Lucro da Vale no trimestre reforça argumento pela mudança das alíquotas do royalty do minério
No destaque, a usina Cauê, em Itabira, MG
Foto: Geraldo Andrade
A Vale divulgou hoje (26/10) que obteve um lucro líquido de R$ 7,14 bilhões no terceiro trimestre deste ano. O resultado representa um crescimento de quase 300% frente ao lucro de R$ 1,84 bilhão obtido em igual período do ano passado.
De acordo com o presidente-executivo da mineradora, Fábio Schvartsman, o resultado se deve ao aumento de preços do minério no mercado internacional – e é também decorrente da nova política de gerenciamento de custos. “A rigorosa disciplina na alocação de capital terá impacto direto nos fluxos de caixa futuros”, comemora o executivo da maior mineradora brasileira.
A divulgação do balanço positivo da Vale no trimestre reforça os argumentos da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig), que aguarda a votação e aprovação definitiva da Medida Provisória 789/2017. (leia mais aqui e aqui). A medida acaba com alíquota flutuante para cálculo do percentual que as mineradoras terão de pagar de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem). Se aprovada, a alíquota será fixada em 4%, independentemente da variação do preço do minério no mercado internacional.
“Alíquota fixa da Cfem reduz a sonegação”, diz Penido
Segundo a Amig, a mudança atende à demanda dos municípios mineradores, que se opõem à proposta original de alíquotas variáveis. “Isso (as alíquotas variáveis) pode abrir brecha para que as empresas declarem valores bem menores, potencializando como consequência a prática da sonegação.”
A denúncia de eventual sonegação é grave. Se for verdade, coloca em xeque a lisura das empresas mineradoras ao declararem os seus rendimentos e os valores brutos da venda de seus produtos.
Conforme explica Vitor Penido (DEM), prefeito de Nova Lima e presidente da Amig, a alíquota fixa sobre o lucro bruto, e não variável de acordo com o preço internacional do minério, acaba com uma prática que considera ilícita de comercialização da matéria-prima pelas mineradoras, que vendem a preços abaixo do mercado às suas unidades próprias localizadas em diferentes municípios, prejudicando a arrecadação dos royalties do minério, como é também conhecida a Cfem.
Segundo ele, para que não haja perdas para os municípios, os valores da Cfem devem ser calculados tendo por base o valor final do faturamento, devendo o bem mineral, quando sair de sua unidade de produção, ser comercializado de acordo com os preços praticados no mercado.
“Dessa forma, as transações entre a mesma empresa que possui unidades em cidades diferentes serão feitas considerando os valores aplicados em uma venda comum, não privilegiando a empresa e tornando-se assim mais justa a arrecadação pelos municípios”, defende o presidente da Amig.
Procurada pela reportagem deste site, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as empresas mineradoras, não quis se manifestar sobre as denúncias da Amig. “Não iremos nos posicionar sobre o assunto agora”, respondeu o seu diretor de comunicação, Paulo Henrique Soares.
Prazo
A mudança para a alíquota fixa consta do relatório apresentado na semana passada pelo deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). Para que a medida provisória entre em vigor, o documento alterado terá de ser aprovado pela comissão mista e pelos plenários da Câmara dos Deputados do Senado até o dia 28 de novembro.
Royalties devem servir à diversificação da economia, defende presidente da Amig
Vitor Penido argumenta em favor da alíquota fixa o crescente aumento do lucro das mineradoras, como comprova o balanço trimestral divulgado hoje pela Vale. O lucro aumenta na proporção em que reduz o número de empregos gerados com a automatização e também com o baixo retorno indireto para os estados e municípios mineradores.
“Produzimos minério cada vez em maior escala, mas isso não garante um incremento no número de vagas de trabalho, o que prejudica diretamente o desempenho econômico do país, com a população tendo menos recursos para consumir e poupar”, afirma.
Além disso, por ser o minério um bem exaurível e não renovado, é preciso que os municípios se preparem para no futuro sobreviver e garantir o desenvolvimento sustentável sem essa fonte de impostos, trabalho, renda e oportunidades de negócios.
Penido cita o exemplo de Itabira, que tem o horizonte temporal de exaustão mineral bem próximo (leia aqui reportagem com o ex-gerente de Itabira Fernando Carneiro). “Itabira daqui a aproximadamente 15 anos pode não mais contar com os recursos oriundos da mineração”, exemplifica o presidente da Amig, para quem os recursos obtidos com a Cfem devem ser empregados na diversificação econômica dos municípios mineradores.
Itabira gasta mal os royalties
O argumento é válido, mas na prática não é o que se observa em Itabira. A Cfem é a terceira maior fonte de receita do município. Só perde para o ICMS e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Desde 1991, quando a contribuição foi regulamentada e começou a ser paga, Itabira já arrecadou mais de R$ 1,3 bilhão como forma de compensação.
Esse valor é estimado, pois a Prefeitura não dispõe do valor atualizado, não estando disponíveis na Secretaria Municipal da Fazenda o montante apurado no período de 1991 a 2000 (leia mais aqui).
Com mais de um quarto de século de instituição dos royalties, muito pouco se fez pela diversificação da economia local. O único ganho expressivo foi a implantação, ainda parcial, do campus universitário da Unifei.
Em 2015, a Prefeitura arrecadou R$ 38,7 milhões com o royalty do minério – e investiu R$ 13,4 milhões (34,6%) em projetos de diversificação de sua economia, principalmente na Unifei. Já em 2016, o percentual foi de 0,48%. Arrecadou R$ 92,5 milhões com a Cfem e investiu míseros R$ 450 mil.
Já para este ano, a previsão é investir apenas R$ 4 milhões na política de diversificação, de uma arrecadação prevista com a Cfem superior a R$ 42 milhões. Ou seja, apenas 9,3% do que arrecada com a Cfem.
Mas nem isso está assegurado, conforme informa o secretário da Fazenda, Marcos Alvarenga. “Neste ano, os recursos da Cfem devem ser, em sua totalidade, destinados ao pagamento de despesas com os hospitais”, disse ele em recente entrevista recente a este site.