Justiça autoriza perícia que antecede pesquisa para explorar rejeito na barragem do Itabiruçu
O gravíssimo rompimento da barragem na mina Córrego Feijão, em Brumadinho, na sexta-feira (25), não foi o único acontecimento a colocar a mineradora Vale na berlinda.
É que um dia antes desse trágico atentado contra a vida humana e ao meio ambiente, a juíza Márcia Souza Victoria, da 1ª Vara Cível da Comarca de Itabira, autorizou o ingresso de perito nomeado e seus assistentes para avaliar possíveis danos que possam ser causados à mineradora com a realização de pesquisas geológicas na barragem do Itabiruçu – e também em parte das pilhas de itabirito compacto.
Em seu despacho, a juíza determina que, sendo aceito o encargo pelo perito, e já tendo sido depositados os honorários periciais, seja designada data para o inicio dos trabalhos. E fixa o prazo de 60 dias para a entrega do laudo após a conclusão dos trabalhos periciais.
A perícia irá avaliar se haverá algum dano pecuniário que a pesquisa geológica possa acarretar ao proprietário da área, no caso, a Vale.
O direito de pesquisa foi solicitado pela empresa Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral – e foi deferida pelo antigo Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM). A Vale contesta esse direito, mas tem sofrido sucessivos reveses em sua tentativa de impedir o ingresso do perito. E quer coibir também as prospecções geológicas nas áreas requeridas.
Autorização judicial
Em 23 de agosto do ano passado, por unanimidade, os desembargadores Estevão Lucchesi (relator), Marco Aurélio Ferenzini e Valdez Leite Machado reconheceram o direito de ingresso na área de geólogos e demais técnicos da empresa detentora do alvará de pesquisa. Isso para que possam realizar os serviços de mapeamento geológico e de geofísica.
Conforme explica o geólogo Everaldo Gonçalves, um dos proprietários da Itabiriçu Mineral, a pesquisa será realizada por método não destrutivo, que, segundo ele, não causará danos ao proprietário, nem tão pouco irá ameaçar a estabilidade da barragem.
Segundo ele, o objetivo da pesquisa é comprovar a viabilidade econômica de explorar os recursos minerais (rejeito) contidos nas áreas requeridas. Pelo seu entendimento, trata-se de uma reserva antropogênica, isto é, gerada pelo processo de concentração de minério. E que, depois de o rejeito ser depositado nas barragens, passa a fazer parte do subsolo, pertencente à União.
A Vale teria “cochilado” e não requereu o alvará de pesquisa desse material para posterior beneficiamento. Essa mesma “cochilada” ocorreu em relação ao rejeito contido na barragem do Pontal, cujo direito de pesquisa também foi requerido por outra empresa.
Na reunião pública realizada em Itabira para a população ser informada sobre alteamento da barragem, o geólogo Everaldo Gonçalves apresentou pedido de impugnação do licenciamento para esse fim.
O seu pedido, entretanto, não foi acatado pelo Conselho – e a licença para o alteamento foi concedida no dia 30 de outubro pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
A cota atual da barragem é de 836 metros em relação ao nível do mar. Com o alteamento subirá para 850 – um acréscimo em de 14 metros, devendo ficar com 70 metros de altura.
Viabilidade
Com a pesquisa, a Itabiriçu Mineração quer provar que é viável a exploração do rejeito, com o reaproveitamento desse material.
Só nas pilhas estéril com itabirito compacto, incluídas no objeto da pesquisa, segundo a própria Vale, estão dispostos 70 milhões de toneladas de minério de ferro. E na área barragem estão contidos cerca de 35% de ferro em um total de 130 milhões de metros cúbicos de rejeito.
Pois é justamente a viabilidade da exploração econômica desse recurso mineral que pretende comprovar a pesquisa da Itabiriçu Mineração. O reaproveitamento desse material diminuiria o volume que ficaria depositado na barragem, cuja segurança tem sido contestada após o rompimento de Fundão, em Mariana, e de Córrego Feijão, em Brumadinho.
Vale diz que direito de pesquisa da Itabiriçu é uma usurpação
Procurada pela reportagem assim que foi autorizado, pela primeira vez, no ano passado, o ingresso do perito na área, a assessoria de imprensa da Vale sustentou que a mineradora é a única legitimada para realizar o reaproveitamento dos materiais contidos em suas barragens de rejeito.
Para a Vale, é esse direito que dispõe a legislação brasileira – e também um entendimento consolidado pela Procuradoria Jurídica da Agência Nacional de Mineração (ANM), que substituiu o DNPM.
Além disso, informou que “estudos realizados anteriormente no local demonstram que não há potencial para exploração econômica de minério de ferro no subsolo da área correspondente ao alvará de pesquisa da Itabiriçu Nacional de Pesquisa Mineral”. Mas a empresa, mesmo alegando que não existe esse recurso, posteriormente requereu direito de pesquisas em duas outras áreas na mesma barragem.
Segundo a Vale, a barragem Itabiruçu atende aos requisitos legais vigentes. Além disso, possui documento de estabilidade emitido pelos órgãos responsáveis. “No entanto, qualquer atividade de terceiro no local pode colocar em risco a segurança e a estabilidade da estrutura”, finalizou a nota da empresa.
Saiba mais
A área de pesquisa requerida pela Itabiriçu Mineração é de 480 hectares. Localiza-se na porção norte, na cabeceira da barragem. Inclui também pilhas de rejeito, inclusive parte das reservas de itabirito duro que a Vale atualmente já explora, com beneficiamento em suas plantas de concentração.
Segundo explicou à reportagem o geólogo Everaldo Gonçalves, a barragem do Itabiruçu está dividida em três títulos minerais. O primeiro fica ao norte próximo da cabeceira, onde a Vale detinha o direito de pesquisa. No entanto, como teria deixado de requerer o respectivo alvará, perdeu esse direito para a Itabiriçu Mineração.
O segundo e o terceiro títulos pertencem à Vale. Em um deles a mineradora chegou também a perder a concessão para outra empresa. Mas posteriormente conseguiu recuperar por decurso de prazo.
Ao não requerer o alvará de pesquisa, a mineradora corre o risco de perder a prerrogativa de explorar esse material economicamente. “A Vale deu uma cochilada quando foi aberto o edital de concorrência, em 2013, para que fossem requeridos os alvarás de pesquisas. Entramos sozinhos na licitação e ganhamos esse direito”, conta o geólogo da Itabiriçu Mineração.
Esse mesmo risco de perder o direito de pesquisa e exploração a Vale já não corre em relação ao rejeito contido na barragem do Rio de Peixe, Isso por já ter requerido o alvará de pesquisa em tempo hábil. Mas a empresa perdeu também o direito de pesquisa no rejeito depositado na barragem do Pontal.
Usurpação
De acordo com os advogados da Vale, a pretensão da Itabiriçu Mineração não passa de uma “desleal investida de um especulador, cujo único propósito é obter um despropositado acordo que lhe compre a paz (sic)”.
Ainda segundo argumento de seus advogados em recurso impetrado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o objetivo da Itabiriçu é especular com o título minerário outorgado pelo antigo DNPM.
“Em todas as declarações (dos empresários da Itabiriçu), ficava claro que o único intuito era criar obstáculos às atividades desempenhadas pela Vale há décadas na mina de Conceição, a fim de lhe forçar a ‘comprar de volta’ a prerrogativa de utilização plena das estruturas que a compõem e o acesso e disposição do material produzido pela própria recorrente.”
Os advogados alegam ainda que a área objeto da pesquisa já foi pesquisada pela Vale, tendo os “experts” da mineradora concluídos, ainda em 2010, pela ausência de potencial minerário no local (leia mais aqui).
Pois é justamente a viabilidade da exploração desse rejeito que os proprietários da Itabiriçu Mineração pretendem comprovar com as pesquisas geológicas no local.
A exploração desse rejeito, segundo eles, é uma alternativa viável para o reaproveitamento desse material, que deixaria de ser disposto nas controvertidas barragens, gerando ganhos de capital, impostos e geração de empregos.
Magnífica reportagem! Creio que 99 em 100 de todos nós jamais pensamos que ainda há comida boa na lata de lixo!
Joana, meu abraço para você. Aproveito a oportunidade para lhe informar que o seu livro: Santa Maria de Itabira na lavra do tempo, não está depositado (deposito legal) na Biblioteca Nacional, quase registrei o meu volume, mas depois desisti porque eu sofreria profundamente a sua ausência em minha biblioteca. Envia um volume para a BN, por favor. Abraço
Estranho que em Brumadinho ela aparentemente não se preocupou muito com :“No entanto, qualquer atividade de terceiro no local pode colocar em risco a segurança e a estabilidade da estrutura”