ANM está para aprovar resolução que assegura o direito da Vale explorar rejeitos de minério das barragens e estéril das pilhas
A mineradora Vale está para obter, possivelmente ainda neste mês de abril, uma importante vitória na Agência Nacional de Mineração (ANM), assim que for aprovada a Resolução Normativa 04/20, que define pertencer ao minerador, como produto da lavra, os rejeitos depositados nas barragens – e também o material estéril disposto em pilhas.
A decisão parece óbvia, mas não é, como se observa com o litígio travado entre a Vale e a empresa Itabiriçu Mineração sobre o direito de exploração de parte dos rejeitos de minério de ferro contidos na barragem Itabiruçu – e também em uma pilha de estéril com itabirito compacto na mina de Conceição.
Trata-se, portanto, de matéria de interesse econômico de Itabira, uma vez que a futura exploração dessas “reservas antropogênicas”, assim designadas pelo geólogo Everaldo Gonçalves, um dos proprietários da Itabiriçu, pode ampliar o horizonte de exaustão de suas reservas de minério, com impacto positivo em sua receita com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), os royalties do minério.
Outro projeto de interesse de Itabira em tramitação na ANM, agora sob sigilo a pedido da mineradora, trata-se do Novo Plano Econômico de Aproveitamento Mineral para o Complexo de Itabira. Leia aqui.
Cochilo
No caso dos rejeitos, ocorreu que, por um cochilo da Vale, a empresa de Everaldo Gonçalves ganhou junto ao Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), antecessor da ANM, o direito de pesquisar, para futura exploração, parte dessas “reservas antropogênicas”.
De acordo com o geólogo, esse material foi descartado pelo minerador como não tendo valor econômico, conforme teria sido declarado pela Vale ao DNPM. E que teria retornado como parte do subsolo, portanto, sob o domínio da União. Leia também aqui e aqui.
A advogada Marina Ferrara, especializada em direito mineral, da Insight Educação Executiva, que promoveu debate virtual com representantes da Vale e da ANM, em 19 de março, reconheceu que o tema é controverso.
Segundo ela, vinha sendo debatido ainda no antigo DNPM, assim que foi promulgada a Constituição Federal de 1988. “É um tema que se arrasta desde 1990, com pareceres diversos, para se saber se esse material é produto da lavra, ou se trata de um recurso à parte”, assim ela abriu a discussão na live da Insight.
De acordo com o que explicou a gerente de Economia Mineral da ANM, Mariana Dalla Costa, a resolução a ser aprovada considera que todo esse material (estéril e rejeito) é produto da lavra, independentemente de onde se encontra depositado, mesmo que fora do poligonal.
Dalla Costa coordena o projeto de Aproveitamento de Estéril e Rejeitos, da Agenda Regulatória 2020/21. Ela disse que, para a futura exploração desse material, não será necessário requerer novo título mineral. “É um direito do titular, como produto da lavra”, reafirmou, referindo-se ao que está definido na futura resolução normativa.
Expectativas
Com a resolução normativa, a Vale espera pôr fim ao litígio com a Itabiriçu Mineração, que detém alvará de pesquisa em área da barragem do Itabiruçu, ainda não realizada, por não ter tido acesso ao local, não autorizado pela Vale. É outro litígio que corre, nesse caso, na Comarca de Itabira. Leia aqui e aqui.
A expectativa do setor mineral era de a portaria ser publicada em 17 de março, mas isso não ocorreu, devendo ficar para este mês de abril. A partir da resolução, se aprovada, as mineradoras passam a contar com parâmetros legais sobre o domínio dos rejeitos e estéril, como produtos resultantes da mineração.
A regulamentação visa também, segundo seus defensores, aperfeiçoar os procedimentos necessários ao acesso e exploração, estimular o aproveitamento econômico. E, ainda, gerar informações sobre os rejeitos e estéril ao órgão regulador e à sociedade, principalmente nos locais onde estão localizadas essas reservas antropogênicas.
Exploração
Levantamento da ANM, realizado entre 2010 e 2019, constatou números impressionantes desse material em todo o país: são 8,2 bilhões de estéril e 3,4 bilhões de rejeitos de minério de ferro.
A região Sudeste gerou 48% do volume de estéril e 44% de rejeitos. Itabira tem as maiores pilhas e barragens com esse material, que vem sendo retido desde a década de 1970.
Isso representa ao mesmo tempo possibilidade de exploração futura, mas também de riscos ambientais – e até de rompimento, como tragicamente aconteceu em Mariana e Brumadinho.
Se parte desse material deixar de ser reserva inferida (recursos), para se tornar reserva medida e explorável, como foi o caso do itabirito duro, o município terá mais royalties até exaustão final “com a derrota incomparável”.
Além disso, a exploração desse material certamente vai contribuir para o futuro descomissionamento do próprio complexo minerador de Itabira.
Resolução dá segurança jurídica para explorar esse material, diz advogada
Para a gerente de Direito Minerário da Vale, a advogada Solange Costa, a mineração carecia de longa data dessa regulamentação. “O reaproveitamento de estéril e do rejeito faz parte da atividade de acordo com o artigo 5º do Código de Mineração”, disse ela na live da Insight.
“Esse material tem nome e sobrenome. Sabemos de quem é e a quem cabe o seu reaproveitamento”, disse a gerente da mineradora, depois de parabenizar a ANM por propor a sua regulamentação. “Se é sabido quem o gerou, não tem mais discussão a quem cabe o seu reaproveitamento.”
Contestação
Mas Everaldo Gonçalves, da Itabiriçu Mineração, garante que o assunto não está encerrado. “A matéria é constitucional e não pode ser alterada por resolução”, defende-se. “A Vale acredita que o assunto está resolvido. Eu, não.”
Para defender o direito que considera adquirido, a Itabiriçu Mineração já entrou com mandado de segurança junto à 1ª Vara Federal Cível de Justiça do Distrito Federal (SJDVF).
O objetivo é impedir a aprovação da resolução como parte da Agenda Regulatória 2020/21, da ANM.
Conforme defende o geólogo, pelo artigo 176 da Constituição Federal, apenas o produto da lavra é do minerador.
“Estéril e rejeitos, pela própria etimologia da palavra, são descartes e voltam para a União, incorporando-se novamente ao subsolo”, afirma.
“Para ser explorado, precisa de novo título mineral”, advoga em causa própria, por já deter direito de pesquisa em área da barragem do Itabiruçu.
No mandado de segurança impetrado pela Itabiriçu, a alegação é de que a Resolução Normativa 04/20, a ser aprovada pela ANM, fere seu direito adquirido.
“É um direito líquido e certo, demonstrado por provas documentais, derivado do Alvará de Pesquisa número 7.471/2014”, é o que defendem os seus advogados.
E pedem à justiça que declare a nulidade da portaria da ANM assim que aprovada, “por vício de ilegalidade e de inconstitucionalidade”.
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