Entenda o rombo fiscal e por que o Brasil não vai quebrar

Imagem: Reprodução

Por Juliane Furno*
Economista-Chefe do IREE**

IREE – Vocês devem ter acompanhado nos últimos dias a polêmica em torno do rombo fiscal próximo aos R$ 400 bilhões contratados para o ano de 2023. Vamos entender melhor?

Em primeiro lugar, esse “rombo” nas contas públicas, conhecido na literatura econômica como “déficit primário”, ou seja, a diferença – negativa – entre a arrecadação e os gastos excluindo a conta financeira, deve-se a aproximadamente R$ 105 bilhões deixados de herança pelo governo Bolsonaro para o cumprimento de políticas emergenciais, tais como o auxílio caminhoneiro, taxista e, principalmente, o Auxílio Brasil “turbinado” de R$ 600.

Mas como se chegou à cifra de R$ 400 bilhões? Essa foi uma estimativa feita pelo ex-Presidente do Banco Central e ex-Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, levando em conta as promessas de campanha do recém-eleito Presidente Lula, principalmente a manutenção do programa de transferência de renda, que voltará a se chamar Bolsa Família, e mais algumas políticas públicas de caráter emergencial para enfrentar o problema da fome e da extrema pobreza.

Isso quer dizer que o Brasil pode quebrar? Que o déficit deixado pelo governo Bolsonaro representará bilhões a menos para programas de transferência de renda, farmácia popular e merenda escolar? Não. Parece contraintuitivo, mas as finanças de um Estado são muito distintas das finanças pessoais.

Se isso ocorresse no nosso orçamento, ou seja, um rombo de 100, nós teríamos menos 100 para gastar no mês seguinte. Com um Estado Nacional que não tem dívida externa e que tem soberania monetária – ou seja – se endivida na própria moeda que ele emite – quando ele opera com um déficit de 100, isso não significa que ele terá menos 100 no ano seguinte.

Mas significa que esse déficit estará no estoque de dívida líquida do setor público, que será rolado e amortizado, podendo levar muitos anos e devendo estar submetido seu pagamento integral a um período de crescimento econômico, quando justamente famílias e empresas voltarem a consumir em capacidade plena, e – aí sim – o Estado puder deixar de gastar tudo o que arrecada, usando o excedente para pagar aqueles 100 que um dia ele contraiu de dívida.

Portanto, o Brasil não vai quebrar. Impossível um país quebrar quando se endivida na sua própria moeda. Tampouco o Brasil precisa sanar essa dívida e reequilibrá-la no curto prazo.

Aliás, as principais economias do mundo ainda estão operando com déficit primário, porque em períodos de crise é desejável que o Estado siga gastando mais, sobretudo se a crise – como no nosso caso – significa pobreza, desemprego e fome.

O Brasil não tem problema econômico para ampliar o seu gasto. Como já foi dito, um Estado Nacional que tem dívida interna na própria moeda e sem dificuldades de se endividar com o setor privado, não quebra. O Estado não tem um “cofre”, que quando acaba as moedas ele fica “sem dinheiro” e impossibilitado de gastar.

O que o Brasil tem são limitações políticas e administrativas, não econômicas e financeiras. Portanto, a equipe de transição está se movimentando para aprovar um crédito extraordinário ou uma PEC de transição para permitir que pelo menos os gastos com o Bolsa Família não sejam interrompidos a partir de janeiro de 2023, já que não haviam sido previstos na LDO.

Enquanto isso, deverá haver uma movimentação entre a nova equipe ministerial e o Congresso para colocar fim ao já finado teto de gastos e encontrar uma nova regra fiscal.

**Juliane Furno é economista-Chefe do IREE. Cientista social, mestre e doutora em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia da Unicamp. Especialista em mercado de trabalho, desenvolvimento econômico e política industrial no setor de Petróleo e Gás.

**IREE, Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, é uma organização independente cuja missão é promover o debate democrático e pluralista para aperfeiçoar a interação entre os setores público e privado no Brasil.

 

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