O “Furacão Ruivo” se despede de Portugal

Veladimir Romano*

Um dia nascemos, marcamos nosso caminho e partimos quando a Natureza entende que o veículo físico já não tem condições ou qualquer resistência. Faleceu, nessa sexta-feira (10), um dos presidentes e prefeitos mais bem sucedidos depois da reforma política portuguesa: Jorge Sampaio, aos 81 anos, em Lisboa.

Antigo líder do Partido Socialista, Sampaio foi protagonista na redemocratização portuguesa, após a Revolução dos Cravos. Nos últimos anos vinha se dedicando ao apoio e acolhimento de refugiados.

Já nos anos de 1980, a revista norte-americana Time o elogiava e previa seu futuro de sucesso.

Não foi somente sucesso, foi brilhante e, lamentavelmente, não se repetiu ao longo dos anos da sua herança bem republicana, dedicado às causas sociais. Sampaio não foi um mero político, mas um diplomata da prática política, carismático, humanista, equilibrado, sereno, entregue ao sacrifício.

Durante a ditadura portuguesa, lutou o bom combate contra o fascismo em Portugal, o que o obrigou incontáveis vezes se dirigir aos centros universitários, ao lado da juventude mobilizada nessas épocas difíceis, quando os mais determinados e corajosos se engajavam em semanas de lutas, campanha, no combates frontais pelo que o tempo nem dava para a criação estratégica deste combate.

Dúvidas nunca teve sobre o seu papel histórico. Por isso, desde a sua juventude combateu contra a polícia do Regime, Desse enfrentamento surgiu seu apelido: o “Furacão Ruivo”.

Jorge Sampaio rapidamente entendeu que reformas e liberdade são coisas que rimam com Democracia.

Daí que não perdeu tempo quando criou a Iniciativa Socialista, depois o Movimento da Esquerda Socialista [MES], figurando entre os 15 camaradas fundadores do Partido Socialista [PS]. Abrir portas para que a velha República funcionasse no seu absoluto desígnio, não foi nada fácil. Entretanto, o 25 de Abril precipitou a luta e repôs a verdade que a maioria desejava, muito mais quem já via o trilho futurista.

É então quando nasce outro Jorge Sampaio (1939-2021), secretário-geral do PS, verdadeiro idealista dos programas sociais, da transparência [dos que mais lutou], totalmente dedicado ao serviço público, respeito pela primazia das funções do Estado, homem de grande dimensão lutando por Justiça e da extensão humana pelo bem.

Não foi apenas o prefeito cuidadoso e social quando entra na casa do cidadão apenas porque um cego deseja escutar sua voz ali perto, como fazia em contato com qualquer cidadã/o que precisasse do seu calor, atenção, cuidados. A todos estendia um aperto de mão sincero, pelo quanto de amor vive na sua alma.

Por isso quando deixa a Câmara Municipal de Lisboa, o Palácio de Belém onde já foi moradia monárquica, depois alojamento das ditaduras [militar e civil], não resistiu ao processo democrático quando desta vez os militares foram reformistas contra uma guerra dividida a três capítulos: Guiné, Angola e Moçambique, eram já nações soberanas mas dominadas pelo falso entendimento dos dirigentes fascistas sonhando ainda em manter a colonização que anunciava seu fim.

Depois de 30 anos de serviço público, partidário, autárquico e político, de nota máxima, atravessando a fronteira, foi servir o mundo. Instâncias internacionais de âmbito social e humano chamaram por ele quando podia ir descansar na sua aposentadoria como fizeram alguns.

Mas ele não se susteve, avançou, fez a diferença. Já em idade avançada, voltou o “Furacão Ruivo”, não querendo desiludir aqueles que acreditando nele, saberem das diferenças positivas, de boas intuições e clareza que na prática, Jorge Sampaio podia trazer.

Ser Presidente da nação Lusa [1996-2006] não deixa ninguém indiferente tanto pelas polêmicas contra governos e governantes levados pelo aventureirismo. Com sua experiência, pensando no país e no povo, interviu de forma corajosa e determinante, ainda que alguns defendendo interesses pessoais ou de grupo, travou charadas de bastidor.

O Povo, a Nação, transparência foram as tônicas principais em sua atuação política. Foi um resistente da velha guarda. Sabia como revelar suas decisões depois de bastante pensamento, dividir com quantos se manifestassem capazes do diálogo, fugindo ou dominando prejuízos socialmente danosos.

Ainda que debilitado anunciando um corpo frágil chegando a hora da partida, deixa muita saudade pela sua verticalidade de um homem público, da maior integridade, preocupado com o seu próximo, emocionado vezes sem conta e humilde.

Foi também capaz de conhecer o esforço dos demais quando trabalhavam com empenho e dedicação, como na sua viagem presidencial até Finlândia. Foi quando, na hora do regresso, fazendo o balanço, ficou uma frase que infelizmente tanto a Imprensa portuguesa, como muitos políticos responsáveis, nunca exploraram através das necessárias análises. “Gostaria que o meu Portugal pudesse ser uma Finlândia”. Mas ficou na História.

Só grandes almas como Jorge Sampaio poderiam ambicionar um sonho deliberado num país que, nos idos 1960, tinha 50% da sua pequena população emigrada nos países vizinhos da Escandinávia. Aos poucos, aprendendo, foi crescendo e se transformou numa sociedade exemplar, reformista e progressista.

Por isso Jorge Sampaio não teve vergonha nem absurdos do patriotismo bolorento, viajando milhares de milhas para ir contar aos finlandeses como os portugueses conquistaram oceanos, cantam fados, discutem desalmadamente o futebol comendo bolinhos de bacalhau junto ao bom tinto que lhes amadurece a coragem de lutar por um país mais sério e de sucesso.

Ele partiu com vontade de ver as suas ideias colocadas em prática. Como de tudo fica um pouco, fica a lembrança do que ele representa para o povo português. Só mesmo o “Furacão Ruivo” foi capaz de tudo isso e muito mais.

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano

 

 

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