Vale rompe silêncio e volta garantir que não há risco de rompimento de barragens em Itabira
Enfim, 25 dias após o trágico rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, a Vale veio a público para apresentar os Planos de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), assim como as medidas de monitoramento para aumentar a segurança das 15 barragens de rejeitos existentes em Itabira.
Segundo informou a mineradora na reunião ordinária da Câmara Municipal, nessa terça-feira (19), uma equipe de cerca de 100 pessoas irá realizar, a partir do dia 27 deste mês, visitas às residências e aos comerciantes estabelecidos nas regiões que estão sendo chamadas de Zona de Autossalvamento (ZAS) – e que podem ser atingidas no caso de rompimento de uma dessas barragens.
As medidas e as explicações foram fornecidas pelo engenheiro geotécnico Quintiliano Guerra, especialista em segurança de barragem, e pelo gerente-geral do Complexo de Itabira e Águas Claras, Rodrigo Chaves.
A demora em dar explicações à sociedade itabirana foi criticada pelos vereadores. “O silêncio da Vale ao não responder as dúvidas sobre segurança das barragens leva à especulação e contribui para a disseminação de notícias falsas nas redes sociais”, acentuou o vereador Jovelindo de Oliveira Gomes (PTC).
Com ele concordou o vereador André Viana Madeira (Podemos), para quem a transparência e a agilidade nas respostas são imprescindíveis para tranquilizar a população.
Mesmo com as explicações apresentadas pela mineradora, Viana insistiu na proposta, já apresentada à Câmara, para que seja realizada uma auditoria independente para avaliar as condições de segurança das barragens na cidade.
“A palavra da Vale perdeu credibilidade. Quem diz isso não é o vereador e nem a população de Itabira. São os mais de 300 mortos que não podem mais falar. Uma auditoria independente é importante para que se possa corroborar os argumentos da Vale ou contrapor ao que ela nos tem assegurado”, defendeu.
Segundo Rodrigo Chaves, a mineradora pretende trazer especialistas internacionais para auditarem todas as suas barragens. “A Vale pediu autorização ao governo federal para trazer assessores de fora para aprimorar as técnicas utilizadas (para o controle, medidas de segurança e melhorias construtivas) e também para aprimorar a legislação.”
Silêncio
Um dos silêncios apontado pelo vereador Jovelindo e também pelo vereador Weverton Leandro “Vetão” Santos Andrade (PSB) diz respeito à denúncia do engenheiro Antônio Carlos Felício Lambertini, apresentada em artigo técnico publicado em parceria com a engenheira Carla Schimidt (leia aqui).
Esses consultores apontaram várias falhas estruturais, e outras adquiridas com o tempo, em todas as barragens da Vale localizadas na bacia do rio de Peixe. “Não ter uma comunicação direta com a comunidade é uma falha grave”, alfinetou o vereador Vetão.
Dois dias após a reprodução do artigo neste site Vila de Utopia, o engenheiro Lambertini deu entrevista a BandNews, quando reafirmou a sua preocupação com a segurança dessas barragens (leia também aqui).
Vetão quis saber o que a Vale fez para corrigir essas falhas, antes de dar início ao alteamento da barragem Itabiruçu, licenciada ambientalmente e já com as obras iniciadas.
“Os problemas estruturais apontados pelo engenheiro Lambertini foram corrigidos anteriormente. Ele fez a denúncia ao CREA-SP e estamos aguardando o parecer final para nos posicionar”, assegurou o gerente Rodrigo Chaves, que completou:
“O alteamento da barragem está sendo feito com a técnica mais avançada de engenharia, com um projeto bem feito e operação responsável. E o alteamento é a jusante, diferente das barragens que romperam e das que serão descomissionadas (fechadas com controle ambiental). O alteamento irá aumentar a vida útil da barragem e haverá acréscimo em seu fator de segurança”, reafirmou o gerente da Vale.
Resolução da ANM
A barragem de Conceição fica acima das instalações industriais da Vale. Segundo a ANM, as estruturas que estão abaixo da barragem terão de ser desativadas até agosto de 2023
Vetão quis saber também sobre a decisão da Agência Nacional de Mineração (ANM), que deu prazo até 15 de agosto de 2023 para que sejam desativadas todas as unidades produtivas das mineradoras que tenham barragens a montante de suas instalações (leia mais aqui).
Se efetivada a resolução da ANM, que abriu consulta pública para avaliar as suas consequências, a medida pode afetar a produção de minério em Itabira. Isso pelo fato de a barragem de Conceição se encontrar a poucos metros acima das usinas de concentração, britadores, sala de controle, oficina mecânica e escritório. “A resolução da ANM é muito recente. A Vale está analisando essa portaria e vai tomar as medidas cabíveis”, assegurou Rodrigo Chaves.
O complexo minerador de Conceição, que pode até mesmo ter a sua produção interrompida a prevalecer o que está disposto na resolução, é responsável por mais da metade da produção anual de 40 milhões de toneladas de minério em Itabira. A capacidade produtiva de todo complexo de Itabira é de 50 milhões de toneladas/ano.
“Não há como assegurar risco zero de rompimento das barragens”, disse Rodrigo Chaves
Mesmo garantindo que as barragens da Vale em Itabira são seguras e que o monitoramento foi intensificado, Rodrigo Chaves disse que não há como garantir que elas são 100% seguras, embora estejam classificadas como de baixo risco de rompimento, embora com alto dano potencial em caso de ruptura.
“Não existe risco zero, como não ocorre também em qualquer outra atividade humana. O que existe é o controle de risco, que é o que a Vale tem feito no dia a dia com maior intensidade, assim como as pessoas controlam os riscos em suas vidas.”
Foi quando o vereador André Viana fez uma advertência adicional na reunião de ontem: “A barragem de Zé Cabrito, que também fica na mina Conceição, corre risco de ruptura. E é classificada da mesma forma que a barragem que rompeu em Brumadinho.”
O vereador quis saber também se existem relatórios detalhando os danos ambientais e as perdas humanas no caso de rompimento de uma dessas barragens.
De acordo com o PAEBM, cerca de 5,2 mil domicílios (entre residências e comércio) estão em áreas que podem ser atingidas no caso de rompimento de uma das 15 barragens em Itabira. “Fizemos o censo no ano passado, o que dá entre 10 a 14 mil pessoas (que podem ser afetadas).”
Condicionante
Indagado sobre a possibilidade de remover os moradores dos bairros situados nas áreas que podem ser afetadas por um rompimento de barragem, conforme prevê a condicionante 46 da Licença de Operação Corretiva (LOC), do Distrito Ferrífero de Itabira, Rodrigo Chaves se esquivou.
“No momento não temos projeto de realocação de moradores. Quanto ao cumprimento dessa condicionante, neste momento não tenho como responder”, disse ele que, entretanto, prometeu discutir o tema com a direção da empresa para um posterior posicionamento.
A condicionante 46 da LOC dispõe sobre o Programa de Reassentamento Populacional em caso de risco iminente. Foi aprovada em 18 de maio de 2000 pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). E é uma condicionante permanente.
Chaves também não quis relacionar quais são as áreas seguras em Itabira. “Se eu fizer isso, automaticamente estarei indicando as que não são seguras. Eu me reservo no direito de não divulgar nesse momento, em respeito à individualidade das pessoas que podem ser afetadas. Esse comunicado será feito individualmente a partir do dia 27”, prometeu.
Manifestação
A reunião com o gerente da Vale foi interrompida após a manifestação contundente, e considerada desrespeitosa ao regimento interno da Câmara, de dois participantes da reunião.
Os manifestantes acusaram a Vale de cometer crime ambiental e contra a vida de mais 300 trabalhadores, moradores vizinhos e turistas, vítimas fatais do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Os manifestantes foram retirados do plenário da Câmara a pedido de seu presidente, vereador Heraldo Noronha Rodrigues (PTB). “Esta Casa é do povo, exijo respeito. Aqui não é estádio de futebol”, disse o vereador. Os manifestantes podem ser indiciados por desacato às autoridades.
O que se espera é que esse incidente não sirva de pretexto para os que não querem a realização de uma audiência pública para, mais uma vez, tratar do assunto, dessa vez com livre manifestação do público.
Na reunião de ontem na Câmara, por uma exceção aberta a pedido do vereador Reinaldo Soares de Lacerda (PHS), o público pôde fazer perguntas por escrito.
Presenças discretas
A promotora Giuliana Talamoni Fonoff, curadora de Meio Ambiente da Comarca de Itabira, acompanhou a exposição dos representantes da Vale na reunião na Câmara Municipal. Ela fez anotações durante a apresentação e se retirou assim que terminou a exposição preliminar de Rodrigo Chaves.
A promotora não acompanhou a segunda etapa da reunião, quando os vereadores fizeram perguntas e o público manifestou as suas preocupações por escrito.
Outra presença destacada na reunião foi do bispo da Diocese de Itabira/Fabriciano, dom Marco Aurélio Gabiotti. O bispo diocesano chegou sozinho à Câmara Municipal e se manteve com discrição até o fim da reunião.
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