Memórias de Santa Maria – Histórias de um certo Francisco…

Vista de Santa Maria no início do século XX, extraída do livro Santa Maria de Itabira: na lavra do tempo, de Joana D’Arc Torres de Assis

Foto: Raimundo Alves Pinto

Por Joana d’Arc Torres de Assis

Em um almanaque Bristol de 1891, que pertenceu a Francisco de Assis Gonçalves, uma reflexão nos diz: “Nada há maior que o tempo, porque é medida da eternidade; não há, porém, coisa menor, porque nos falta para a realização de muitos projetos. Faz-nos esquecer o que é digno de esquecimento; e imortaliza os grandes feitos.”

Francisco de Assis Gonçalves

Em 31 de dezembro de 1943, quando se tornou município pela Lei 1.058, Santa Maria de Itabira já guardava mais de um século de sua própria história.

Dela pudemos tomar algum conhecimento no acervo de um homem santa-mariense: Francisco de Assis Gonçalves, o Cotta.

Comerciante, fazendeiro, rábula, demonstrou seu amor pela terra conectando-a comercialmente com a capital do estado e a do país, entre outras cidades, fato de suma relevância, principalmente naquela época.

Proprietário da Fazenda dos Borges possuía na sede distrital de Santa Maria de Itabira, três prédios. Isto comprovam as guias de impostos pagos à coletoria municipal de Itabira, onde outros imóveis ele possuiu.

Raridade

Um pequeno caderno de anotações da década de 30 (século passado) usado por seu pai é o documento mais antigo que descobrimos nesse acervo citado. Estas notas se referem a viagem de empregados, levando tropa a Sabará com carregamento de café.

Firma comercial

Por volta de 1860, começa a atuação de Francisco de Assis Gonçalves. Com o irmão Pio Gonçalves e Irmão. Mas sempre foi Cotta que a dirigiu. A Pio cabiam as viagens à corte para as negociações de cunho pessoal.

Depois de alguns anos, Pio se transferiu para Diamantina, tendo antes estado por uns tempos no Rio. A firma Pio Gonçalves e Irmão manteve um comércio intenso com toda a região (Itabira, Ferros, Mesquita, São Sebastião, São José da Lagoa, etc…). Cotta recebia, em diversos períodos, cartões até semanais com os pregões correntes do mercado de café. Tudo era endereçado diretamente a Santa Maria de Itabira, apesar de sua condição de distrito.

“A Primavera”

O sobrado que chamamos “pensão do seu Jota” pertenceu ao seu Cotta. Esta rima aqui está para nos contar que ali funcionava a primeira loja de qualidade em Santa Maria de Itabira: “A Primavera”. Num balancete anual dela, verifica-se a existência de uma grande mesa de 12 cadeiras austríacas, para uso de seu Cotta e seus clientes nas conversações que travam.

O estabelecimento mantinha várias linhas de produtos, incluindo tecidos, roupas feitas, modas, objetos de escritório, relógios de algibeira, louças, molhados, arreios, etc.

Um tropeiro do Borges

Alberto Pinto, até há pouco tempo vivendo entre nós, a partir de 1920 trabalhou na fazenda do Borges. Numa reportagem que publicamos no Estado de Minas em 1984, assim ele nos falava: “Com 14 anos, fui pro Borges, fazenda do seu Cotta. Tudo o que eu fazia, a garruchinha tava aí”.

“Sô Cotta chamava a gente de sinhô: Ô moço, quando sinhô fô pro mato, pode levar a garruchinha… Aqui no terreiro, pode ficar com ela guardada. Se acontecer alguma coisa, tô do seu lado”.

Tudo com ele era no direto. Com aquela saúde boa, nunca ficava quieto: Falava: “Vai no bananal, corta o cacho de vez. Dá uma vistoria. E embandéra tudo no beco.”

Tropas e ranchos
Gazeta de Notícias, 24/4/1876

Foi também Alberto Pinto que nos forneceu a relação dos nomes de ranchos de Santa Maria de Itabira até Santa Bárbara, onde eram feitos todos os embarques de café depois que a estrada de ferro passou a fazer a ligação com o Rio de Janeiro. Eram eles: Gaspar, Água Santa, Alto do Pereira (Itabira), Bateias, São Gonçalo e Padre Pena, quando então se chegava a Santa Barbara.

Rábula

Evaristo de Moraes (1871-1939), rábula e tribuno da República (Reprodução/Acervo: MCS)

Inventários importantes, como o da baronesa d’Assis e João Monlevade entre outros; a negociação das minas da Conceição (Itabira); os ingleses da Itabira Iron, assim como parte da mina de Morro Velho (Nova Lima); demandas, partilhas e outros acertos entre pessoas estiveram sob a responsabilidade e o bom senso de Francisco de Assis Gonçalves.

Negócios com o inventor do Jogo do Bicho 
João Batista Viana Drummond o Barão de Drummond (1825-1897), nascido em São José da Lagoa, hoje Nova Era-MG (Foto: Acervo MCS)

Antes de promover o famoso leilão de animais de seu zoológico particular, fato que originou a criação do jogo do bicho, o itabirano barão de Drummond (então radicado no Rio), cedeu a Pio e Cotta porcos brancos ingleses.

Grande loteria da corte

O bilhete 012644 da terceira grande loteria da corte, ano de 1884, foi comprado pelo seu Cotta por cinco mil réis. Se não foi premiado, nem por isso deixa de ter o seu valor histórico, como uma retrospectiva de um então distrito de Itabira.

Veículos informativos
Gazeta de Noticias, 12 de novembro de 1918,  foi o primeiro jornal brasileiro a instalar uma rotativa (Reprodução/MCS)  

Algumas senhoras da localidade faziam suas assinaturas de jornais com o Cotta, o único representante da área.

Eram: o Correio de Itabira, O Tempo, também de Itabira, A Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro e outros.

Vanguarda 

Francisco de Assis Gonçalves possuiu uma máquina impressora de papeis e arquivava toda a movimentação deste com máxima organização. Usava um borrador, uma brochura com folhas de papel de seda, sobre o qual deixava cópia com papel carbono de toda correspondência que redigia e enviava.

Mais tarde, anotava naquela página a data do recebimento da resposta.

Por outro lado, na correspondência recebida, anotava a data de sua própria resposta.

Correspondência estrangeira 

Inglaterra, Estados Unidos, França, faziam parte de ligações de Francisco de Assis Gonçalves em sua correspondência.

Ora uma encomenda, ora uma consulta.

Citamos um exemplo: sofrendo de uma hérnia, e buscando o tratamento mais avançado, consultou o dr. A. Claverie, de Paris, membro da Associação Francesa  para o Progresso da Ciência.

Dele recebeu a edição em espanhol de um pequeno livro de sua autoria: La Hérnia. Com ilustrações minuciosas, esclarece sobre os diversos casos do problema e qual cinta era adequada ao seu tratamento.

Políticos

Recebia mensagens de vários de renome estadual e/ou nacional. Pediam apoio para candidaturas ou prestavam informações sobre projetos de interesse do lugar: abertura de estradas, incentivos à lavoura etc.

Um símbolo

Tão múltiplos foram os campos de realização desse santa-mariense, que se dispõe em símbolos firmes para nós outros, cidadãos de todos os gostos e profissões deste município cinquentão.

Divisão incomum, em sua pujança comercial, prenunciou este leque de empresários bem sucedidos a partir de Santa Maria de Itabira.

Devido à premência do tempo para a elaboração deste registro, peço desculpas à aquele com quem me colocar faltosa por não o citar entre estes seguintes maiores empresários a nivel estadual ou também nacional.

José Procópio Duarte, “Jacrilu”, Dely Procópio Neto e Irmãos: “Lojão das Fábricas”, Robésio de Alvarenga Duarte, Osmar Pires, Joaquim de Alvarenga Bretas, e as duas grandes redes de supermercados “Araújo” e “Bretas”, ambas colocadas entre as oito primeiras de Minas e muito bem classificadas igualmente a nivel nacional.

Torna-se um aspecto positivo a mais a oportunidade de emprego que tem dado estes empresários a seus jovens conterrâneos, promovendo-os.

[Jornal Santa Maria de Itabira. Edição histórica. 50 anos. 23 de abril de 1994. Editores: Marcelo Procópio, Marcelo Freitas e Carlos Cruz – Pesquisa: Cristina Silveira]

 

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