paz. 

* Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-caboverdiano

 

 

 

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