Cornélio Penna, que fez de Itabira a melhor amiga e fonte de inspiração, ganha busto e jardim em praça da rua Major Paulo
Fotos: Maurício Teixeira/Destaque Carlos Cruz
“’Dedico este livro à minha melhor amiga – Itabira do Mato Dentro’”, escreveu Cornélio Penna, na primeira página de ’Dois romances de Nico Horta’.
“Não sei se Itabira prestou ou prestará qualquer homenagem ao romancista falecido há pouco, mas se alguém já mereceu de uma cidade um busto no jardim ou pelo menos dar nome a uma rua, esse é Cornélio Penna.”
“Nasceu em Petrópolis por um desacerto entre temperamento e registro civil. Na verdade, nasceu, viveu e morreu interiormente em Itabira”, observou Carlos Drummond, em 1959, pouco depois da morte de Cornélio Penna (1886-1958), tendo a sua sugestão de homenagem em parte atendida, já naquela época, com a inauguração do antigo Grupo Escolar, hoje Escola Estadual Cornélio Penna.
Mas faltava um detalhe importantíssimo a ser atendido na sugestão do poeta: o jardim com o busto de Cornélio. Agora não falta mais. O prefeito Marco Antônio Lage (PSB) inaugurou no aniversário de Itabira (9), na praça ao fundo do Museu de Itabira, rua Major Paulo, o busto (de autoria do artista Genin Guerra) no jardim de Cornélio.
A homenagem foi sugerida por Drummond na crônica Imagens da terra, Itabira e romance, republicada por este site, garimpada na Biblioteca Nacional (BN, Rio) pela colaboradora assídua deste site, Cristina Silveira. Ela veio do Rio a Itabira especialmente para a inauguração do jardim com o busto de Cornélio.
A localização não podia ser a mais indicada. Atende também a uma indicação implícita do poeta, além de ter sido objeto do olhar e da pena artística do escritor, também desenhista.
“Guardo uma lembrança desse itabirano mais itabirano do que se houvesse nascido à sombra do extinto Pico do Cauê: o original de um dos bicos-de-pena com que ele mesmo ilustrou “Fronteira”, e que representa o beco da Cadeia, com o fundo do velho sobrado em cuja parte térrea, negra e viscosa, os presos cantavam e faziam um artesanato de miséria”, acrescentou o cronista poeta.
Para Cristina Silveira, a homenagem de Itabira a surpreendeu – e foi muito além da inauguração do busto no jardim, com os trabalhos desenvolvidos pelas alunas e alunos das escolas de Itabira, tendo como inspiração a vida e a obra (cheia de “fantasmas” itabiranos) do escritor-desenhista.
Compreensão de Itabira
“O trabalho artístico dessas crianças valeu todo o esforço e o propósito de resgatar Cornélio Penna, esse escritor brasileiro, pouco conhecido, mas tão importante como Machado de Assis”, disse Cristina Silveira à reportagem deste site, referindo-se à afirmação do crítico Renard Perez, no artigo Uma grande estreia literária, publicada originalmente pelo Correio da Manhã, em 15 de outubro de 1955, republicada por este site.
Para Renard Perez, “No começo era o nada; depois apareceu Machado de Assis; depois apareceu Cornélio Penna”, ele pontuou, com argumentos que expôs no artigo, que vale a leitura aqui.
“É Cornélio Penna o representante máximo de nosso romance introspectivo e talvez tenha sido ‘Fronteira’ a mais expressiva estreia da literatura brasileira de todos os tempos. Com aquele livro estranho, profundamente subjetivo, um escritor surgia plenamente realizado, trazendo-nos um mundo novo”, escreveu Perez, que deu mais detalhes desse processo criativo.
“A ideia de Fronteira vinha de muito tempo, e nasceu da necessidade que sentia o autor de escrever um livro sobre Itabira, que considera a cidade mais importante do Brasil – o seu símbolo. Falou a alguns amigos, entre eles Aníbal Machado e Raul Bopp, de tal necessidade. Como aqueles escritores não se interessaram, resolveu então escrevê-lo ele próprio”, contou o crítico no artigo, que prosseguiu:
“O livro foi escrito devagar, com pausas, tendo passado quase três anos para terminá-lo. Aproveitou lembranças de Itabira, entre elas Maria Santa, que no romance aparece como a personagem principal. Publicou o livro em 1936, por sua própria conta, pela Ariel, de que era diretor o seu amigo Gastão Cruls.”
“Explicando o livro, frisa o escritor que Fronteira é ‘uma compreensão de Itabira’, não se tendo preocupado em descrevê-la ou fazer-lhe o documentário. A paisagem, os tipos não lhe interessam.”
“A reação da crítica diante do romance foi excelente. Nomes como Tristão de Athayde, Otávio de Faria e Mário de Andrade falaram com entusiasmo sobre o estranho livro, que vinha fazer uma curra completamente imprevista na linha tradicional do romance brasileiro.”
“Em 1939, publicou Dois romances de Nico Horta, espécie de continuação de Fronteira, e, em 1948 – Repouso, onde retorna à Itabira. Em 1954, deu-nos o seu último romance A Menina morta, que teve ótima acolhida, e lhe valeu o Prêmio Carmem Dolores Barbosa”, informou Renard Perez, justificando a comparação de Cornélio Penna com o Bruxo do Cosme Velho.
“Quadrilha”
“O mais bacana foi ver que as crianças das escolas itabiranas compreenderam tudo isso, mesmo sem terem lido Cornélio Penna, que escreveu livros densos e de difícil compreensão, mas pelos seus desenhos e histórias”, comemorou Cristina Silveira, feliz com os resultados obtidos no atendimento da sugestão de Carlos Drummond de Andrade, pela Prefeitura 64 anos depois, comprovando-se que antes tarde é melhor do que nunca.
Na conjunção dos esforços, Itabira sai ganhando com o reconhecimento de mais um filho ilustre de coração. “Eu digo que foi a formação de uma ‘quadrilha’, com Cornélio Penna, Carlos Drummond, Genin, o prefeito, a Vila de Utopia e as crianças das escolas itabiranas, que possibilitou toda essa celebração”, festejou Cristina Silveira ao falar na inauguração do busto no jardim.
Futuro registro
“Vamos agora ‘explorar’ Luís Camilo. E, por favor, continue me provocando e liderando a ‘quadrilha’, agradeceu Marco Antônio Lage em mensagem encaminhada a Cristina Silveira, já de volta ao Rio.
“Yuri, Gustavo e Maria Eduarda, vocês representaram todas as escolas. Em nome de vocês, agradeço todo esse esforço”, disse o prefeito, dirigindo-se aos estudantes que encenaram um “diálogo” entre Drummond e Cornélio Penna na inauguração.
“Conversando com a Cristina por telefone, concordamos que hoje seria um dia de emoção por Cornélio ter alcançado as escolas, assim como Drummond já alcançou com as suas obras. As atuais gerações, e esperamos que também as próximas, vão conhecer aqueles (escritores) que observaram, entenderam e escreveram sobre a nossa cidade”, exaltou o prefeito.
Tempo de evolução
Feliz também ficou a diretora do Museu de Itabira, Vanessa Faria, curadora da exposição Ita- Bira: pedaços do tempo, juntamente com a coordenadora do Memorial Drummond, Solange Alvarenga.
Ela agradeceu pela confiança na organização da exposição sobre Cornélio Penna e o ex-prefeito Daniel de Grisolia (1959-63 e 1967-70), aberta à visitação após a inauguração do busto no jardim, na Semana da Comunidade.
“Fiquei emocionada com a beleza e a história de Itabira. Eu sou historiadora e sempre vi Itabira com um importante lugar na história nacional e internacional. Aqui tem pessoas incríveis, como Drummond e Cornélio, que é itabirano de coração, como também artistas diversos”, enalteceu a historiadora, para quem a exposição no Museu de Itabira mostra a beleza do ser itabirano.
“Convido a todos a visitarem o museu, um equipamento muito potente. A partir desse movimento em torno dos 175 anos de Itabira, espero que o itabirano não aceite nada menos do que isso para que possa seguir em frente”, disse ela, na abertura da exposição e inauguração do busto de Cornélio Penna.
Exaltação
Para o presidente da Câmara Municipal de Itabira, vereador Heraldo Noronha (PTB, mas de saída para o PT), Itabira está pulsando alegria, cultura e educação. “Ainda ontem ouvi um discurso do prefeito dizendo que as crianças não são o futuro, elas são o presente. Eu concordei: o futuro das crianças é agora”, ele discursou na solenidade de inauguração do busto.
“Estamos vendo as reformas de escolas, a entrega de uniformes, muitas melhorias (na educação). Continue fazendo esse governo para o povo, principalmente para os menos favorecidos”, endossou Noronha, dirigindo-se ao prefeito Marco Antônio Lage, que até recentemente se pautava no legislativo itabirano alinhado à bancada oposicionista. “Itabira está mais feliz”, acrescentou.
Para saber mais sobre Cornélio Penna, acesse:
A casa amarela de Cornélio Penna
Um causo de Cornélio Penna, contado por Peregrino Júnior
Assalto à casa do doutor Cornélio Penna
Linda reportagem!
Só uma dúvida… talvez li e não entendi.
A atila escola que leva o nome Cornélio Pena é municipal, não?
Ou tem outra aqui em Itabira?
Vamos verificar, mas você pode estar certa: ao que parece era Estadual e foi municipalizada.
Carlos, a sua reportagem está ótima, embora com certos exageros a minha pessoa. Tudo me encantou porque era singelo e colorido como o espírito das crianças e professoras. A exposição Ita-Bira: pedaços do tempo, resgatou o grande prefeito Daniel de Grisolia era necessário recuperar os feitos de Daniel, o grande. Lindo e a cidade mereceu e merece mais, muito mais.
Muito bem, Cristina.
Valeu sua indicação para a necessária e agora efetiva homenagem ao nosso CORNÉLIO PENA.