Vale pede sigilo e Itabira fica sem saber as respostas apresentadas à ANM para explorar as suas minas nas próximas décadas
Carlos Cruz
Assim que a mineradora Vale deu início ao processo de aprovação do novo Plano de Aproveitamento Econômico do Complexo de Itabira, que agora tem data de exaustão prorrogado para 2041, a Agência Nacional de Mineração (ANM) solicitou uma série de esclarecimentos sobre as minas (volume das reservas e dos recursos), pilhas de estéril, barragens de rejeitos – e também sobre os impactos decorrentes da mineração na cidade Itabira.
A reportagem deste site Vila de Utopia teve acesso aos questionamentos, mas não às respostas que estão sob sigilo, a pedido da mineradora por considerá-las estratégicas, que não devem chegar à concorrência.
Com isso, priva-se também a sociedade itabirana dessas informações que são cruciais para o seu presente e futuro ainda incerto, mesmo tendo sido o horizonte temporal de exaustão mais uma vez estendido, postergando ad infinītum o processo de discussão com a sociedade itabirana de como se dará o descomissionamento de suas minas.
Para saber mais, acesse aqui:
Vale anuncia, em Nova Iorque, que tem minério nas minas de Itabira por mais duas décadas
Após a divulgação do último relatório Form-20, apresentado no dia 13 de abril à Securities and Exchange Commission (SEC), que é a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a reportagem procurou novamente respostas às questões levantadas pela ANM.
A expectativa era informar ao leitor, ao menos o que a empresa tem a dizer sobre as questões que podem afetar diretamente a vida na cidade.
Sigilo
Mas foi em vão. Eis a lacônica resposta da mineradora:
“As informações solicitadas pela ANM foram devidamente respondidas pela Vale, a tempo e modo, no contexto do Plano de Aproveitamento Econômico do Complexo Itabira. As informações contidas no documento são sigilosas, por força normativa, inclusive por contemplar questões estratégicas de mercado.”
É assim, sob o manto do sigilo corporativo, que Itabira fica, como tem sido regra geral, sem informações sobre questões prementes para a sua economia e segurança de quem vive e trabalha na cidade.
Sem respostas, a população itabirana continuará vivendo sob o signo do medo, agora não mais da iminente exaustão mineral, mas dos impactos permanentes da mineração em sua encosta, sem saber ao certo dos riscos que a ameaçam e das riquezas minerais que ainda podem estar contidas em seu subsolo.
Questionamentos
A ANM quis saber, e foi informada pela Vale, por exemplo, sobre qual é o volume da reserva lavrável adicional, “obtida com a retirada da restrição da usina do Cauê em conjunto com a área urbana vizinha às Minas do Meio, uma vez que aquelas estão restringindo a lavra nesta região da cava Chacrinha.”
Pois se a ANM quis saber, Itabira também precisa saber. Afinal, quais eram (são?) essas restrições? Com o seu fim, como será a exploração desse minério? Haverá, por exemplo, expansão do chamado pit (extensão) da mina em direção à cidade, mais precisamente avançando pela Vila Paciência e bairro Pará?
Ou o pit ficará restrito à atual cava, sem ter que desalojar moradores da área urbana vizinha às Minas do Meio, que restringem a lavra na cava Chacrinha? Ou, ainda, se a exploração será por mina subterrânea?
Caso queira saber mais, leia aqui:
Vale estuda viabilidade de explorar mina subterrânea de minério de ferro em Itabira
E mais aqui
São perguntas que o órgão regulador do setor mineral já tem conhecimento, mas que continuam sem respostas para a sociedade itabirana. As respostas precisam ser cobradas por meio das autoridades constituídas (Prefeitura, Câmara, Ministério Público), quebrando o sigilo para que seja assegurado o direito constitucional à informação.
É importante frisar que a Vale é uma empresa privada e que, como todas as demais, encontra-se sujeita às leis do país.
E por ser detentora de recursos minerais, outorgados pela União em nome do povo brasileiro, tem o dever de cumprir o preceito constitucional, informando à sociedade itabirana todos os aspectos que podem impactar a vida das pessoas que vivem tão próximas de suas minas.
Instabilidade
Outro exemplo de questionamento que a ANM fez, e que Itabira tem o direito de saber, é sobre a estabilidade das cavas de Conceição e das Minas do Meio.
E, mais ainda, sobre a estabilidade da cava Cauê, que está sendo ocupada por estéril e rejeito, num processo de “reabilitação” sobre o qual a sociedade itabirana não foi devidamente informada.
A ANM quis saber como está a estabilidade do talude na cava Cauê, esclarecendo se oferece riscos para a vizinhança, em caso de ruptura. Se a pergunta foi feita, é por ter ocorrido, em algum momento, situação de instabilidade. Que situação foi essa? O risco deixou de existir?
Ouro
Outro questionamento de grande interesse para Itabira é se ainda há ouro incrustado nos itabiritos ou disposto junto com o rejeito na grota do Minervino e em outras barragens.
A ANM pediu que fosse apresentado “um histórico da lavra do minério de ouro no processo 577/1986, para que seja discutida a situação atual dos recursos e das reservas deste bem mineral na área da poligonal”.
“Caso seja de interesse da Vale manter esta substância no processo, providenciar a aprovação de uma revalidação de reserva e de um plano de aproveitamento econômico para minério de ouro”, assim estabeleceu a agência reguladora do setor mineral.
Mas se não houver interesse da mineradora em explorar esse bem mineral, quem sabe seria o caso de seguir a sugestão do poeta Carlos Drummond de Andrade, e num gesto de boa vontade, permitir a abertura de uma lavra garimpeira, que serviria como frente de trabalho em uma conjuntura de desemprego?
Foi o que o poeta e cronista sugeriu ironicamente em tom de reivindicação, como se fosse a Vale falando, num lampejo de generosidade com a cidade onde nasceu:
“- Em rala compensação pelo que tiramos do município, em 41 anos de sucção da sua riqueza, vamos ajudar os garimpeiros! Vamos dar-lhes assistência sanitária e um servicinho de prevenção de acidentes, e facilitar-lhes a sindicalização!”, escreveu o poeta/cronista, em 22 de outubro de 1982, no Jornal do Brasil.
O cronista prosseguiu:
“A egrégia Câmara Municipal, comovida com esse rasgo de generosidade, baterá palmas:
– Bravos! Muito bem! Até que enfim, ilustre Companhia, a senhora se lembrou de dar alguma coisa, em vez de tirar da gente!”
Leia sobre a crônica e proposta de CDA aqui:
Drummond pede para a Vale deixar o ouro do Pontal para os garimpeiros de Itabira
E mais aqui:
Mas se essa rala compensação ainda não ocorreu, e certamente não haverá essa “rala compensação”, que a Vale informe à sociedade itabirana se ainda existe esse recurso aurífero junto aos itabiritos ou disposto nas barragens de rejeitos, assim como será explorado ou se seguirá disposto em barragens como rejeito.
Ou ainda se seguirá junto com o minério, como reza a lenda urbana há muito difundida na cidade, para o Japão ou para a China, que é atualmente o principal destino da produção mineral de Itabira.
Rejeitos lavráveis
Ainda a propósito dos rejeitos, a ANM quis saber – e Itabira precisa ficar sabendo – se existe possiblidade de explorar economicamente os rejeitos contidos em suas barragens, hoje tidas e havidas como grandes ameaças à vida e à segurança dos moradores que vivem abaixo dessas imensas estruturas.
“Apresentar a situação atual do plano de recuperação destas barragens com seu cronograma de finalização, destacando situações em que o rejeito será reaproveitado”, foi outra solicitação da ANM.
Nesse aspecto é importante também a Vale esclarecer em quanto será aumentada a área de autossalvamento e o número de moradores que podem ser atingidos, no caso de um hipotético rompimento, após o alteamento da barragem Itabiruçu para receber mais rejeitos da usina Conceição.
A ANM quis saber ainda se “a descaracterização das barragens com alteamento a montante, a acontecer em médio prazo, poderá prejudicar eventual reaproveitamento futuro do rejeito”. Itabira continua sem saber qual é esse potencial mineral.
Leia mais aqui:
Conflitos
A ANM quis saber também se já foi solucionado o conflito com a Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral, que requereu e teve aprovado alvará de pesquisa, pelo antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), em área da barragem Itabiruçu.
“Apresentar um resumo dos fatos e decisões jurídicas referentes ao litígio entre a Vale e Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral Ltda, devido ao Alvará de Pesquisa 7471/14 para minério de ferro no processo ANM 831930/2013, de titularidade dessa empresa vizinha.”
Esse é um entre tantos imbróglios jurídicos que a mineradora Vale tem pela frente para dar continuidade à exploração econômica das minas de Itabira por mais algumas décadas.
A mineradora considera que essa demanda com a Itabiriçu foi resolvida a partir da edição da Resolução Normativa nº 4, da ANM, que endossou a tese que considera os rejeitos depositados nas barragens como sendo produtos da lavra, portanto, de sua propriedade.
Leia sobre a resolução aqui:
Mas não foi o que decidiu, em 13 de agosto de 2021, a juíza substituta da 22ª Vara Federal, de Brasília, Fernanda Martinez Silva Shorr, para quem a referida resolução da ANM não se aplica a casos em que há demandas anteriores, como é o litígio entre a Vale e a Itabiriçu Nacional.
“Não há, seja na ação judicial mencionada ou em outras demandas judiciais em que a Vale é ou não parte, nenhuma decisão de mérito que defina sobre eventual aplicação da nova Resolução da ANM ou não”.
Entretanto, para a mineradora Vale a resolução já está valendo, pondo fim à disputa judicial. “A Vale não reconhece quaisquer interesses especulatórios de terceiros sobre materiais de sua propriedade e a ANM já reforçou, inclusive judicialmente, que o direito ao reaproveitamento dos rejeitos e dos materiais estéril pertencem à Companhia.”
Leia sobre essa demanda aqui:
Empresa ganha direito de pesquisar rejeito na barragem do Itabiruçu para futura exploração
E também aqui:
Leia a íntegra dos questionamentos da ANM à mineradora Vale antes de aprovar o novo plano econômico para o Complexo de Itabira
Para melhor instrução do processo de revalidação da licença para lavrar o minério de Itabira, a Agência Nacional de Mineração solicita as seguintes informações à mineradora Vale:
- Apresentar reservas geológica bloqueadas por cada um dos elementos: 1-usinado Cauê, 2-área urbana vizinha as Minas do Meio, 3- par de processos 3.951/62 e 833.2906/07, e 4-PDE Periquito junto com as usinas Conceição. Simular reserva lavrável adicional obtida com eliminação teórica de cada elemento de restrição por vez. Informar se a densidade de sondagens sob estes elementos é adequada ou se existe potencial de incremento das reservas com adensamento dela. Simular a reserva lavrável adicional obtida com a retirada da restrição da usina do Cauê em conjunto com a área urbana vizinha às Minas do Meio, uma vez que aquelas estão restringindo a lavra nesta região da cava Chacrinha;
- Detalhar a lavra prevista no PAE (Plano de Aproveitamento de Estéril) atual (2019-2024) para o processo 820.326/71 e como se dará o aproveitamento futuro das reservas minerais na área desse processo;
- Informar reservas geológica e lavrável remanescentes nas cavas do Onça e Periquito, onde estão sendo lançados os rejeitos de forma temporária;
- Detalhar como se dará a transferência de 4 MTA (milhões de toneladas/ano) de minério de ferro das minas de Mariana no período de 2022 a 2024;
- Apresentar relação de PDEs (Plano de Disposição de Estéril, que licencia a pilha de estéril) e PDERs (Plano de Disposição de Estéril e Rejeito) existentes no Complexo de Itabira, com seus volumes atuais e futuros (capacidades) e finais, segmentando estes volumes em estéril franco, minério com ferro abaixo do teor de corte e rejeito. Para as PDEs e PDERs que contenham minério com ferro abaixo teor de corte e rejeito, apresentar o teor médio de cada uma destas massas, demonstrando, através de mapas, com elas são individualizadas dentro das pilhas. Esclarecer se o minério com ferro abaixo do teor de corte está sendo disposto em separado, de forma a viabilizar um eventual aproveitamento futuro. Informar quanto dos 1,1 bilhão de toneladas de estéril lavrado neste novo PAE é minério de ferro com teor abaixo do teor de corte, o teor médio desta fração do estéril, e seu plano de disposição demonstrando como ele será separado dos demais estéreis;
- Apresentar uma anotação de responsabilidade técnica (ART) específica para o projeto de estabilidade das cavas de Conceição e Minas do Meio, via definição de seus ângulos de taludes. Acrescentar a instrumentação a ser implantada e a carta de risco associada. Discutir a influência do fim da operação das minas na estabilidade dos taludes finais, prevendo eventuais ações a serem implementadas pós encerramento da lavra. Apresentar estudo equivalente aos das minas de Conceição e do Meio, para o talude do Pico Cauê na Cava Cauê. Nesse estudo, discutir o rompimento passado do talude, esclarecendo se ele está estabilizado e verificando se este oferece riscos para a vizinhança da cava Cauê, em caso de nova ruptura. Este estudo também deverá ser acompanhado de ART;
- Apresentar a síntese do projeto de drenagens de mina implantada no Complexo Itabira. Apresentar uma planta de detalhe com projeto de drenagem da mina;
- Informar se a Vale S.A conhece os responsáveis pela realização e a natureza dos trabalhos de mineração realizados nas áreas dos processos 3.951/62 e 833.906/07, no período que vai de 2008 a 2013, conforme sugerem imagens do Google Earth:
- Apresentar planta topográfica atualizada da área de lavra na fronteira dos ANMs 2.355/41e 831.246/03. Em caso afirmativo, informar o volume do minério lavrado no 831.246/03. Apresentar ART do técnico responsável por estes trabalhos. Discutir também se na fronteira sul do processo 832.558/09, com o 577/36, houve ultrapassagem da lavra de minério dentro da área do 832.558/09 no passado;
- Confirmar se a lavra que acontece na área do processo 831.930/13 é de recuperação de estéril passado, minério atualmente. Apresentar, se houver, a conclusão do conflito da Vale S.A com o titular do processo 831.930/13. Esclarecer se a recuperação do itabirito compacto na PDE está inserida neste conflito. Informar se existe algum outro conflito equivalente com outro processo vizinho, tais como o 831.441/12, 832.029/11, 833.204/13 e 831.4841/17;
- Apresentar relação das barragens de rejeito existentes no Complexo de Itabira, com seus volumes atuais, futuros (capacidades) e finais. Apresentar o teor médio de ferro em cada uma destas barragens, individualizando setores (braços) com disposição segregada. Apresentar a situação atual do plano de recuperação destas barragens com seu cronograma de finalização, destacando situações onde o rejeito será reaproveitado. Discutir se a descaracterização das barragens com alteamento a montante, a acontecer em médio prazo, poderá prejudicar eventual reaproveitamento futuro do rejeito;
- Apresentar o teor de ferro médio anual e a massa gerada dos diferentes rejeitos e lamas gerados nas usinas do complexo de Itabira nos últimos cinco anos. Apresentá-los também agregados por usina e por destinação para disposição;
- Apresentar em uma planta a zona de autossalvamento (ZAS) dentro do complexo de Itabira da barragem Conceição. Identificar as estruturas produtivas da Vale S.A afetadas por um eventual rompimento dessa barragem, demonstrando que não existe nenhuma das situações previstas no art. 3 da Resolução ANM 13/2019. Apresentar as alterações incorporadas ao Plano de Gestão de Risco (PGR) devido a este perigo;
- Apresentar anotação de responsabilidade técnica (ART) específica para o projeto de disposição de estéril e rejeito filtrado na antiga cava Cauê, sobre rejeito já disposto hidraulicamente. Acrescentar a instrumentalização a ser implantada e a carta de risco associada. Detalhar como acontecerá a drenagem externa e interna nesta pilha:
- Apresentar ações diferenciais e cuidados adicionais que serão adotadas no fechamento (plano) das PDERs em relação as PDEs.
- Relacionar a mão-de-obra que está sendo empregada no empreendimento do complexo de Itabira;
- Apresentar a revisão da área complementar de servidão requerida ou justificar a necessidade de toda a área requerida, via projeção da área de influência da barragem Itabiruçu em seu alteamento final. Verificar a necessidade de apresentação de novo memorial descritivo, tendo em vista que há um corredor e deslocamento entre a servidão antiga e este novo pedido;
- Apresentar o cronograma de eventos a acontecer no empreendimento no período 2020-2024, destacando aqueles imprescindíveis para viabilizar a continuidade do aproveitamento econômico do minério no ciclo 2025-2029.
- Apresentar um histórico da lavra do minério de ouro no processo 577/1986. Discutir a situação atual dos recursos e reservas deste bem mineral na área da poligonal desse processo. Caso seja de interesse da Vale manter esta substância no processo, providenciar a aprovação de uma revalidação de reserva e de um plano de aproveitamento econômico para minério de ouro. Cópias do cumprimento desta exigência deverão ser juntadas aos processos 577/1936 e 930.641/1989.
- Apresentar o cumprimento da exigência referente à Notificação nº 18/2018 da fiscalização da ANM, realizada em 27/03/2018, e que prescreveu “reconformar os bancos e retirar material objetivando a estabilidade e organização da mina, o projeto de reconformação da cava deve possuir ART” para a cava da mina Onça;
- Apresentar um resumo dos fatos e decisões jurídicas referentes ao litígio entre a Vale e Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral Ltda, devido ao Alvará de Pesquisa 7471/14 para minério de ferro no processo ANM 831930/2013 de titularidade dessa empresa vizinha.
“Sob sigilo”, é escárnio da mineradora à quem pede esclarecimentos.
Itabira está sepultada nos buracos de ferro e ouro.
Triste destino de uma cidade arrasada pela vontade do próprio povo.
Como será o seu entendimento à nova ordem mundial?