Zé Cruz, 93, marceneiro e luthier itabirano, foi tocar viola no céu

No destaque, Zé Cruz em sua lutheria, em 2019, quando ainda fabricava as suas violas de dez cordas

Carlos Cruz

O marceneiro e luthier José Martins Cruz, 93 anos, faleceu na manhã deste sábado (7), no hospital Nossa Senhora das Dores. Deixa um legado de cidadão íntegro e honrado – e seis filhos: Eduardo, este que escreve e assina o obituário, Luiz Cássio, Gilmar, Mariângela e Anna Beatriz.

Conhecido marceneiro na cidade, Zé Cruz se destacou na arte de talhar a madeira fabricando móveis sob encomenda, além de se tornar um exímio luthier. Fabricava violões e violas, arte que ele aprendeu sozinho, na década de 1980. Manteve-se no ofício mesmo depois de aposentado, trabalhando até recentemente em sua oficina.

Com a filha Anna Beatriz na igreja Nossa Senhora da Conceição , em Ipoema (Fotos: Carlos Cruz)

O marceneiro itabirano foi também autor de algumas obras de arte em Itabira. É de sua autoria, por exemplo, o altar da Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Ipoema, fabricado sob encomenda do padre João, inaugurado em 1957.

Outra obra religiosa importante foi o restauro do altar da igreja Nossa Senhora da Saúde, em 1979. Antes, ainda como empregado da Vale, em 1944, ele participou da primeira reforma de seu altar.

“Como na primeira reforma a madeira não foi imunizada, os cupins tomaram conta. A pedido do padre César, refiz o altar no seu formato original. Só aproveitei poucas peças”, ele recordou em reportagem publicada neste site.

Já aposentado, como passatempo, passou a construir réplicas dos altares da igreja da Saúde e de Nossa Senhora da Conceição para presentear amigas e amigos devotos.

Marceneiro doa réplica de altar da igreja Nossa Senhora da Saúde para o seu pároco

Trajetória

Zé Cruz na igreja da Saúde. Ao fundo, o altar que por ele foi restaurado

Nascido na fazenda Barbosa, em Itabira, em 3 de outubro de 1927, José Martins Cruz aprendeu com a vida que nada se consegue sem esforço, disciplina, dedicação e trabalho.

Zé Cruz com a neta Carolina, as bisnetas Elisa e Maria, e padre Flávio Assis, a quem doou uma réplica que mistura os altares da igreja Saúde e de Nossa Senhora da Conceição

Foi o bastante para torná-lo um empreendedor de sucesso e um memorialista itabirano, atento à realidade do município, como demonstrou em recente depoimento ao professor e documentarista Júlio Mengueles.

Foi quando ele lembrou, em tom de cobrança, da promessa do então presidente da Vale Israel Pinheiro, nunca cumprida, de se instalar uma usina siderúrgica em Itabira para beneficiar o minério de ferro e assim agregar valor à principal riqueza mineral de Itabira.

Assista aqui o documentário Itabira Cidade Mineradora com o seu depoimento.

Para o mesmo professor, ele explicou como é a arte do luthier, no programa Prosa MusicalZé Cruz, marceneiro e luthier itabirano, canta e “arranha” a viola no Prosa Musical

Autodidata

Na marcenaria, com os amigos Ismael Cabral, Joaquim Cruz (irmão) e o violeiro Renato Andrade (Foto: Eduardo Cruz)

Ainda menino, vivendo na fazenda Barbosa, ele frequentou por pouco tempo uma escola, na fazenda do Peão. Com a professora Adir Lage Linhares, a Dirote, falecida aos 103 anos, aprendeu a ler e a escrever, somar e subtrair.

Do aprendizado inicial, ainda na fazenda paterna, fez-se o profissional autodidata e multi ofícios: foi vaqueiro, queijeiro, marceneiro, carpinteiro, construtor de casas, de móveis sob encomenda e altares de igreja. E de violões e violas também.

Aprendeu sozinho, ainda na adolescência, a desenhar, projetar e construir móveis e varandas com precárias ferramentas, todas fabricadas por ele.

Na roça, para os fazendeiros vizinhos fabricou porteiras, engenhos d’água e móveis. Cuidava também da ordenha das vacas leiteiras. Fabricava queijo e rapadura, entre outras tarefas.

Ao completar 18 anos, Zé Cruz saiu pela primeira vez da roça para trabalhar na Vale, como marceneiro. Ficou empregado por pouco tempo na recém fundada estatal: um ano e dois meses. “Ajudei a montar a primeira correia transportadora de minério na mina Cauê”, ele contou em reportagem a este site.

Com o filho e também luthier Luiz Cássio: móveis em jacarandá de sua autoria

Pouco depois, convidado pelo primo José Menezes, oficial do Exército Brasileiro, em 1949 foi trabalhar em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Ficou um ano e dois meses por lá.

O seu regresso a Minas Gerais ocorreu em 1951, quando foi contratado por uma fábrica de móveis de Timóteo (Acesita), no nascente Vale do Aço. Ficou por lá pouco tempo.

Retornou a Itabira em 1952 para trabalhar na fábrica de móveis de Virgílio Andrade. Deixou o emprego em 1954 para abrir a sua marcenaria e carpintaria, incentivado pela esposa Maria de Alvarenga Bretas, também já falecida.

Pois é com tristeza, mas também com muito orgulho carregado de emoção que escrevo esse pequeno registro da história de um grande itabirano, uma homenagem póstuma ao meu pai, um ser humano sem igual, exemplo de vida que fica para os irmãos, filhos, netos, sobrinhos e para todos os que o conheceram.

Último passeio, no início deste ano, na usina Ribeirão de São José onde foi conferir como ficaram as portas e janelas restauradas pelo seu filho Gilmar Bretas. Ele aprovou

 

Posts Similares

11 Comentários

      1. Meus sentimentos a toda família , foi um prazer conhece-lo e toda com tos sua história . Irei publicsr na integra todo seu depoimento em breve . Deus o tenha . Força Carlinho !

  1. Família Cruz, meus mais sinceros e profundos sentimentos. Luiz Cássio me ajudou criar o projeto Viola na Roça. Aonde as primeiras violas foram fornecidas por ele. Tenham certeza que vai tornar o outro lado mais alegre. Abraços a todos

  2. Sei que o momento é doloroso, mas a boa história construída por José Cruz será sempre lembrada.
    Muita força para superar esta etapa da vida.
    Meus sentimentos e um grande abraço.

  3. Carlinhos, tô me informando agora do voo de Zé Cruz. Como, creio, a morte é apenas um portal para outra dimensão, não há perda definitiva. Zé Cruz foi um homem íntegro, é o que conta, trabalhador e criador. Abraço p todos.

  4. O meu amigo encantou. Encantado, sempre foi o meu amigo. O amigo está na minha cabeça, encantando a saudade dele em mim. O meu amigo José Cruz, para sempre um amigo amável e leal…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *