A resistência dos últimos heróis

O compositor Mikis Theodorakis, morto aos 96 anos, em 2 de setembro de 2021 (Foto:Orestis Panagiotou/AFP)

Veladimir Romano

Perturbações sociais sempre têm favorecido golpes, alimentando conflitos civis. E, nem sempre a maturidade política ou ideologias reformistas conseguem sustentar níveis civilizados onde seja o debate alimentador das razões em jogo junto com princípios e valores humanos.

As revoltas chegam, acontecem destruindo instituições, economia, vidas, traumas que ficam. Tanto quanto heróis são o relâmpago no deserto preparando a tempestade.

Não podemos deixar de lembrar aqui na hora da partida terrena dois personagens de grande peso distanciados pela geografia mas julgando as mesmas ideias, crer e coragem. Históricos, resistentes, combativos, justiceiros numa época destrutiva, loucamente obcecados por valores demoníacos procurando dominar o mundo, selecionando ideologia de raça.

Como infelizmente no presente, das diretivas nazis aos vários tipos fascistas ocupando o palco social como a Grécia, Itália, Espanha e Portugal. São nações prisioneiras desse formato derrotista, que também se transformaram em sabotadores das liberdades e do progresso.

Para quanto desmando, decisões destemidas e entrega corajosa, a memória recorda agora esses nomes que nos marcam igualmente nossa existência. Alguns deles:

Mikis Theodorakis (1925-2021), maestro dinâmico e compositor famoso, nunca deixou de ser político logo na sua juventude, alinhando com a Resistência Grega contra a ocupação Nazi.

O grande maestro compôs musicais inesquecíveis como o tema do igualmente clássico do cinema: “Zorba o Grego”, “Serpico” (1980), entre outras mais.

Recebeu o também Prêmio Lenin/Lenine da Paz (1982), então refugiado na Suécia fugindo dos coronéis nas diferentes fases da ditadura (1949-1955-1967 até 1974). Do seu caráter decidido fê-lo em 1943, assumir o Partido Comunista Grego seu lugar, como logo alinhou nos jovens resistentes da luta contra a ocupação alemã.

Nos anos seguintes depois de 1948 quando rebentou a guerra civil e a ditadura de Tsaldaris e Sophoulus [direita neofascista] que durou até 1950, sofreu perseguições, ficou protegido na Escandinávia onde foi maestro da Orquestra Sinfônica de Estocolmo.

Com a derrota dos coronéis e respectiva adesão da Grécia ao Mercado Comum Europeu, Mikis Theodorakis voltou e não esqueceu o seu papel na cidadania da Grécia democrática. Este mês de setembro, marca o seu derradeiro suspiro de grande combatente pelo mundo melhor com o qual muitos sonham.

Carlos Costa, dirigente do Partido Comunista Português, morto aos 93 anos em 6 de setembro de 2021 (Foto: PCP)

Em Portugal, contra a tirania fascista, o nome de Carlos Costa (1925-2021), último resistente e militante do Partido Comunista Português, não deixa de manifestar elevado valor, esquecendo a sua própria vida para embarcar numa luta sem reserva pela liberdade.

Preso no Forte de Peniche, foi parte essencial da famosa e tão espetacular fuga de nove companheiros na noite, já feita madrugada do dia 3 de janeiro, entrada do ano de 1960, liderados pelo grupo do Comité Central [Álvaro Cunhal].

Temerários, inteligentes, bons estrategistas, criativos, organizando ações clandestinas com sucesso, ainda que infiltrados do Regime, puderam causar estragos nos regimes autoritários que combateram. A, luta vista nesta longa distância temporal, distinta, heroica, com rigor contra o sistema do Estado repressivo, são lições que ilustram onde andam os valores existenciais, a coragem determinante que muda tudo, consciência lúcida que anda faltando ainda hoje em pleno século XXI.

Esses dois heróis, de nacionalidades diferentes, mostram o caminho quando se combate ainda esses manifesto regimes retrógrados desejando abafar direitos, golpeando em vários lados do planeta a Liberdade, o Progresso e a Paz.

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano

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