Vale insiste com a flexibilização de norma que restringe parâmetros da poluição do ar em Itabira ao invés de adotar medidas mais eficazes

Fotos: Carlos Cruz

Flexibilização de norma ambiental do Codema sobre poluição do ar pode ocorrer com contrapartidas, admite grupo de trabalho. Conselheiro protesta e acha um absurdo que essa possibilidade seja discutida pelo órgão ambiental municipal

O grupo de trabalho (GT) criado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), a pedido da mineradora Vale, para que se faça a revisão dos parâmetros municipais sobre a poluição do ar, fixados pela deliberação normativa número 2, apresentou proposta à mineradora com pedido de “contrapartidas” para flexibilizar a deliberação municipal.

A norma mais restritiva foi aprovada pelos conselheiros em 12 de agosto do ano passado. Já sua flexibilização foi requerida pela mineradora na reunião do Codema no mês passado.

Leia sobre o pedido de flexibilização aqui:

Consultor da Vale diz que legislação restritiva da poluição do ar espanta novas indústrias. Mineradora pede flexibilização de norma do Codema

A informação sobre a proposta de “contrapartidas” (sic) apresentada pelo GT é do secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott Martins da Costa, que também preside o órgão ambiental.

Denes Lott disse que somente apresentará a proposta de flexibilicação da deliberação normativa do Codema depois que a Vale apresentar as contrapartidas

Sem resposta

Segundo ele, a mineradora ainda não respondeu à sugestão de “contrapartidas”. Daí que a proposta de flexibilização ainda não será submetida ao Codema para deliberação dos conselheiros, informou na reunião de sexta-feira (12), do Codema.

Pela proposta do GT, se aprovadas as “contrapartidas” da mineradora, mantém-se os atuais parâmetros da deliberação normativa municipal, aceitando-se, contudo, que os parâmetros máximos da poluição do ar possam ser superados três vezes ao ano, sendo que atualmente essa admissibilidade é de apenas uma única vez.

É o que consta também da deliberação normativa do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que tem prazo até 2024, fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para estabelecer novos parâmetros “aceitáveis” para a poluição do ar no país, considerados insuficientes para coibir os agentes poluidores. E que, mesmo sendo mais flexíveis que a norma municipal, só admitem a superação dos índices máximos uma única vez por ano.

De acordo com Denes Lott, o grupo de trabalho está dividido quanto às mudanças dos parâmetros. “Metade é contra e a outra defende que a empresa precisa de tempo para se adaptar às novas normas mais restritivas”, acrescentou o secretário em resposta a este site.

Protesto

O conselheiro Leonardo Ferreira protesta e considera um absurdo a criação de um GT para flexibilizar a norma

O conselheiro Leonardo Ferreira Lopes, representante da Caritas Diocesana no Codema, disse ser preocupante que o órgão ambiental cogite reformular a resolução municipal, conforme requer a mineradora.

“É uma marcha a ré o simples fato de ter sido criado um grupo de trabalho para discutir a flexibilização de uma normatização sobre a qualidade do ar. Isso é um retrocesso social e ambiental”, classificou.

“Estamos entrando no período seco, quando toda a população sofre mais com a péssima qualidade do ar em Itabira. O que precisamos fazer é discutir e fazer valer os parâmetros mais rigorosos, cobrar medidas mais contundentes e não esse retrocesso proposto pela Vale. É um absurdo toda essa discussão”, complementou.

Contrapartida aceitável

Para aceitar a flexibilização da norma pelo órgão ambiental municipal, só existe uma contrapartida aceitável: que a Vale destine algo próximo dos cerca de R$ 4,6 bilhões que investe no porto de Tubarão, na grande Vitória (ES), em cumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado em ação movida na Justiça Federal.

Pelo TAC, a mineradora se compromete a reduzir em até 93% o “pó preto” que despeja sobre as cidades próximas do porto.

Entre as medidas, impostas pelo TAC, está a instalação de uma extensa malha de wind fences, que vem a ser uma barreira com material apropriado, instalada nos pátios internos para diminuir a velocidade do vento e a emissão de poeira, além de intensificar a aplicação de polímeros (cal e cimento), mais canhões e nebulizadores nos pontos críticos de emissão, nos pátios de estocagem e no embarque de minério.

Sem isso, ou algo próximo do que vem sendo executado em Vitória, não há que se admitir a flexibilização da resolução municipal que trata da poluição do ar em Itabira, admitindo-se índices menos flexíveis, como requer a mineradora que polui o ar de Itabira com partículas de minério em suspensão, principalmente neste período de estiagem que geralmente se estende até outubro.

Saiba mais aqui:

Vale vai investir R$ 4,6 bilhões para conter “o pó preto” da poeira, diz gerente de Meio Ambiente. Em Itabira? Não, no porto de Tubarão, ES

Índices em suspeição

Há que se considerar também que os índices monitorados em Itabira, sob controle da própria mineradora, foi colocado em suspeição por um estudo publicado na revista Environmental Advance, resultado de uma parceria entre a Universidade Federal de Itajubá (Unifei), campus Itabira, e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Por meio de coleta independente de material particulado atmosférico nos tamanhos de 2,5 μm (PM2.5), 10 μm (PM10) e 20 μm (PM20), foram encontrados valores de particulados entre duas a três vezes maiores nos dias coletados, quando comparados aos valores informados pela Prefeitura de Itabira em seu site oficial, com dados da rede automática de monitoramento da qualidade do ar controlada pela mineradora.

Outra conclusão desse estudo científico foi que o material particulado despejado na cidade Itabira “pode ser internalizado, ou seja, entrar nas células de pulmão humano, e promover efeitos citotóxicos em condições de laboratório (in vitro).”

Além da preocupação com o grande volume de poeira dispersa, o estudo traz outra preocupação com a composição dessas partículas em suspensão, o que é dúvida antiga em Itabira, inclusive tendo sido objeto de condicionante da Licença de Operação Corretiva (LOC), ainda não cumprida integralmente pelo agente poluidor, sobre os efeitos da poeira de minério sobre a saúde da população.

“Por meio de análises qualitativas com microscopia eletrônica mostrou a presença de ferro, alumínio, zinco e contaminantes metálicos emergentes e preocupantes, como bário e titânio, nas amostras ambientais coletadas na cidade”, escreveu em artigo publicado neste site, a professora e pesquisadora Mariana Morozesk.

Leia o artigo publicado neste site aqui:

Estudo publicado em revista internacional aponta relação entre material particulado atmosférico de Itabira e efeitos tóxicos em células humanas

E o artigo científico aqui:

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S266676572100096X?via%3Dihub

Para saber mais sobre a legislação e mudanças necessárias para tornar os índices mais restritivos, leia também aqui:

Poluição do ar deve ter padrões mais restritivos, diz PGR. STF fixa prazo para Conama estabelecer novos parâmetros

E também aqui:

Diretrizes da OMS endurecem limites para a poluição do ar

Posts Similares

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *