Denes Lott lança livro em Itabira e defende que se discuta desde já o fechamento de suas minas
Carlos Cruz
Com presença de amigos, advogados e profissionais da área de mineração, o advogado itabirano Denes Martins da Costa Lott lançou neste sábado (1), na livraria Clube da Leitura, na galeria Bretas, a segunda edição de seu livro Fechamento de Mina e a utilização da Contribuição Financeira por Exploração Mineral (Del Rey, 2014), revisada e ampliada, resultado de sua dissertação de mestrado.
Um dos objetos de seu estudo foi analisar o papel da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), os royalties do minério, instituída com a finalidade de contribuir para assegurar a sustentabilidade dos municípios mineradores, ou minerados, diante do inevitável e, no caso de Itabira, cada dia mais próximo, fatídico dia do fechamento de suas minas.
O livro não tem o fim das minas de Itabira como foco, até porque elas estão, em sua maioria, ainda em operação. Mas apresenta diversos casos de fechamento de mina no Brasil e no mundo.
Entretanto, diante do anunciado próximo fim das minas itabiranas, após mais de 76 anos de exploração ininterrupta e em larga escala do minério de ferro, esse estudo é de fundamental importância para compreender o processo de descomissionamento, ajudando também a cidade se preparar para o que está para ocorrer no futuro próximo.
Conforme a Vale informou aos acionistas da Bolsa de Nova Iorque, as minas itabiranas devem exaurir em 2028. Portanto, exaurem em nove anos, um futuro já não mais distante. É hora, portanto, de começar a debater esse fechamento com o descomissionamento das minas, ainda que a lei faculte que isso só ocorra no período imediato à exaustão.
Desativação
Segundo o autor, descomissionamento é pura e simplesmente a fase do fechamento da mina, após exaurida a sua riqueza mineral. “O descomissionamento ou desmobilização refere-se à desativação de todo um empreendimento ou parte dele, como a remoção ou troca de uma linha de produção”, explica Denes Lott.
Nessa fase inclui, ainda, o desmanche das usinas. No caso de Itabira, elas podem continuar em atividade, processando minério de outras localidades (Conceição do Mato Dentro, Serro, Guanhães).
Atualmente, pela legislação vigente, essa fase deve ser planejada antes mesmo de a mina entrar em operação. Como a exploração em Itabira foi iniciada em 1942, essa discussão não ocorreu.
E mesmo agora, quando a Vale ainda não é obrigada por lei, mas que deveria fazer pelo propalado compromisso com o diálogo e a transparência, ainda não se discute com Itabira essa próxima exaustão de suas minas.
Se assim fizesse, seria uma oportunidade de aparar arestas e quebrar o clima de desconfiança, assumindo que a exaustão está mesmo próxima – e que muito precisa ser feito para exorcizar o espectro de uma futura cidade fantasma, próxima de se transformar numa vila da distopia.
Até mesmo a designação “descomissionamento de mina” é evitada pela empresa, como se não fosse de interesse da sociedade local saber como esse processo irá ocorrer – e quais “legados” ficarão para assegurar a sustentabilidade futura do município sem a mineração.
Para isso, muitas ações precisam ser executadas desde já, para que amenizem os inevitáveis impactos socioeconômicos e culturais negativos advindos com a desativação das minas. É preciso intensificar a reabilitação de áreas degradadas, assim como definir como será o uso futuro de instalações industriais e das áreas de minas desativadas.
Tudo isso não pode ser uma decisão exclusiva da mineradora. Deve envolver a população que sofrerá com os efeitos da exaustão mineral, com desemprego em massa, queda vertiginosa da arrecadação de impostos e dos royalties, além da diminuição das oportunidades de negócios.
Fontes alternativas
Há de se definir, por exemplo, como o município poderá transformar as minas desativadas em fator de atração turística. Qual é a possibilidade de se aproveitar essas áreas desativadas, com a maior mina a céu aberto do mundo tão próxima de um núcleo urbano, como atração turística?
Como será restaurada a paisagem degradada da serra do Esmeril? E como irá ocorrer a reabilitação das cavas exauridas, depois de ocupadas com rejeito das usinas e material estéril?
Outra pendência que precisa ser resolvida é saber como se dará a devolução à comunidade itabirana da água apropriada pela empresa para manter em funcionamento o complexo minerador.
São as águas da Camarinha, do Borrachudo – e também dos aquíferos Cauê e Piracicaba, captadas a mais de 100 metros de profundidade e liberadas pela mineração, com o seu rebaixamento. Quando e como essas águas serão devolvidas à comunidade itabirana?
Ou elas ficarão novamente inacessíveis com a disposição de material estéril e rejeito nas cavas exauridas, impedindo o acesso a esse precioso líquido? Como já diziam os mais antigos, “água com água se paga.” E essa é uma das muitas dívidas históricas – e ambientais – que a mineração tem com Itabira.
Preocupação com a exaustão mineral é antiga, diz advogado
De acordo com Denes Martins da Costa, o descomissionamento deve ocorrer numa etapa imediatamente anterior ao fechamento da mina. “Dois anos antes da data prevista para o encerramento, o empreendedor deve apresentar ao órgão ambiental um documento denominado Plano Ambiental de Fechamento de Mina (Pafem)”, explica o advogado Denes Martins da Costa.
Mas ele defende que quanto antes o debate for iniciado, melhor será para o município se preparar para a inevitabilidade da exaustão de suas minas. É o que deveria ter ocorrido tão logo se tornou público que as minas devem exaurir em 2028.
O advogado lembra que, para a cidade, essa preocupação existe antes mesmo de ter início a extração mineral em larga escala pela então Companhia Vale do Rio Doce.
“Não sei precisar quando foi o marco inicial desta discussão, mas desde criança ouço alguém dizer que a exaustão mineral está próxima. Tenho notícia do trabalho de José Hindemburgo Gonçalves (tributarista itabirano, parceiro de Drummond na cobrança dos direitos de Itabira perante à mineração), que lutou por mais tributos em favor dos municípios mineradores, já prevendo o fim do minério.”
Outra recordação do advogado remonta à época da instalação do projeto Carajás, na década de 1980, quando se discutia se as atividades minerárias em Itabira seriam paralisadas frente à forte concorrência. “Essas conversas sempre existiram, mas são algo meio estranho. Parece que a sociedade não acredita que o fim da mineração irá ocorrer”, lamenta.
Cidade encantada
Essa letargia do itabirano diante do fim iminente já foi apontada pelo poeta Carlos Drummond de Andrade (leia aqui).” A cidade não avança nem recua. A cidade é paralítica. (…) A cidade parece encantada. E de fato o é. Acordará algum dia? Os itabiranos afirmam peremptoriamente que sim. Enquanto isso, cruzam os braços e deixam a vida passar. A vida passa devagar em Itabira do Mato Dentro.”
E quando Itabira parece que irá enfim despertar, isso não passa de um suspiro, um grito que logo se perde no ar, mesmo não sendo sólido. Foi o que ocorreu recentemente após a divulgação do relatório encaminhado à bolsa de Nova York, com a exaustão prevista para 2028.
Outro suspiro, embora tênue, e muito mais marqueteiro do que prático, ocorreu com o projeto Itabira 2025, lançado no início da década de 1990 pela Associação Comercial de Itabira (Acita). “Depois o assunto arrefeceu. A exaustão é inegável e precisa ser discutida com a comunidade itabirana”, afirma Denes Lott.
Horizonte
Mas o autor tem dúvida de que o fim está mesmo tão próximo. “O relatório diz respeito às reservas provadas. E as reservas inferidas? Os chamados recursos, que ainda não são reservas? Podem realmente não existir ou não ser viável a sua exploração? Ou existem e ainda serão divulgados?”, pergunta o autor, fazendo eco às indagações de todos que preocupam com o futuro da cidade sem a mineração. São dúvidas pertinentes que a mineradora Vale precisa responder.
E são com essas dúvidas, como uma herança atávica, que novamente o itabirano cruza os braços – e deixa a vida passar devagar, como se o minério de ferro fosse eterno. “Não é mais possível ficar deitado em ‘berço esplêndido’. É necessário buscar novas formas de vida para a comunidade de Itabira”, propõe Denes Lott.
O advogado diz ser possível imaginar que a mineração em Itabira, no futuro próximo, possa não ser viável para a escala de produção da Vale. “Mas pode ser para uma mineradora menor”, afirma o autor, que reitera a necessidade de haver mais debates entre a empresa e a sociedade itabirana.
Para isso, ele informa que existe uma deliberação normativa (DN 220) e que prevê a realização de audiências públicas. Entretanto, essa mesma legislação diz que essa audiência só deve ocorrer após a apresentação do Plano Ambiental de Fechamento de Mina. Mas nada impede que a discussão sobre o assunto seja desencadeado desde já.
“As discussões públicas são sempre saudáveis. Cabe à Vale, Prefeitura, Câmara e entidades da sociedade civil verem que agora é boa oportunidade de se fazer uma audiência pública específica sobre fechamento das minas.”
Segundo defende o advogado itabirano, as questões que levam ao desenvolvimento sustentável passam por planejamento, articulação territorial, regional e logística. E para implementar tudo isso demanda tempo, que começa ser fator escasso em Itabira. “A Unifei como polo agregador e construtor de tecnologia pode cumprir esse papel. Mas para isso a universidade tem que crescer e não pode ser vista como única e salvadora solução”, sustenta Denes Lott.
Medidas necessárias ao descomissionamento de minas
Entre as medidas que devem ser tomadas para que ocorra o descomissionamento de uma mina, Denes Lott relaciona em seu livro:
I – a caracterização do ambiente local antes e após a implantação e operação do empreendimento, de modo a possibilitar o diagnóstico da área e seu entorno.
II – a síntese e avaliação dos projetos e ações socioambientais desenvolvidos visando à sustentabilidade da área de influência do empreendimento;
III – a avaliação dos impactos socioambientais após o fechamento da mina, incluindo os aspectos relacionados à desmobilização da mão de obra e às condições socioeconômicas das comunidades diretamente afetadas;
IV – a definição das ações que serão executadas durante o processo de fechamento da mina e, se necessário, após a conclusão do mesmo, visando à continuidade da reabilitação ambiental, à definição de parâmetros e frequência para o monitoramento e à identificação de indicadores de qualidade ambiental adequados;
V – a apresentação de proposta de alternativas para uso futuro da área minerada, considerando os aspectos sociais, econômicos e ambientais da área de influência direta do empreendimento;
VI – o cronograma de implantação do plano, incluindo todas as etapas previstas, os processos de avaliação e revisão e a execução do monitoramento ambiental.
Finalmente o tema foi colado na roda, agora falta o mais importante, a convocatória popular para debater o assunto. Quem fará a trabalhosa tarefa?