ANM passa a exigir das mineradoras informações sobre recursos e não mais só as reservas minerais. Itabira também precisa saber

Carlos Cruz

Uma mudança que pode ser de grande importância para os municípios minerados conhecerem de fato, e não de ficção, o que as empresas mineradoras, geralmente multinacionais, escondem das riquezas minerais existentes nos subsolos – e que ainda pertencem à União, concedidas por meio de direito de lavra à iniciativa privada, acaba de ser adotada pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

Por meio de portaria já em vigor, a ANM comunica às mineradoras que, a partir deste ano, todas terão de apresentar, diferentemente dos anos anteriores, no Relatório Anual de Lavra 2023 (RAL-2023), também o que dispõem de recursos minerais – e não mais apenas as reservas medidas que têm para lavrar.

A mudança é importante por dar uma dimensão mais completa e transparente do que ainda existe por minerar em cada território minerado.

Para Itabira, que vive há anos com o fantasma da exaustão de suas reservas lavráveis, com horizonte que muda ano a ano, o que traz incertezas e angústias para quem vive, investe e trabalha no município, pode representar o conhecimento mais próximo do que ainda se tem para garimpar industrialmente de minério de ferro em seu subsolo.

“Este ano, a mudança mais importante no Sistema RALWeb foi a implementação da nova tela ‘Recursos e Reservas Minerais”, que substitui a antiga tela ‘Reservas Minerais’”, é o que diz a ANM, lembrando às mineradoras que a “partir do RAL 2023 (ano-base 2022), todos os declarantes do RAL devem adaptar as informações prestadas nesta nova tela ao disposto na Resolução ANM nº 94/2022”.

“Recursos e Reservas Minerais da Resolução ANM nº 94/2022, o corpo mineral, que antes era definido apenas como ‘reserva’ (medida, indicada e inferida), agora se classificam em RECURSOS e RESERVAS: as antigas reservas ‘medida’, ‘indicada’ e ‘inferida’ passam a ser ‘Recursos’ (medido, indicado e inferido); e, além dos Recursos, o titular deve informar, a partir do RAL 2023 (ano-base 2022), as ‘Reservas’, que podem ser ‘prováveis’ e “provadas”.

A ANM explica que as mudanças implementadas não alteram apenas nomenclaturas, mas fazem parte de uma adaptação gradual da quantificação do patrimônio mineral brasileiro aos padrões internacionalmente aceitos para recursos e reservas minerais.

“A referência internacional é o Committee for Mineral Reserves International Reporting Standards (CRIRSCO), representado no Brasil pela Comissão Brasileira de Recursos e Reservas (CBRR)”, informa o superintendente de Regulação Econômica e Governança Regulatória da ANM, Yuri Faria Pontual de Moraes.

As empresas mineradoras têm até o dia 15 de março de 2023 para entregar o relatório anual de lavra (RAL).

Transparência

É hora de o prefeito Marco Antônio Lage (PSB), assim como os vereadores, e até mesmo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), requisitarem também essas informações à mineradora Vale, já que a mineradora tem requerido sigilo dessas informações ao órgão regulador, sob o argumento de que são estratégicas.

No mesmo pedido de informações, devem as autoridades itabiranas acrescentarem acesso às informações contidas no último Plano de Fechamento de Mina (PFM), cujo prazo para entrega à ANM se encerrou no dia 1º de dezembro.

Embora esteja, pelo menos desde 2013, elaborando os necessários e exigíveis PFMs, que são encaminhados ao mercado, via bolsas de valores, aos órgãos ambientais estaduais e à Agência Nacional de Mineração (ANM), Itabira muito pouco sabe desses documentos, apenas o que já foi revelado por este site Vila de Utopia.

Saiba mais aqui:

Vale já prepara, pelo menos desde 2013, o Plano de Fechamento das Minas de Itabira

Aqui:

Cultivo de plantas medicinais e novo hospital constam, em 2013, do Plano de Descomissionamento das Minas de Itabira

E aqui:

Vale esconde de Itabira o Plano de Fechamento de Minas, inclusive das que já exauriram. E não atende pedido do Codema

Prefeito e vereadores devem requerer também informações pormenorizadas sobre o novo plano econômico da Vale para as minas de Itabira, já apresentado à ANM, como parte do processo de renovação da licença de lavra no complexo minerador de Itabira.

Leia mais aqui:

ANM pede informações à Vale sobre o complexo de Itabira antes de aprovar novo plano de aproveitamento econômico de suas reservas

E mais aqui

Vale declara à ANM que Itabira ainda dispõe de mais de 1,1 bilhão de toneladas de minério de ferro

É um direito constitucional de Itabira dispor de todas essas informações sobre o presente e o futuro da mineração em seu território. São dados importantes para o seu planejamento estratégico e atração de novos negócios que aqui podem se instalar.

Recurso é tudo que existe de um mineral que ainda não tem plano de lavra e licença ambiental para ser explorado

Entre os recursos ainda existentes em Itabira está um bloco remanescente de hematita abaixo do itabirito (Fotos: Carlos Cruz)

Antes, a Vale só informava à agência reguladora o que dispunha de reservas lavráveis, sendo que esse mesmo procedimento é adotado para os Formulários 20 (Form-20), que anualmente é apresentado à Bolsa de Nova Iorque, enviado à Securities and Exchange Commission (SEC).

São informadas apenas as reservas medidas, “bloqueadas por sondagens”, sobre as quais se tem certeza de sua existência, além de plano de lavra, com as respectivas autorizações de exploração e licença ambiental.

Já entre os recursos, que não são informados,  incluem blocos remanescentes, também chamados de reservas inferidas, que ainda não dispõem de estudos de viabilidade econômica, social e ambiental. Ou seja, são conhecidos, mas ainda não podem ser exploradas, dependendo também de estudos de viabilidade econômica.

Há ainda as reservas indicadas, que contam com prospecções geológicas com intervalos maiores, que permitem avaliar até onde chega a estrutura mineral, assim como o volume de minério existente na localidade.

Ao não apresentar o que dispõe de recursos, como ocorre nos relatórios Form-20, isso tem provocado incertezas aos administradores municipais, à população e à iniciativa privada.

E favorecem as especulações, com explorações jornalísticas sensacionalistas, como se viu recentemente, como se o minério de ferro ainda explorável em Itabira estivesse na iminência de exaurir, anunciando errôneamente o fim das atividades minerárias no município em curto prazo.

Horizonte de exaustão

É que esse horizonte de exaustão declarável até então, vem alterando ano a ano, mantendo-se as incertezas para Itabira, como se observa desde o início da exploração de minério em larga escala.

E, mais ainda isso ocorre a partir de 2001, quando a mineradora passou a negociar as suas ações na Bolsa de Nova Iorque, publicando anualmente os relatórios Form-20.

Leia mais aqui:

Previsão da exaustão do minério de Itabira tem mudado com o tempo nos relatórios da Vale

Blocos remanescentes

Ficam de fora desse relatório, e até então dos relatórios anuais encaminhados à ANM, os recursos ainda não provados. Ao divulgar apenas as reservas, a empresa apresenta um horizonte bastante estreito para a inevitável exaustão mineral.

Nesses recursos minerais, segundo um geólogo consultado pela reportagem, incluem blocos remanescentes de hematita, que são recursos minerais até então não relatados nos documentos oficiais.

São esses recursos que devem prolongar a permanência da mineração no município por muitos anos, além da transposição de minério de outras minas para concentrar em Itabira, mesmo que tenha sido descartado o minério da mina de Serpentina, em Conceição do Mato Dentro

Leia aqui:

Vale confirma ao Codema que não vai mais trazer minério de ferro de Conceição do Mato Dentro para processar em Itabira

“Esses recursos remanescentes devem ser mais bem pesquisados com prospecções mais detalhadas e aprofundadas”, acredita o geólogo, que aposta numa vida mais longa para a mineração em Itabira, muito além do que revela os insípidos relatórios Form-20.

Eu tenho absoluta certeza que corpos de hematita, que começam em Conceição, onde está o silo, e descem em direção à mina Periquito, ficaram por debaixo de itabiritos, sem serem explorados”, afirma.

“Nas pesquisas anteriores, os furos de sonda que foram feitos em Itabira não chegaram até o final desses corpos. Se as pesquisas eram suficientes para se ter um planejamento de lavra por um médio espaço de tempo, paravam”, recorda.

De acordo com o geólogo, que confirma a opinião de outros profissionais da área de mineração ouvidos por este site, é bem possível que esses corpos de minério de ferro remanescentes venham a ser explorados nos próximos anos.

Para isso, o geólogo não descarta a possibilidade desses corpos serem extraídos por meio de galerias subterrâneas, que têm custos operacionais mais elevados, mas que se justificam pelo alto preço da commodity no mercado internacional.

Leia mais aqui.

Vale estuda viabilidade de explorar mina subterrânea de minério de ferro em Itabira

E também aqui:

Vale vai investir R$ 26 milhões em pesquisas geológicas para aumentar a vida útil das minas de Itabira

No caso dos recursos de hematita, há ainda o fato de não ser preciso retirar grande volume de material estéril, diferentemente do que ocorre com os itabiritos. “Por conter alta concentração de ferro, a hematita gera menos rejeitos”, acrescenta.

“Tecnicamente não é inviável ter uma lavra subterrânea para explorar esses corpos de minério remanescentes, que existem também na mina Chacrinha”, acrescenta o geólogo.

Esse corpo remanescente mais próximo da cidade, segundo ele, encontra-se no limite da estrada 105 e da via férrea, que já tem projeto de mudar o seu traçado nesse trecho.

“Próximo da passagem de nível da Vila Paciência para o bairro Pará, tem um corpo de minério com inclinação muito forte, com a hematita que ficou no fundo. Com galerias subterrâneas, o acesso a esse minério pode ser facilitado”, acredita.

“Sou um realista otimista. Não vai ser encontrado outro Cauê em Itabira, mas pode-se ter um volume bem significativo nesses corpos remanescentes e que vão prolongar a vida da mineração por muitos anos”, acrescenta.

“A tecnologia de mina subterrânea já existe, mas é um outro mundo na mineração. Os equipamentos são outros, tudo é diferente, é outra realidade. Mas a tecnologia não é empecilho para a sua viabilização econômica. Só precisa ter volume significativo para compensar o alto investimento.”

É preciso também comprovar a sua viabilidade sob o ponto de vista ambiental e que seja socialmente sustentável para o município, lembrando que a licença ambiental para a Vale continuar explorando minério no Complexo de Itabira se encontra vencida

Saiba mais aqui:

Licença ambiental da Vale para minerar em Itabira venceu em 2016, mas foi prorrogada pelo órgão ambiental sem data para revalidar

E também aqui:

Renovação da licença ambiental da Vale em Itabira é liberada para análise e pode ser aprovada sem audiência pública, com anuência antiga

Reservas futuras

Conforme anunciou o ex-diretor da Vale José Francisco Viveiros, em 2003, na Acita, com base no “mais completo mapeamento geológico” realizado no início deste século, Itabira dispunha de minério para ser explorado por mais 60 anos.

Naquela ocasião, as reservas de Itabira saltaram de 677 milhões de toneladas para 1,135 bilhão de toneladas. Leia aqui

Itabira tem minério para mais de 60 anos, disse diretor da Vale em 2003

E aqui:

“Vida longa para as minas de Itabira”, preconizou o ex-diretor Viveiros em 2003 na Acita

Isso enquanto os recursos (reservas inferidas), com as novas prospecções, saltaram de 2,8 bilhões para 3,9 bilhões de toneladas. “São as nossas reservas futuras”, ufanizou o ex-diretor Viveiros naquela ocasião.

E ele pode estar certo. Leia também aqui.

A notícia ufanista do ex-diretor Viveiros teve uma informação adicional ainda mais animadora para os que querem ver a continuidade da mineração no município.

“Os limites da mineração permanecem os mesmos. Não haverá expansão das minas para além do ‘pit’ (fronteira) atual”, assegurou o então diretor de Ferrosos na reunião com os empresários itabiranos.

Leia mais também aqui.

Reservas de minério de Itabira mergulham das minas em direção à cidade, diz gerente da Vale

 

 

 

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