Alerta de segurança: deslizamento de pilha de estéril em Conceição do Pará é motivo de preocupações em Itabira

Pilha de Depósito de Estéril (PDE) Canga, no Rio de Peixe

Fotos: Carlos Cruz

O recente deslizamento de uma pilha estéril de ouro, material não aproveitado no processo de separação e concentração do metal, na mina Turmalina, município de Conceição do Pará, pertencente à Mineração Serra Oeste, controlada pela multinacional canadense Jaguar Mining, atingindo o povoado Casquilho de Cima, deveria servir para acender o sinal de alerta em Itabira.

No município, que dispõe das maiores barragens de rejeitos de minério de ferro do país, e que estão proibidas de receber esse material, à exceção de Itabiruçu, que foi alteada recentemente, com licença ambiental obtida pela mineradora Vale antes das tragédias-crimes de Mariana e Brumadinho, a alternativa encontrada tem sido a disposição desse material em pilhas a seco.

Barragem Itabiruçu ainda recebe rejeitos da usina Conceição em Itabira

As pilhas a seco são consideradas mais seguras pelas empresas e pelos órgãos ambientais que concedem o necessário e obrigatório licenciamento. Mas não tanto, como se viu com o deslizamento da pilha de Satinoco em Conceição do Pará.

Daí que Itabira deveria estar mais atenta à questão, pelo risco que essas estruturas podem apresentar, como também na cobrança de um maior controle de particulados (poeira) mais finos que podem impactar ainda mais a já muito impactada qualidade do ar em Itabira, com o consequente agravo das doenças respiratórias.

Novas pilhas

Em Itabira já estão instaladas 12 pilhas de estéril e duas de estéril e rejeito compactado, totalizando 14 estruturas. E essas devem ser só o começo, uma vez que já se encontra em processo de licenciamento a expansão das cavas das minas Conceição e do Meio, assim como de pilhas de estéril. O que certamente demandará mais espaços para novas pilhas.

O processo de licenciamento dessa expansão minerária está na fase de análise pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, para que o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) delibere sobre o pedido de anuência, dando prosseguimento ao licenciamento ambiental junto aos órgãos estaduais licenciadores.

A mineradora, como tem ocorrido em vários episódios, não esclarece devidamente, não há transparência nos comunicados que faz aos atingidos e à sociedade itabirana. Entretanto, sabe-se que a aquisição de sítios e fazendas na região do Cubango, próxima da mina Conceição, terá como destino a disposição a seco de mais material estéril e rejeito.

Leia mais também aqui:

Sede da fazenda Cubango vai ser desmontada, mas pode ser reconstruída em Ipoema para abrigar a Casa de Cultura Elke Maravilha

Deslizamento 

Deslizamento de pilha de estéril em Conceição do Pará atingiu casas e moradores continuam desalojados (Foto: Filipe Lacerda/FLVMAKER/FSP/Divulgação)

No deslizamento da pilha de estéril em Conceição do Pará, mais de 250 pessoas tiveram de deixar as suas residências às pressas e ainda estão desalojadas.

A maior reclamação das pessoas desalojadas da comunidade rural de Casquilho de Cima é a mesma dos moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, que podem ter suas residências removidas para a construção de uma estrutura de contenção a jusante no sistema da barragem Pontal, em Itabira.

Todos reclamam da falta de informações claras, precisas e transparentes, tanto por parte das empresas mineradoras quanto da Agência Nacional de Mineração (ANM), que é responsável pela fiscalização dessas estruturas, antigas e novas. A última fiscalização da ANM na pilha de Satinoco, em Conceição do Pará, ocorreu em 2021, de forma remota.

Falta de Respostas

Pilha de estéril Canga fica próxima à barragem do rio de Peixe. Vale tem feito revegetação dos taludes para diminuir poeira e manter a estrutura estável

A reclamação é geral tanto em Conceição do Pará como também em Itabira, que pouco sabe, por exemplo, sobre como será o descomissionamento de suas minas, muitas já exauridas e outras com prazo de validade somente até 2041.

Recentemente o jornalista e ambientalista Gustavo Gazzinelli solicitou informações à ANM sobre como foi o preparo do solo para suportar o peso da pilha que deslizou em Conceição do Pará. Pediu também detalhamento sobre o sistema de escoamento de água da chuva referente à pilha que desmoronou.

Não obteve resposta da ANM, assim como este site não teve resposta quando solicitou informações sobre o novo plano de aproveitamento econômico para as minas de Itabira, recentemente aprovado, e que foi colocado sob sigilo pela agência reguladora, a pedido da Vale. “É um subterfúgio legal para sonegar informações à sociedade,” queixa-se Gazzinelli, em entrevista à Folha de S. Paulo.

“Segredo industrial faz sentido para proteger informações sobre técnicas adotadas na extração ou beneficiamento de minério, por exemplo. Mas, neste caso, traz insegurança socioambiental, especialmente depois de um acidente desses,” disse o ambientalista mineiro na mesma reportagem.

Segurança das estruturas

Pilha de estéril ao lado da cava Cauê, onde a Vale tem disposto rejeito da usina: emprega diz garantir a estabilidade dos taludes, inclusive com revegetação

O deslizamento na pilha de estéril em Conceição do Pará é motivo de sobra para desconfiar sobre a segurança dessas estruturas como alternativas às perigosas e destruidoras barragens de rejeitos.

Na mesma reportagem da Folha de S.Paulo, o engenheiro de minas Hernani de Lima, professor da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), explica as diferenças entre uma estrutura e outra. Segundo ele, enquanto uma barragem de rejeito o conteúdo sólido chega a 40%, em uma pilha o rejeito é filtrado e compactado, passando a conter cerca de 20% de umidade.

Isso significa que, em caso de ruptura de uma dessas estruturas, o rejeito de pilha não se dispersa por uma grande extensão, diferentemente do que ocorreu com o rompimento da barragem 1, da mina de Córrego, da Vale, em Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, causando a morte de 272 pessoas, além de larga destruição na bacia do rio Paraopeba, comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas ao longo de centenas de quilômetros.

Com a disposição de rejeito na cavas e estéril nas próximidades, Itabira vai ganhar um simulacro do que foi majestoso pico do Cauê (Foto: acervo de O Cometa)

Num rompimento de pilha, explica Lima, o rejeito não vai tão longe quanto no caso de uma barragem, mas não quer dizer que seja uma alternativa muito mais segura. “Tudo depende do relevo do terreno, das condições no entorno e do planejamento e operação do empreendimento,” explica o professor. “Não pode ter comunidades ou construções próximas, como foi o caso de Conceição do Pará.”

Em Itabira as pilhas estão bem próximas da cidade, inclusive na cava Cauê, que será ocupada por rejeito e alteada até quase chegar à altura original do histórico pico exaurido – e também com a PDE Canga, instalada a montante da barragem Rio de Peixe.

“O problema é que não tem muita regulamentação (sobre as normas e técnicas de segurança das pilhas). A legislação que temos ainda não dá conta da questão,” avalia o professor da UFMG na reportagem da Folha de S.Paulo.

Pilhas de estéril podem ser avistadas da praça do Centenário, no Centro Histórico de Itabira. Vale está também reconformando e plantando gramíneas e leguminosas nos taludes 

Outro Lado

Vale diz manter todas as medidas de controle e monitoramento das pilhas, conforme legislação

Em resposta à reportagem, a Vale informa que mantém atualmente 12 pilhas de estéril e duas pilhas de estéril e rejeito compactado, totalizando 14 estruturas em Itabira.

Diz que “o empilhamento do estéril e ou rejeito segue projeto de engenharia desenvolvido por empresa especializada e atende às normas e parâmetros técnicos estabelecidos na legislação,” assegura.

“As pilhas são dotadas de sistemas de drenagem, possuem instrumentos de monitoramento geotécnico e passam por inspeções e manutenções periódicas para conservação de suas condições de segurança.”

Além disso, a Vale diz ter implementado metodologia de avaliação e gestão de riscos. “As estruturas também são avaliadas constantemente por equipe técnica externa especializada.”

São duas pilhas de disposição de estéril e rejeito compactado: Ipoema-Borrachudo e Cauê, que iniciaram suas operações em 2022 e 2024, respectivamente.

De acordo com a mineradora, as pilhas são dotadas de sistemas de drenagem, possuem instrumentos de monitoramento e passam por inspeções e manutenções periódicas para conservação da estabilidade e de suas condições de segurança. “As estruturas também são avaliadas constantemente pela EoR (Engenharia de Registros).”

Trata-se de uma prática na qual engenheiros e desenvolvedores criam e mantêm metadados detalhados sobre os dados gerados, coletados ou utilizados por um sistema. Esses metadados são chamados de “registros” e incluem informações como a origem dos dados, transformação, destino, qualidade e governança.

Na oportunidade, a mineadora esclarece que estéril é o material extraído na cava, no processo de lavra do minério de ferro, e é composto basicamente por solo e rocha. Já o rejeito é gerado após o processamento do minério de ferro em usinas. “Para ser empilhado, o rejeito é filtrado e disposto em estado sólido.”

Mineradora precisa investir muito mais no controle de poeira para diminuir o lançamento de particulados na cidade, conforme se vê esse registro em agosto de 2024

Controle de poeira

Quanto ao questionamento sobre a geração de poeira proveniente das pilhas, que mais fina pode ultrapassar as vias respiratórias superiores e atingir o pulmão, agravando as doenças respiratórias, a Vale diz manter controle para a redução.

Entre as medidas mitigadoras, em cumprimento da legislação, diz manter a aspersão e hidrossemeaduras de taludes, com aplicação de polímeros, além da utilização de canhões de névoa, nebulizadores, dentre outros mecanismos de controle.

“Há, ainda, em Itabira a Rede Automática de Monitoramento da Qualidade do Ar, composta por cinco estações, sendo que quatro delas monitoram a qualidade do ar e uma a meteorologia, sendo seus dados consolidados conforme estabelece a Resolução Conama 491/2018 e enviados de forma automática para a Feam, SMMA e Vale.”

Por fim, “a Vale reafirma seu compromisso com a segurança e a sustentabilidade (das pilhas), garantindo que todas as medidas necessárias sejam tomadas para proteger as comunidades vizinhas às suas operações e o meio ambiente”.

E disponibiliza link com informações sobre barragens, que podem ser acessadas em  http://www.vale.com/barragens.

Leia mais sobre Itabira e a mineração:

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/09/cidade-de-drummond-puxa-fila-e-atesta-fim-da-hegemonia-de-minas-gerais-na-mineracao.shtml

 

 

Posts Similares

2 Comentários

  1. Carlos Cruz e colegas do Vila de Utopia, as questões que encaminhei foram para a ANM e para a Semad. A Semad respondeu à maior parte delas. A falta de transparência e erros das informações desse acidente foram claras em notas técnicas da Defesa Civil (CBMMG) e do próprio MPMG. Para se ter uma ideia, informavam que somente um talude desmoronou. Em vídeo publicado por um piloto de drone, de Conceição do Pará, era possível contar de 4 a 5 taludes. E não tínhamos ideia do percentual do volume da pilha que desceu com este rompimento, razão de termos encaminhado a pergunta aos dois órgãos. Pela Semad soubemos da estimativa de 750 mil metros cúbicos (m³) de um total de 1,6 milhão m³ de rejeitos. Ou seja, quase metade da pilha desmoronou. Pela Semad também soubemos, que um segundo deslizamento foi registrado, poucos dias após o primeiro.
    Acredito que tenha havido outros, dado o volume de chuvas no final de dezembro e este mes de janeiro/2025.
    Mas parece que esse tema virou um tabu. Porque as mineradoras e os sindicatos delas, como SindiExtra e Ibram estão vendendo a ideia falaciosa que o problema dos rejeitos está resolvido.

    As questões informadas nas publicações da Folha e do Observatório da Mineração sobre este caso, foram em parte formuladas pelo colega Júlio Grillo, do Forum Permanente São Francisco, complementando perguntas que encaminhei, com conhecimento dele e de outros, à ANM e à Semad. Outras perguntas que fiz referem-se às consultorias que fizeram o projeto dessa pilha e ao acompanhamento da implantação dela. Não tivemos respostas. E quais as fiscalizações que ocorreram e os relatórios delas. A ANM citou à jornalista da Folha que fizeram uma em 2019 e outra, remotamente, em 2021.

    Veja que, como no caso da Barragem de Conceição, em Itabira, havia várias estruturas operacionais da MSOL (Jaguar Mining), em Conceição do Pará, situadas a poucos metros de distância dessa pilha, a norte e ao sul dela. Isso não deveria ser permitido, depois do que ocorreu na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Mas a resolução nº 95 da ANM permite que as empresas mantenham atividades de lavra beneficiamento etc abaixo das bombas-relógio.

    A descaracterização de barragens é hoje um problema, cujo foco central – a eliminação da barragem – foi também acochambrado pela ANM. A Resolução 95 permite que a descaracterização efetiva seja substituída por “reforço estrutural”. É isso o que empresas como a Vale e a AngloGold Ashanti vêm fazendo com algumas de suas maiores barragens, pela adoção do chamado contrapilhamento. O contrapilhamento deve aumentar a margem de segurança, certamente, mas, a meu ver, não garante uma segurança maior, porque os rejeitos continuam lá no reservatório da barragem. Os reservatórios maiores foram feitos sobre nascentes e os drenos subterrâneos delas, segundo diferentes relatórios que já acessei, tendem a ficar entupidos com o tempo de uso. Além disso, voce pega a propaganda da Vale na TV, no Rádio e na internet e se depara com o seguinte tipo de informação – algo assim: “já eliminamos mais da metade de nossas barragens a montante”. A Vale não se digna a informar qual o percentual da somatória dos rejeitos nas barragens dela a montante foram “descaracterizados”. Também não diz qual o percentual da produção dela em MG está sendo beneficiado a seco. Juntar Carajás e MG no mesmo bolo, propicia grande manipulação estatística. Porque no Pará, devido ao teor de pureza, é quase 100% a seco. Em MG é outra coisa. Deveriam parar de falar que descaracterizaram x% das barragens, mas dizer quantos % dos rejeitos não mais ameaçam as populações e natureza a jusante.

    1. Itabira, infelizmene, ainda não acordou para esse problema. O Codema, por exemplo, em dezembro deste ano deliberou sobre um envio de ofício à Vale para que explique, apresente dados e responda a questionamento sobre essas pilhas a seco que estão sendo instaladas ao redor da cidade, onde já existem as maiores barragens de rejeitos do país, inclusive Itabiruçu, que foi alteada mesmo depois dos acidentes criminosos de Mariana e Brumadinho. Questionada na runião do órgão ambiental municípal nesta sexta-feira (31), funcionários da Secretaria de Meio Ambiente responderam que a correspondência não foi enviada à empresa devido às festas de fim de ano, simplesmente “esqueceram” de enviar. Infelizmente, prevalece em Itabira o que Drummond um dia escreveu: “Penso às vezes, cruamente, que o itabirano vendeu a sua alma à Companhia Vale do Rio Doce”, a gulosa, como o poeta a tratava, além de amarga. É o que prevalece aqui na cidade desde 1942, quando tudo começou com a exploração de minério de ferro em larga escala.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *