A pandemia de Coronavírus (Covid-19) e o pandemônio na economia internacional
Por José Eustáquio Diniz Alves*
“Historicamente, as tragédias às vezes levaram a mudanças importantes. Os mercados em que os animais vivos são vendidos e abatidos devem ser proibidos não apenas na China, mas em todo o mundo” (Peter Singer e Paola Cavalieri (02/03/2020)
[EcoDebate] O mundo está de ponta-cabeça. A pandemia subindo e a economia internacional caindo. O número de mortes pelo coronavírus bateu o recorde de alta no dia 08 de março e os mercados financeiros e o preço do petróleo apresentaram recordes de baixa na segunda-feira, dia 09 de março.
Um minúsculo vírus mudou o eixo da economia internacional, que já não estava muito sã. O ano de 2020 começou com a epidemia de Coronavírus na China e o surto da nova doença que parecia um fantasma, se materializou em uma ameaça global sem precedentes.
O denominado Covid-19 está ligado às práticas alimentares existentes nos chamados “mercados úmidos”. A partir do Mercado Huanan, o vírus se espalhou rapidamente na cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, na China central.
Em pouco tempo, até o início de março, o número de pessoas infectadas ultrapassou 80 mil e o número de mortes ultrapassou 3 mil fatalidades no país asiático.
A partir da segunda metade de fevereiro, o ritmo as novas infecções e as novas mortes diminuíram na China, mas aumentaram no resto do mundo. O dia 8 de março de 2020 bateu o recorde de mortes provocadas pelo coronavírus.
É claro que a situação atual é bem diferente da Gripe Espanhola, que ocorreu em 1918, durou apenas alguns meses, mas matou entre 50 e 100 milhões de pessoas em todo o mundo (quando a população mundial era menos de 2 bilhões de habitantes).
Os níveis de conhecimentos médicos e a capacidade de governança em um quadro de emergência é hoje em dia muitas vezes superior do que na época do fim da Primeira Guerra Mundial. Mesmo considerando as diferenças de tempo e dimensão, a crise atual é séria e não está claro como será o seu desenrolar ao longo do ano. Mas o pânico está crescendo.
Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) não tenha identificado (ainda) o surto de coronavírus como uma situação de pandemia (existe uma hesitação e uma demora da OMS), os números mostram que a difusão do Covid-19 e seus efeitos configuram uma ameaça concreta à saúde da população mundial (e também uma ameaça à economia, como veremos mais à frente).
Já são mais de 104 países e territórios (e dois navios de cruzeiro) atingidos pela doença que já infectou cerca de 110 mil pessoas e matou mais de 3.800 infectados, conforme o gráfico acima.
O surto de coronavírus já é muitas vezes maior do que o surto de SARS (Síndrome respiratória aguda grave) que adoeceu 8.098 pessoas e matou 774 antes de ser contida. Além do mais o impacto na economia real é muito maior.
O epicentro da pandemia está na China que já contabiliza mais de 80 mil casos e mais de 3 mil mortes. Mas depois de um crescimento exponencial em janeiro e fevereiro, houve medidas drásticas de quarentena e a China conseguiu reduzir e estabilizar o número de novos infectados e novas mortes.
Mas o drama continua como no caso do hotel usado para quarentena de coronavírus que desabou e matou mais de 10 pessoas. O número de casos baixou da casa dos milhares em fevereiro (cerca de 3 mil em média), para a casa das dezenas no início de março. E o número de mortes saiu da casa de centenas para dezenas no mesmo período.
Porém, após a desaceleração na China, o número de mortes passou a subir no resto do mundo, sendo que no dia 8 de março bateu o recorde de 228 mortes no mundo, com 133 óbitos na Itália, 49 óbitos no Irã, 28 óbitos na China e o restante espalhado por mais 10 países, inclusive o Egito que apresentou a primeira morte na África por conta do coronavírus.
Este pico ocorrido no dia 8 de março é preocupante, pois representa um aumento diário de mais de 5% e indica que não se vê o controle da doença no horizonte próximo.
Na Ásia, o Covid-19 avança nos países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) – Indonésia, Filipinas, Malásia, Singapura e Tailândia, Brunei, Vietnã, Laos, Camboja e Mianmar – que possuem grande relação comercial e cultural com a China.
Mas enquanto o surto diminuiu na China e avança lentamente na ASEAN, o Covid-19 se espalhou para mais de 109 países e territórios do mundo. A Coreia do Sul encontrava-se em segundo lugar no ranking das infecções até o dia 07/03, com mais de 7 mil casos, embora apresente “apenas” 50 mortes (uma taxa de letalidade baixa).
O início da difusão do surto ocorreu especialmente entre a seita evangélica coreana Shincheonji, ou, Igreja de Jesus, o Templo do Tabernáculo do Testemunho. O fundador, Lee Man-hee chegou a pedir desculpas para a população da Coreia do Sul.
A Itália é o outro país que passa por um surto preocupante, sendo o centro da difusão da pandemia na Europa. Somente no dia 8/3 houve 1.492 casos. A Itália tem também o maior número de mortes (366 óbitos) depois da China (3.098 óbitos).
No fim de semana, o governo colocou mais de 16 milhões de italianos em quarentena. E as notificações já chegaram ao Vaticano. Vários turistas que passaram pela Itália trouxeram o Covid-19 para o Brasil e para a América Latina. A situação é crítica especialmente no norte da península italiana.
O Irã também preocupa, pois é o quarto pais com mais infectados (6.566 casos) e o terceiro em mortes (194 óbitos), sendo o país com mais alta letalidade. O início do surto de coronavírus foi confuso e pleno de desinformações.
O chefe da força-tarefa do Irã contra o coronavírus, Iraj Harirchi, foi infectado pela doença. Diversos deputados também foram atingidos pelo surto, que atingiu fortemente a cidade de Qom (popular centro teológico) e a capital Teerã.
Entre os dias 6 e 8 de março foram mais de 3 mil pessoas infectadas, com o número de mortes chegando quase a 200 e subindo rapidamente. O Irã tende a ser um dos países mais impactados pelo surto do coronavírus, pelo baixo preço do petróleo e a crise econômica internacional.
Num segundo bloco de países onde o coronavírus avança aparecem, em 8/3, na França, com 1.209 casos e 19 mortes; Alemanha com 1.040 casos (e, surpreendentemente, nenhuma morte); Espanha com 674 casos e 17 mortes; Japão com 502 casos e 41 mortes; Suíça com 337 casos e 69 mortes; Reino Unido com 273 casos e 64 mortes e Holanda com 265 casos e 77 mortes.
A situação dos EUA é preocupante, pois além de ser o 3º país mais populoso do mundo, tem relações comerciais, culturais e turísticas muito fortes com a China, a Europa e o resto do mundo, além de estar sujeito a um crescimento muito profundo e rápido do surto.
São mais de 500 casos em 33 estados. Além do mais, o presidente Donald Trump tem dado declarações populistas e desencontradas e está mais preocupado com a sua reeleição do que em salvar vidas.
No dia 8/3 os EUA ultrapassaram o Japão, tornando-se o 8º país em número de casos (550 infectados) e o 5º em número de mortes (21 óbitos), sendo que o estado de Nova Iorque declarou emergência diante do surto de Covid-19, que triplicou, em todo o país, nos últimos 3 dias.
Entre os grandes países, mesmo com números baixos até aqui, cabe destacar a Índia que já sofre com problemas de poluição do ar e com saneamento básico e que teria muitas dificuldades para lidar com um surto de coronavírus.
A quantidade de casos na ALC e na África é relativamente pequeno, mas a situação do Egito preocupa com 49 casos e uma morte. Na América do Sul, além do Brasil, se destaca o Equador e a Argentina que apresentou a primeira morte pelo coronavírus no continente.
No Brasil, o último informe do Ministério da Saúde (em 8/3) indica 25 casos, sendo 20 importados (por turistas de classe e média e alta) e 4 por transmissão local.
A maioria das notificações está em São Paulo, com 16 casos, seguido do Rio de Janeiro com 3 casos, Bahia com 2 e Alagoas, Espírito Santo, Minas Gerais e Distrito Federal com 1 caso cada. Não houve nenhuma morte até aqui.
O fato inquestionável é que o Covid-19 já representa uma pandemia que afeta a maioria dos países e tem causado uma situação de morbidade muito grande. O geneticista chinês Jin Li, da Fudan University in Shanghai, disse que o surto fora da China pode crescer 10 vezes em 19 dias (isto dá cerca de 13% ao dia).
No mês de fevereiro o número de casos globais de Covid-19 passou de 15,6 mil para 86,6 mil e o número de fatalidades passou de 304 para 2,98 mil óbitos, em 29 dias.
Isto quer dizer que o número de casos aumentou, em média, 6,3% ao dia, enquanto o número de mortes, em média, foi de 8,2% ao dia. Nos primeiros 8 dias do mês de março, o surto diminuiu o ritmo na China, mas aumentou no resto do mundo.
Numa projeção simples podemos ter um cenário da dimensão do surto no final do atual semestre. Se os casos de infecção e de morte continuarem crescendo em torno de 3,5% ao dia (como tem ocorrido na última semana) o número de casos em 30 de junho de 2020 chegaria a 5,6 milhões e o número de mortes chegaria a 193 mil.
Se o surto diminuir o ritmo para 2% ao dia, mesmo assim o número de casos chegaria a 1 milhão e o número de mortes chegaria a quase 34 mil no final de junho de 2020. Qualquer que seja o cenário, haverá um grave problema global de saúde pública.
Mas se a pandemia não for controlada e mantiver o ritmo atual até o final do ano os números ficam assustadores, podendo atingir 3,1 bilhões de pessoas até 31 de dezembro de 2020, com 108,5 milhões de mortes (no ritmo de 3,5% ao dia), ou 37,2 milhões de casos com 1,28 milhão de mortes (no ritmo de 2% ao dia), conforme mostra a tabela abaixo. Estes cenários, improváveis, se vierem a ocorrer, gerariam uma catástrofe bíblica até o final do ano.
Para além dos problemas de saúde das pessoas, também haverá um grave problema econômico, com repercussões negativas na área social (aumento do desemprego, redução da renda, conflitos políticos, etc.). O que aconteceu na China nos dois primeiros meses do ano dá uma ideia da dimensão do problema.
Evidentemente, nada disto teria acontecido se o mundo fosse vegetariano ou vegano. A China acordou para o problema dos “mercados úmidos” e está proibindo o comércio de animais selvagens.
Como disse Peter Singer e Paola Cavalieri (PS, 2/3/2020): “Historicamente, as tragédias às vezes levaram a mudanças importantes. Os mercados em que os animais vivos são vendidos e abatidos devem ser proibidos não apenas na China, mas em todo o mundo”
Para conter a propagação do coronavírus, uma das primeiras medidas adotadas pelo governo da China foi a restrição de mobilidade nas cidades que estão no centro da epidemia.
Em 23 de janeiro foram limitadas entradas e saídas de pessoas de Wuhan, onde vivem 11 milhões de habitantes, com o fechamento de estações de trem, de ônibus e do aeroporto local. A circulação de veículos privados também foi restringida.
Posteriormente, estas medidas forma ampliadas para toda a província e outras regiões. Mais de 700 milhões de chineses, quase metade da população do país, passaram a ter restrições de mobilidade ou ficaram em quarentena.
Houve fechamento de escolas e todas as atividades que envolviam aglomeração de pessoas foram canceladas. Muitas fábricas foram fechadas e – como a China é a “fábrica do mundo” – a redução da oferta de produtos afetou as cadeias globais de produção e consumo.
O resultado é uma redução do PIB (que ainda está sendo contabilizada) e uma redução de 17,2% nas exportações, segundo a Alfândega chinesa. A crise da China se irradiou para o mundo afetando, de imediato, os mercados financeiros.
Nos EUA, embora o Banco Central (FED) tenha reduzido a taxa básica de juros em 0,5 ponto, o índice Dow Jones da Bolsa de Nova Iorque caiu do máximo de 29.551,40, no dia 12/02/2020, para 25.864,78, no dia 06/03/2020, uma queda de 12,5% no período.
No Brasil, o Ibovespa, que atingiu 119,527,63, no dia 23/01 caiu para 97.996,77 no dia 6/3/2020, uma variação negativa de 18%. Neste mesmo dia, o dólar no Brasil atingiu o valor máximo da era do Real, valendo R$ 4,63.
Aumentou a fuga de capitais e o crescimento econômico que já foi baixo em 2019 (“Pibinho” de 1,1%), pode ter desempenho ainda pior em 2020, trazendo mais desesperança para os milhões de desempregados e subempregados brasileiros. O Brasil é uma potência econômica cada vez mais submergente.
A realidade é que vários países estão em situação crítica como a Itália – considerado um país frágil economicamente – está com suas atividades turísticas interrompidas, os esportes ocorrendo sem a presença das torcidas e a economia já indicando sinais de recessão.
Na Premier League, no Reino Unido, os jogadores foram proibidos de apertar as mãos no início das partidas. Na Champion League, o jogo Atalanta e Valência será realizado com portões fechados para evitar aglomeração.
O GP do Bahrein, marcado para 15/3, será, pela primeira vez, disputado com portões fechados. Diversas competições esportivas estão ameaçadas e podem ser adiadas ou canceladas. No Japão é grande a possibilidade das Olimpíadas 2020 serem adiadas, afetando o esporte e a economia em todo o mundo.
O site Bloomberg, especializado em economia, já falava em perdas de trilhões de dólares no corrente ano. Segundo a Unctad, a queda no fluxo de investimento estrangeiro pode ser de 15% no mundo.
A economia internacional pode entrar em recessão no primeiro semestre de 2020 e, se o surto de coronavírus não for controlado, a recessão pode continuar por mais tempo.
Mas, a situação internacional que já era crítica até o dia 8 de março (Dia Internacional da Mulher), ficou pior a partir da disputa entre a Rússia e a Arábia Saudita que fez o preso do petróleo cair violentamente no domingo (o preço do barril WTI chegou a ficar abaixo de US$ 30), provocando um terremoto nos mercados financeiros na segunda-feira, dia 9 de março.
Os mercados asiáticos fecharam com grande tombo na segunda-feira e os mercados europeus amanheceram em queda. Isto deve provocar um contágio com os mercados ocidentais, que teve grandes perdas ao longo desta segunda-feira caótica.
O economista Nouriel Roubini (28/2/2020) considera que estamos diante de uma crise nas dimensões da crise financeira de 2008/09 ou pior. Ele diz: “O Banco Central Europeu e o Banco do Japão já estão em território negativo. É claro que eles poderiam reduzir ainda mais as taxas de depósitos a prazo para estimular empréstimos, mas isso não ajudaria os mercados por mais do que uma semana. Essa crise é um choque de oferta que você não pode combater com política monetária ou fiscal”.
Desta forma, pode-se colocar a questão sobre o que adiantaria medidas de estímulo monetária e fiscal se as fábricas, lojas e o esporte e o turismo estão de portas fechadas ou em quarentena?
Portanto, a perspectiva imediata é de continuidade da pandemia do Covid-19 e um grande pandemônio na economia global. Os cenários são incertos, mas embora haja esperança que surja uma vacina eficaz e que o surto seja controlado no médio prazo, as próximas semanas devem ser agitadas.
Evidentemente, a turbulência atual é potencializada por mais de dez anos de perdição de superendividamento, consumo excessivo, ativos superestimados e excesso de indulgência geral. A forma como o mundo saiu da crise de 2008/09 criou as condições de gestação da crise de 2020, agravado pelo Covid-19.
Assim, se a propagação do coronavírus continuar, na proporção atual, por vários meses, os custos na saúde, na economia e nas condições de vida da população mundial serão terríveis.
O mundo poderá ter uma crise social sem precedentes se não houver um esforço coletivo e se não forem aceleradas e aprofundadas as medidas de contenção das duas doenças vitais: uma na área da saúde e outra na área da economia.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/03/2020