A arca literária de Cornélio Penna e de Itabira
Por Cristina Silveira
Primeiramente, todas, todis e todos, como vocês estão?
A valorização da literatura infantojuvenil no Brasil data de 1894, com a tradução e adaptação de clássicos europeus, irmãos Grimm, Contos da Carochinha, Contos de Andersen. Outro fato importante no mesmo ano, data a primeira eleição pelo voto direto, elegeu-se o primeiro presidente civil da República.
Influenciada pelo Movimento Modernista, a literatura infantil dá o grande salto para frente nas descobertas de verdadeiras delícias da mitologia, da cultura nacional. E por iniciativa de governo, passa a ser objeto de estudos.
Em 1929, a educadora e psicóloga Helene Antipoff (1892-1974), publica o livro “Ideais e Interesses das crianças de Belo Horizonte”, resultado de uma pesquisa sobre o que liam e o que gostariam de ler.
Com o mesmo objetivo de Helene Antipoff, em 1931, a poeta Cecília Meireles (1901-1964) elabora e aplica um inquérito sobre a leitura infanto-juvenil nas escolas do Distrito Federal.
Em 1936, a pretexto de celebrar o aniversário de morte do pedagogo, escritor e jornalista italiano, Edmondo De Amicis Libro (1846-1908), o ministro da Educação Gustavo Capanema (e também Carlos Drummond de Andrade), promove no Salão Nobre da Escola Nacional de Belas Artes, o primeiro Ciclo de Conferências sobre Literatura Infantil.
No ano seguinte foi criado, por meio de decreto, o Instituto Nacional do Livro. Compôs a mesa de conferências pessoas de espirito nacional como: Cornélio Penna, Cecília Meireles, Roquete Pinto, Laura Jacobina Lacombe, Elvira Nizinska, Alceu Amoroso Lima, Manoel Bandeira, José Lins do Rego, Lourenço Filho, Nereu Sampaio e o padre Helder Câmara.
Interessante notar a ausência do esplendoroso Monteiro Lobato, que já havia publicado Narizinho arrebitado, em 1921 e Reinações de Narizinho, em 1931. Por que será que o editor que “criou o livro no Brasil”, não estava lá?
O conto, “As aventuras de João Surrinha”, do historiador João Camillo de Oliveira Tôrres (1915-1973), Editora do Brasil, SP, 1961, talvez, seja o primeiro livro infantil de Itabira.
Hoje, toda a obra de João Camillo está classificada como rara; em 2019, oito volumes foram reeditados pela Edições Câmara, da Câmara dos Deputados (versão e-livro gratuita pela web).
Da obra de João Camillo, A Democracia Coroada, edição da Livraria José Olympio Editora, 1957, autografada, encontra-se em sebos, por R$ 23.800,00, mas também é possível encontrar pela bagatela de R$150,00.
Mas quem tem as qualidades decantadas entre a audiência literária em Itabira é uma mulher, a garrucheira Joana d’Arc Torres de Assis, que em 1983, pela editora Miguilim, publicou Guerra Malvindas, ilustrado por Marcelo Moreira. Alguns anos depois Guerra Malvindas é reeditado pela Dimensão com novo título, Com quantos trouxas se faz uma guerra, ilustrado por Mário Vale.
Ainda da boa lavra da Joana, as crianças podem ler: Belas Macieiras e um Paraíso, Juca Dodode, Sapo Popote e Girafita tira Foto. Merecidamente, a Joana recebeu, com a publicação de O muito e o Pouco, o Prêmio Nacional 30 Anos da Câmara Mineira do Livro e o Selo Altamente Recomendável da Fundação Nacional de Literatura Infanto-Juvenil.
De Presente recebeu o Prêmio Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores. E é de Joana d’Arc Santa Maria de Itabira: na Lavra do Tempo, toreba de livro, em que narra a história da história da região, um livro raro.
Em 2018 a Vila de Utopia apresentou o livro Leleca: a Lesma que queria ser Diferente, uma criação da professora e escritora Josiany Duarte.
Leleca foi prefaciado pela linguista Graça, irmã de Ana Lima. Portanto é livro de responsa, não tenho dúvida. Não tenho conhecimentos de outros nomes da literatura infanto-juvenil de Itabira, mas creio haver mais.
Chega de lenga-lenga da cronista de ½ tigela e vamos a conferência do Cornélio no primeiro Ciclo de Conferências sobre Literatura Infantil. É genial que ele associe o livro à invenção do Brasil e o sentido de nação na formação das crianças brasileiras. Saudade de Cornélio Penna!
Ilustração de livros infantis
Por Cornélio Penna
Ilustrar, isto é, iluminar um livro.
A criança volta a página e, de súbito, vê a realidade, que esclarece, torna nítido e fixa o seu pensamento ainda vago. As cores, as linhas, os volumes são um caminho rápido para a sua inteligência.
A compreensão visual é vigorosa, imediata, e a memória das coisas vistas em síntese artística é completa, gravando-se em cheio no espírito infantil. Por isso mesmo, a ilustração dos livros do menino constitui um aspecto importantíssimo de sua educação.
É o primeiro contato, é o momento revelador da realidade externa, vista por outra inteligência, e daí a necessidade da iluminura ser uma autentica obra de arte, de complexidade crescente, e sempre em grau acima do nível do pequeno leitor.
A sua realização coincide com a finalidade maior do livro: a descoberta da criança, e, no conjunto dos livros, o seu verdadeiro fim, a meu ver; a invenção do Brasil.
Os homens perderam a fé porque estão desaprendendo de amar o que é amável. Afastemos de nós as ilusões secas e tristes da Era Maquinista e desprezemos a criação da simples e econômica escala humana.
Suspeitávamos, e agora já o sabemos, que, com elas criaremos em torno de nós apenas o vazio, e, portanto, com o isolamento da inteligência, quebrada a solidariedade com as coisas que cercam e amparam, a morte do ideal.
Com a resolução da hipótese não tivemos a resolução do sonho. Ele persiste.
As nossas almas, comprimidas um instante, tudo rompem e enchem o continente brasileiro, num movimento unido. Aproveitemos essa união, e façamo-la duradoura.
Para ilustrar o livro brasileiro é preciso preferir o motivo brasileiro. Essa escolha tem de ser feita através do homem brasileiro e não nele próprio ou no que o cerca.
Não poderemos compreender e amar a natureza brasileira sem primeiro compreender e amar o povo brasileiro. Não é a paisagem que sugere o homem, e sim o homem que sugere a paisagem. A natureza se repete e se imita em toda a parte.
É o homem que lhe dá caráter. Não temos sabido amar a nós próprios. Mandamos para o estrangeiro os nossos artistas, que se tornam estrangeiros, em vez de trazermos para cá verdadeiros artistas que nos tragam seu saber e sua força de compreensão, para trabalharmos em conjunto na fiação do sentimento brasileiro.
Esse descobrimento, é claro, não é uma usurpação, assim como não é uma ressureição. É apenas o compreender novo do Brasil, visto de dentro para fora, sem as ideias feitas da Europa e da Eurásia.
Com o auxílio novo e poderoso do amor de nossa gente, do espirito de comunidade, venceremos na luta com oito milhões de quilômetros quadrados de terra severa e hostil, ao mesmo tempo nosso tesouro e nosso castigo.
As iluminuras devem, pois, trazer, inconfundível e forte, o característico de nossa luz, de nossa flora e de nossa fauna, e, sobretudo, o cunho indelével do sentir brasileiro.
Não é a criação de um estilo. É a revelação de uma verdade.
Não é uma nova maneira. É apenas uma integração.
Não vamos reproduzir e imitar o já feito pelos nossos índios, pelos negros ou pelos brancos de fora. Vamos fazer novo, porque brasileiro.
O iluminista faz surgir do texto a luz, o brilho, a beleza visual. É uma iniciação, um convite à vida.
Esse convite deve ser harmonioso e belo, criando uma reserva de sonho puro no cérebro da criança, e incutindo em seu espírito a necessidade de fazer de sua vida um poema, embora humilde e desconhecido.
A cal, o esmalte, o metal cromado, a arquitetura como condição de criação humana, a utilidade como fim último, deixando ao homem apenas os meios mecânicos de expressão, trouxeram para a arte o barbarismo disfarçado em simplicidade, pureza e rapidez.
Se, como diz alguém, o amor nos transporta ao interior mesmo do objeto amado, penetramos no coração escondido do Brasil, e, na ânsia de presença, encontraremos Deus.
[As ilustrações desta matéria foram extraídas do livro L’Arche de Noé, de P. Guizou e ilustrado com as aquarelas de A. Vimar]
Parabéns, Cristina, por trazer à tona a questão do livro infanto-juvenil. Aliás, você sempre aborda, de forma especialíssima, assuntos tão interessantes.
Gracinha, minha linda, como está você? Hoje, Graça me perguntaram por que escrevo Graça, irmã de Ana Lima, e, não Graça Lima. Ora é muito simples e por pura saudade eterna da Ana e a ausência pra sempre, felizmente você continua brilhando aqui na Terra. Você e Ana são exemplos de amor assim como aquele Carlos e aquela Maria Julieta. Beijoca Graça, irmã de Ana Lima.
Amei ler essa crônica.
Fiquei curiosa para conhecer os livros da Joana Darc.
Sabe onde podemos adquiri-los?
Parabéns Cristina, a literatura infantil é importante demais para tb desenvolver , desde cedo, nas crianças,o amor aos livros ,
Parabéns tb por se referir ,com o merecido carinho ,
a Ana Maria e Graça Lima, minhas eis colegas, da faculdade.
Obrigada Carmemlucia, os livros da Joana você pode comprar pela editora Dimensão.
A crônica do Cornélio, pra mim, representa o que era o Brasil e o que agora é, um buraco sem fundo de ingnorancias (dr. Camões, é assim mesmo, viu).
A Graça e a Ana são pessoas especiais, elas e a Cacá Amoroso, salvaram aminha vida, sem a presença delas eu seria muito pior do sou, elas me salvaram com livros, abriram a minha mente.
Você é professora Carmemlúcia?