Água do rio Tanque só deve jorrar nas torneiras de Itabira em 2026, diz promotora

Trecho do rio Tanque onde vai ocorrer a captação tem mata ciliar raquítica e áreas descobertas assoream o seu leito. Revitalização já!

Foto: Reprodução/
Aecom Engenharia

Por Carlos Cruz

Embora o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) tenha feito gestão visando antecipar para 2024 o cronograma de construção da adutora, emissário e uma nova estação para o tratamento da água do rio Tanque, dada a urgente necessidade de equacionar o eterno problema de escassez desse recurso na cidade de Itabira, só em 2026 o projeto de transposição deve ser concluído.

Segundo a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, essa é a data prevista para a conclusão das obras necessárias para o cumprimento integral do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado pela mineradora Vale com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em agosto de 2020.

“A Vale nos disse, em abril do ano passado, que não teria como executar as obras no prazo requerido pelo prefeito, daí que prevalece o cronograma inicial”, disse à reportagem deste site a Curadora do Meio Ambiente na Comarca de Itabira.

A representante do MPMG preside o inquérito instaurado para que a Vale cumpra o que dispõe a condicionante 12 da Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira, referente ao abastecimento público em Itabira não somente apresentando o projeto de captação, mas também arcando com os seus custos.

É que a cidade de Itabira perdeu para a mineração as fontes de água que existiam na encosta da Serra do Esmeril, assim como dos aquíferos. Atualmente, a Vale, detém o quase monopólio das outorgas na cidade.

A mineradora deveria ter arcado com o custo da transposição desde o ano 2000, quando as condcionantes foram aprovadas pelo órgão ambiental estadual. Mas não o fez, sob o argumento de que a sua obrigação era apresentar o projeto de captação e não a sua execução.

Esse argumento foi aceito pela administração passada, que aprovou e sancionou lei para que fosse licitada a obra que seria executada por meio de uma parceria público-privada.

Outro argumento protelatório, apresentado no passado pela mineradora em reuniões com a Prefeitura e o Serviço Autonômo de Água e Esgoto (Saae), e publicado em seu informativo Vale Notícias, foi o de que não haveria necessidade dessa transposição, uma vez que sobrariam águas dos aquíferos Cauê e Piracicaba após a exaustão das Minas do Meio para abastecer a cidade, o que não aconteceu.

As cavas exauridas estão recebendo rejeitos e material estéril, o que inviabiliza o acesso a esses recursos hídricos subterrâneos.

Giuliana Fonoff, promotora de Justiça, entende que a Vale tem responsabilidade pela escassez de água em Itabira e propôs o TAC do Rio Tanque (Foto: Carlos Cruz)

Reforço no abastecimento

Enquanto a transposição não é concluída com a água do rio Tanque chegando a Itabira, em um volume de 600 litros por segundo (l/s), a Vale está obrigada a fornecer 160 l/s para reforçar os sistemas de tratamento e distribuição na cidade.

Trata-se de uma das duas obrigações de fazer estabelecidas no mesmo TAC – a outra é concluir as obras necessárias para a transposição do rio Tanque, incluindo a construção de uma nova ETA.

Com a transposição concluída, o TAC prevê a utilização do excedente de água pelas operações da Vale, o que deve ser de 400 l/s, inicialmente, uma vez que a demanda da cidade é por um acréscimo de 200 l/s

“Enquanto a Vale estiver utilizando dessa água, a empresa arcará com o custo energético. O Saae só assume esse custo quando estiver utilizando toda a água captada do rio Tanque de 600l/s”, esclarece a promotora.

Prazos

“Juntamente com a Aecom (empresa de consultoria do MPMG), entendemos que a antecipação de prazo pretendida pelo prefeito não é exequível, por se tratar de uma obra complexa”, disse a promotora, que enumera a questão da licença ambiental pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) para o prazo estipulado, assim como também alguns “gargalos” inerentes à passagem da adutora em propriedades particulares.

“A maioria das negociações com proprietários por onde vai passar a adutora já está resolvida, mas um ou outro caso pode ser judicializado se não houver um acordo consensual”, informa a promotora.

Outra questão já resolvida é a necessidade de se dispor na região da captação de energia elétrica pelo sistema trifásico para fazer o bombeamento da água até a cidade. Isso também já está resolvido, conforme respondeu a Cemig, que diz dispor desse sistema na localidade.

Outorgas

Com a disposição de rejeitos sobre o aquífero em cavas exauridas das Minas do Meio, a Vale inviabiliza o uso futuro desse manancial para o abastecimeto na cidade (Foto: Carlos Cruz)

A alternativa de captação de água do rio Tanque para solucionar de vez a escassez hídrica na cidade foi apresentada como solução pela administração passada, com o projeto de parceria público-privada (PPP), cujo investimento seria pago pelo consumidor com o aumento entre 25% a 30% nas tarifas cobradas pelo Saae.

“Essa captação foi tratada em uma condicionante da licença ambiental de 2000, mas a Vale entendeu que a obrigação seria apenas apresentar o projeto de captação para a Prefeitura. Isso ela fez e o órgão ambiental considerou que a condicionante havia sido cumprida”, relembra a promotora.

Com os trágicos rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, quando a mineradora foi proibida de dispor rejeitos na barragem Itabiruçu, e em outras estruturas similares, a toque de caixa a Vale obteve licença ambiental para depositar esse material nas cavas exauridas das Minas do Meio, o que ocorreu sem sequer buscar a anuência do município, por meio do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Codema).

Com isso, ficou inviabilizada a promessa do “legado da mineração”, que viria a ser o acesso às águas dos aquíferos, com o qual, caso se concretizasse, não haveria a necessidade de captar água do rio Tanque. Foi com esse argumento protelatório que a Vale sempre empurrou pra frente a alternativa do rio Tanque.

“Com essas informações, inclusive com o material que nos foi passado (pela reportagem deste site, sobre esse legado do acesso à água dos aquíferos, com informações publicadas no jornal Vale Notícas, house-organ da mineradora), e também com base no Código das Águas, que prioriza as outorgas para o abastecimento humano, entendemos que a obrigação da Vale não era somente apresentar o projeto de captação da água do rio Tanque, mas também arcar com a sua execução”, recorda a representante do MPMG.

É que em Itabira ocorre uma inversão das prioridades estabelecidas pelo Decreto Federal 24.643, de 10 de julho de 1934 (Código das Águas), ainda em vigor.

“Entendemos que o abastecimento urbano é prioridade para as outorgas e em Itabira a empresa estava conseguindo essas outorgas para o seu uso mais facilmente que o Saae para o abastecimento público, uma inversão de prioridades”, ressalta a promotora.

Outra questão levantada pela representante do MPMG, e que pesou também para a efetivação do TAC, foi a inviabilidade de se captar água da barragem de Santana para suprir a duplicada ETA Gatos.

Isso pelo fato da água dessa barragem estar com excesso de manganês, o que inviabilizou o aumento considerável da capacidade de produção hídrica naquela estação para distribuição na cidade. Atualmente, a barragem está com a sua lâmina d’água em nível mais baixo desde a sua instalação, em meados da década de 1970.

O pedido de licenciamento do projeto de transposição já foi encaminhado pela Vale aos órgãos ambientais estaduais. “A Vale é responsável pelo licenciamento e pela execução das obras, é ela que vai tocar o empreendimento para depois passar para o Saae”, salienta o secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott.

Vale responde

“A Vale vem aprimorando, nos últimos anos, sua contribuição ao sistema de fornecimento de água de Itabira, em virtude do termo de compromisso firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) com o objetivo de cessar os problemas hídricos de Itabira.

O Projeto Rio Tanque faz parte dessa contribuição e, pela complexidade técnica, não é possível antecipar a sua implantação, que está prevista para 2026, conforme cronograma inicial já acordado com o MPMG.

A Vale reforça seu compromisso com a comunidade e transparência em suas operações.”

Para saber mais, leia:

Vale reconhece parte da dívida da água com Itabira e assume o custo da transposição do rio Tanque

Vale já assina TAC do rio Tanque, mas ainda é preciso obter outorga e licença ambiental para a transposição

O que faz a Vale arcar, após anos de reivindicação, com os custos da captação, adução e tratamento da água do rio Tanque

Vai sobrar água em Itabira com o fim das minas, prometeu a mineradora Vale, que já não quer tratar desse legado

Deu no jornal Vale Notícias: Não vai faltar água em Itabira – Investimentos no abastecimento público

Vale é autorizada a depositar rejeitos nas Minas do Meio, mas não explica como irá garantir o acesso às águas dos aquíferos

Com a disposição de rejeitos nas Minas do Meio, Itabira pode perder o legado das águas dos aquíferos  

Vale deve assegurar, por todos os meios, que não irá contaminar água do aquífero com rejeitos de minério, diz promotora

Com a crise hídrica há muito anunciada e sem precedente, Itabira pede urgência no licenciamento ambiental da transposição de água do rio Tanque

Posts Similares

1 Comentário

  1. Meu saudoso pai dizia que a água do Ribeirão de São José vem por gravidade até chegar na ETA Gatos. Também dizia que após o Laboriaux tem água que vem do Engenho, Fazenda Cachoeira, tem ribeirão do lado direito e esquerdo do Rio de Peixe que poderia ser aproveitado para suprir a demanda nessa cidade. Por que depender de uma só fonte, no caso o rio Tanque? E se essa fonte também secar? Com a palavra o SAAE de Itabira.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *