Com críticas à Vale, romeiros reunidos em Itabira se solidarizam com vítimas da mineração

Romeiros vieram de várias cidades para se solidarizarem com as vítimas da mineração (Fotos: Anna Drummond- @annafotografias e Divulgação)

A 4ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce, promovida pela Arquidiocese de Mariana, da qual fazem parte as dioceses de Itabira/Fabriciano, Caratinga e Governador Valadares, se transformou, no domingo (2), na maior manifestação popular já realizada em Itabira contra o modelo de mineração praticado pela Vale, em Minas Gerais.

Os organizadores contabilizaram mais de 10 mil participantes, mas mesmo que o número tenha sido menor, não tira o peso político e religioso da manifestação.

O tema da romaria foi escolhido como forma de protesto pelo “assassinato” de 19 pessoas, ocorrido com o rompimento da barragem de Mariana, da Samarco, uma joint-venture da Vale e da BHP Billiton.

E, também, pelos mais de 245 mortos e 25 corpos desaparecidos com o desastre ambiental e acidente coletivo de trabalho, provocado com o colapso da barragem na mina Córrego do Meio, em Brumadinho, pertencente à empresa Vale.

“Não foi acidente, foi crime ambiental e humano”, gritaram os romeiros sempre que alguém se referia a esses maiores acidentes ambiental e trabalhista da história da mineração em todo mundo.

Itabiruçu

Um abaixo-assinado coletado na romaria já dispunha de mais de 5 mil assinaturas. Pede ao Ministério Público Estadual entre com ação para impedir o alteamento da barragem Itabiruçu, em Itabira. As obras para o alteamento já estão em andamento e conta com licença ambiental (leia aqui).

Críticas à mineradora Vale foram recorrentes na romaria

Para a Vale, o alteamento do maciço irá aumentar a segurança da barragem – e é necessário para dar continuidade à extração de minério na mina Conceição. Trata-se da última mina em atividade em Itabira, prevista para exaurir em 2028.

No abaixo-assinado, os manifestantes argumentam que “o empreendimento (alteamento da barragem) vem desrespeitando o perímetro urbano, que está localizado a menos de 10 km e menos de 30 minutos desta barragem”. Alegam ainda que com o alteamento será suprimida uma reserva legal de 291,38 hectares.

“Com o alteamento o reservatório passará a contar com um volume final de 222,8 milhões de metros cúbicos – sendo que o atual, conta com volume de 130,9 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério. Tornando-se (a estrutura) vinte vezes mais volumosa que a barragem que se rompeu em Brumadinho.”

“Vivemos uma grande romaria e devemos ser solidários à vida”, disse dom Gubiotti

Para o bispo de Itabira, dom Marco Aurélio Gubiotti, a vida é uma grande romaria. “Estamos aqui celebrando a defesa da vida”, disse ele, que defende um posicionamento firme frente aos riscos de novos colapsos de barragens, mas sem revanchismo.

Dom Gubiotti pede posicionamento firme dos católicos, mas sem revanchismo, em defesa da vida

Já com a romaria chegando em frente à entrada da mina Cauê, onde foram fixadas cruzes com os nomes das vítimas de Mariana, o bispo de Itabira rezou pelos mortos e desaparecidos. “Devemos ser solidários com as famílias que choram pela ausência de seus parentes”, disse o religioso, que pediu um minuto de silêncio em homenagem às vítimas de Brumadinho e Mariana.

Para o bispo itabirano, o cristão deve defender a vida, que é o bem mais sagrado, uma dádiva divina. “Não devemos nos esquecer do que aconteceu (em Mariana e Brumadinho), mas nossa memória não é de vingança, é de solidariedade e luta pela defesa da vida.”

Porém, outro manifestante bateu duro na mineradora. “Na terra da Vale devo dizer que não foi acidente, foi crime”, classificou. “Itabira é símbolo da Vale. Devemos sair às ruas para enfrentar esse modelo de desenvolvimento que não serve ao povo brasileiro e aos trabalhadores. Não podemos permitir que volte a repetir o que ocorreu em Mariana e Brumadinho e que esta para acontecer em Barão de Cocais.”

Carta aberta

Em carta aberta dirigida à comunidade católica (“Vão-se os bens da criação, ficam miséria e destruição! E agora, José?”), os romeiros classificaram a mineração da Vale como desumana e devastadora contra o meio ambiente – e que ameaça a vida das pessoas residentes próximas de suas barragens.

No trevo do complexo Cauê, romeiros fixaram cruzes com nomes das vítimas de Brumadinho

“Caminhamos pelas terras sagradas de Itabira que contêm ‘noventa por cento de ferro nas calçadas e oitenta por cento de ferro nas almas’, como canta o poeta. Itabira é a síntese de nosso Estado, a terra mineira prometida por Deus ao seu povo de ontem e de hoje”, frisa o documento.

Diz ainda que na Bíblia, em Deuteronômio, são estabelecidos limites para a exploração dos bens da natureza. “E Deus mesmo estabelece um limite para a sua exploração, mediante normas de conduta que garantam o bem comum, promovam as pessoas e assegurem a natureza. Quando essas regras são descumpridas, vem a maldição.”

Para os romeiros, o momento histórico apresenta desafios que exige que cada cristão assuma uma responsabilidade crítica e propositiva sobre as atividades mineradoras na região e no planeta.

“Conscientes de que somos herdeiros das promessas divinas e de que ‘o Senhor Deus é nossa força, Ele nos dá pés ligeiros como os da gazela e nos faz caminhar nas alturas’ (cf Habacuc 3,19), subimos ao Pico do Amor, no bairro Campestre e chegamos à Paróquia Nossa Senhora da Piedade, trazendo os gritos de toda a população da Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum e os gritos da mãe terra, assumindo uma verdadeira ‘conversão ecológica’.”

Futuro sustentável

O documento cita ainda o papa Francisco: “As religiões têm um papel fundamental a desempenhar, pois, para garantir um futuro sustentável corretamente, precisamos reconhecer nossos erros, pecados, faltas e falhas, o que leva a um sincero arrependimento e desejo de mudança. Dessa forma, podemos nos reconciliar com os outros, com a criação e com o Criador”.

Em defesa dos povos ribeirinhos e indígenas atingidos pela mineração

Os católicos em romaria reafirmam o compromisso da igreja Católica com o desenvolvimento sustentável, apoiado em valores religiosos e éticos. Para eles, o “desenvolvimento humano não é apenas uma questão econômica ou dos especialistas: é uma vocação, um chamado que requer uma resposta livre e responsável de todos, que se desenvolvam em conjunto com a nossa irmã Terra e nunca contra ela”.

Por fim, condenam o atual modelo econômico, considerado devastador e destruidor, voraz, orientado apenas para o lucro. “Propomos uma mudança de paradigma em todas as nossas atividades econômicas, incluindo a mineração, pois somos responsáveis por entregar às gerações futuras um mundo melhor do que este que recebemos. Temos conhecimentos e condições suficientes para reorganizar a vida em sociedade para além do sistema extrativista, materialista, individualista e consumista, que quer a todos devorar.”

 

 

 

 

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