Moradora vizinha do Pontal diz que Vale já explora rejeitos em Itabira, mas mineradora nega. Matéria aguarda portaria da ANM

Carlos Cruz

A aposentada Maria Inês Alvarenga disse em recente reunião com o prefeito Marco Antônio Lage (PSB), equipe e moradores, que a mineradora Vale já está reprocessando rejeitos da barragem do Pontal com fins econômicos – e também para o descomissionamento (descaracterização com reabilitação ambiental) da barragem Pontal.

Como medida preventiva, a mineradora disse que será preciso remover as residências de centenas de moradores para outras localidades até meados de 2022. No local das residências será construído um grande muro com tubos metálicos fixados no solo, conectados por chapas soldadas em aço.

A empresa sustenta que a medida é para conter eventual lama de rejeitos no caso de rompimento, em decorrência da movimentação de máquinas usadas para o serviço de descaracterização do dique do Minervino e do cordão Nova Vista.

“A gente sabe que a Vale está tirando minério. Eu trabalhei no projeto de recuperação do minério do Pontal, digitava os dados. Sei que é viável retirar esse minério para vender. Basta fazer um tipo de beneficiamento diferente e isso ela já está fazendo”, afirmou a aposentada da mineradora.

Em reunião com o prefeito Marco Antônio Lage, a moradora Maria Inês Alvarenga disse que a Vale já explora rejeitos do Pontal (Imagem: Átila Lemos). No destaque, a grota do Minervino e o cordão Nova Vista: Vale nega que esteja beneficiando rejeitos em Itabira (Foto: Carlos Cruz)

Sem exploração econômica  

Procurada pela reportagem, por meio de sua assessoria de imprensa a Vale respondeu que não há reaproveitamento do material disposto nas estruturas que compõem o sistema Pontal, que “não recebe rejeitos e nem descarga da usina Cauê desde abril de 2019”.

Diz que a movimentação de equipamentos na área é para cumprir o Plano de Descaracterização, divulgado em 2019, que vem sendo acompanhado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pela empresa Aecom, de auditoria independente indicada pela promotoria de justiça.

E que busca “a forma mais tranquila e segura de cumprir a exigência legal no processo de descaracterização das estruturas construídas pelo método a montante do Sistema Pontal.” Assegura ainda que o dique Rio de Peixe foi descaracterizado em 2020 e não houve reaproveitamento de rejeito.

A empresa foi questionada também pela reportagem se já possui autorização de lavra desse material. Isso por haver disputa nesse sentido na justiça, sendo que a ANM está para editar portaria que reconhece os rejeitos depositados em barragens – e também os materiais estéril dispostos em pilhas como sendo produtos da lavra, portanto, propriedade da mineradora.

Para a Vale, essa pendência está para ser resolvida por meio de portaria a ser editada pela Agência Nacional de Mineração (ANM). “Os rejeitos gerados no beneficiamento pertencem ao empreendedor que os gerou, conforme já é reconhecido pela ANM”, sustenta.

“A minuta de resolução, que permanece em discussão, tem como objetivo simplificar o aproveitamento de rejeitos e do material estéril. O aproveitamento do minério pela Vale está devidamente respaldado pelo título minerário que deu origem a tais materiais”, assegurou a mineradora Vale, em resposta a este site.

Mas para isso, a empresa espera contar com a segurança jurídica que terá assim que estiver aprovada a resolução normativa 04/20, da ANM, a que diz pertencer ao minerador, como produto da lavra, os rejeitos depositados nas barragens – e também o material estéril disposto em pilhas.

A decisão parece óbvia, mas não é, como se observa com o litígio travado entre a Vale e a empresa Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral sobre o direito de exploração de parte dos rejeitos de minério de ferro contidos na barragem Itabiruçu – e também em uma pilha de estéril com itabirito compacto na mina de Conceição.

Cochilo

No caso dos rejeitos, ocorreu que, por um cochilo da Vale, a empresa Itabiriçu obteve junto ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) alvará, por meio de licitação, para pesquisar minério de ferro em área de 480,87 hectares na barragem Itabiruçu.

A Vale entrou com uma ação anulatória do alvará obtido pela Itabiriçu, para impedir a realização de pesquisas e prospecções geológicas na parte concedida na barragem.

De acordo com o geólogo Everaldo Gonçalves, um dos proprietários da Itabiriçu, esse material teria sido descartado pelo minerador como não tendo valor econômico, conforme a própria mineradora teria declarado ao DNPM. E que por isso retornou como parte do subsolo, portanto, sob o domínio da União. Leia também aqui e aqui.

Mariana Dalla Costa, da ANM, diz que a portaria vai reconhecer os rejeitos e material estéril como produto da lavra pertencente ao minerador (Foto: Reprodução/Insight).

O litígio ainda continua na justiça, como também é aguardada a publicação de resolução da ANM, que considera esses materiais como produtos da lavra.

A sua publicação estava prevista para abril deste ano. Mas a Itabiriçu entrou com mandado de segurança, suspendendo a sua edição.

De acordo com o que explicou a gerente de Economia Mineral da ANM, Mariana Dalla Costa, numa live da Insight, que promoveu debate sobre o tema, a partir da publicação da portaria não será necessário ao empreendedor requerer novo título mineral para a futura exploração desse material.

“É um direito do titular, como produto da lavra”, sustentou, referindo-se ao que está sendo definido com a futura resolução normativa. Dalla Costa coordena o projeto de Aproveitamento de Estéril e Rejeitos, da Agenda Regulatória 2020/21, da ANM.

Com a resolução normativa, a Vale espera pôr fim ao litígio com a Itabiriçu, mesmo com ela detendo alvará de pesquisa em área da barragem do Itabiruçu. A pesquisa ainda não foi realizada por não ter acesso ao local, não autorizado pela Vale. É outro litígio que corre, nesse caso, na Comarca de Itabira. Leia aqui e aqui.

Sub judice

Everaldo Gonçalves, da Itabiriçu sustenta que “matéria constitucional não se muda com portaria.” (Foto: Reprodução)

O geólogo Everaldo Gonçalves assegura que a questão não está pacificada.

“O aproveitamento mineral, seja de minério in situ ou de jazida artificial, antropogênica, que é aquela gerada pela atividade humana, por mim definida e adotada na literatura, exige que a reserva esteja reconhecida e averbada no título mineral do minerador. Quando o descarte ocorre dentro do título mineral de origem na forma de estéril e ou rejeito, pode ser pesquisado e incorporado na reserva mineral e assim ampliar a vida da mina.”

Porém, segundo ele, não são esses os casos dos rejeitos e da pilhas de estéril da Vale em Itabira.

“Descartados fora da poligonal do título mineral, uma vez que o limite da propriedade mineral é a vertical dos lados, não pode haver superposição, nem dois corpos podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Sendo assim, o descarte que possa virar minério é do detentor do título mineral da área”, é o que ele defende, com um dos proprietários da Nacional Pesquisa Mineral.

“A consulta pública da ANM está sub judice por um Mandado de Segurança impetrado pela Itabiriçu. Em suma, é fato normal no campo do Direito a Vale discutir a propriedade do descarte, mas ela não deveria extrair minério fora da sua propriedade mineral e sem cobertura legal e fiscal”, acusa. A Vale nega que esteja, ainda, explorando economicamente esse material.

Pelo mandado de segurança, a Itabiriçu pede a nulidade da consulta pública 04/20, assim como da edição de nova portaria pela ANM. “A matéria fere a Constituição e só pode ser tratada por lei, sem o efeito retroativo que se pretende dar. Aguardamos a decisão da justiça”, é o que vem sustentando Everaldo Gonçalves.

 

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