Um causo de Cornélio Penna, contado por Peregrino Júnior

Grafite num muro na R. Joaquim Silva, Lapa/Rio.

Foto: Cristina Silveira

Um sorriso para todas…

Estancando, de súbito, na calçada da Avenida Atlântica, em frente ao Posto 4, n’aquela clara tarde palpitante do “footing”, o pintor Cornélio Penna, ibero-americanista honorário e sócio graduado do Círculo Católico, exclamou com entusiasmos coléricos na voz indignada, diante dos bandos decorativos de criaturas lindas que passavam para o banho de mar:

– Mas isso é o fim do mundo! Um pouco mais, e teremos a completa nudez! É um escândalo.

– É apenas a vida integralmente viva…

– Qual! Isso é, mas é uma pouca vergonha! Nem sequer o manto diáfano de Eça de Queiroz para esconder a nudez da verdade!

– Ora, mas o banho-de-mar…

São Cornélio

– Outro dia, num baile de Copacabana Palace vi mulheres que, se não tivessem no corpo perolas e diamantes, estariam literalmente nuas. Os vestidos de baile, exíguos como camisas-de-dia, são uma hipótese. Embora cheios de pontos, os seus decotes são lições de anatomia. São apenas imateriais! As pernas quase todas de fora, os braços nus até as espáduas, o colo nu até o umbigo e as espáduas nuas até as ancas! Tal como aqui: a nudez integral.

– Você exagera…

– É o que lhe digo. E afinal o que resta para mostrar a uma dessas mulheres que veem à praia de maillot?

– Mas, meu amigo, com esse calor, objetamos, não pode haver toilette mais adequada ao nosso clima do que o maillot, que é essencial e sintético…

– Que nada! Esbravejou, com apostrofes rubras na voz furiosa, o jovem ibero-americanista amador.

– Os índios, nossos ancestrais, nos deram de resto o exemplo…

Vermelho de indignação, suando virtude por todos os poros, o pintor Cornélio Penna prosseguiu com eloquência autêntica de meetrie:

– É o fim do mundo! Estamos em plena Sodoma. E eu temo confesso, que o castigo do céu caia sobre essa gente.

– Castigo, seu Cornélio? Interrogamos, entre curioso e assustado.

– O castigo de Deus – o pior e o mais inexorável dos castigos.

– O fogo?

– Qual fogo! Pior do que isso!

– O dilúvio?

– Não. Ainda pior!

– O terremoto?

– Qual! Muito pior!

– Pior que tudo isso? Com os diabos, homem de Deus! Que castigo afinal será esse?

– Uma conferência do Silva Julio!

 [Revista Careta (RJ), 2/11/1929. BN-Rio]

 

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