Uma peleja entre Darcy “Bantan” Pedro da Silveira e uma velha sobrinha
Fotos: Carlos Cruz
Cristina Silveira
Doze de março de 2025. Quarta-feira. A velha sobrinha esperava o lavador de sofá. A velha sobrinha fumava e lastimava a proibição médica de beber café. A velha sobrinha lia as notícias de guerra, de genocídio: Palestina, Síria (sangue de seu sangue), Líbano e o pesadelo da vampiresca Úrsula von der Layen na Ucrânia. Mundo doido mundo!
O telefone toca e a velha sobrinha pensa no sofá … Do outro lado, de Itabira ouço a voz triste a oferecer os pêsames pela morte do velho tio. Tio queridíssimo.
A velha sobrinha vem às paginas da Vila de Utopia para escrever um pequeno tributo ao velho tio. O que dizer? De pronto não há muitas palavras para uma breve biografia, apenas um breve acontecimento entre a velha sobrinha e o velho tio.
Certa vez a velha sobrinha bordejava em Itabira, cortava a travessa da rua do doutor José de Grisolia para a Casemiro Andrade, onde mora um velho e frondoso flamboyant quando avistou o velho tio na esquina, na Pastelaria Dois irmãos, de nossos amigos Geraldo e Sálvio.
Lá estava ele. A sobrinha com sorriso e um beijo na ponta da boca se aproximou. A resposta foi o gesto largo estendido de seus braços a impedir o beijo de quem ama.
A “marvada” já se apoderara de seu corpo e o cérebro a cingir tiradas de humor era alegria e dor. Humor e o racismo contra os mulçumanos. Frase que não reproduzirei pra’mode não virilizar. A velha sobrinha ficou horrizada. Não contava ouvir dele a ignorância eurocentrista. A velha sobrinha sentiu raiva, fúria contra o velho tio, dali saiu pisando duro para outras paradas.

No dia seguinte a velha sobrinha atravessa a mesma travessa em direção a Pastelaria Dois Irmãos e lá esta ele. Sentado a mesa, perna sobre perna, entre os dedos a mão esquerda prendia o cigarro, a mão direita brindava o copo de cachaça.
A hora da vingança! Pensou a velha sobrinha pronta a dar corda na pipa para o bote mortífero no corpo exaurido do velho tio. Pronta para o exercício da crueldade humana demasiadamente humana que é a técnica de tortura. A velha sobrinha parada-imóvel-estátua diante dele em busca de um ponto fixo.
Olho no olho e o corpo da velha sobrinha em movimento pendular ocupou o sistema nervoso do velho tio. Não precisou de minutos, apenas instantes, lentamente-mente o velho tio entra na Pastelaria, senta-se à mesa, abaixa a cabeça, lábios ressecados a murmurar sonolências.
A velha sobrinha finaliza a tortura. Bem baixinho em seus ouvidos, ela fala: Viva os mulçumanos!
Peço licença ao poeta Manuel Bandeira para fechar a louvação ao velho tio:
Darcy no Céu
Darcy provocador
Darcy bom
Darcy sempre de bom humor.
Imagino Darcy entrando no céu:
– Licença!
E São Pedro bonachão:
– Entra, Darcy. Você não precisa pedir licença.
Serviço
Funeral: Cemitério da Paz
Horário: 13h às 16h
Sepultamento: Cemitério do Cruzeiro
Sentiremos saudades desse ser que era o Darci Bantan. Era aquele que sabia quem envernizou a barata, quem amolou o Machado de Assis, desde o tempo em Brasília com Juscelino, o seresteiro de Diamantina, onde era o mestre de cerimônia, hoje o céu recebe esse grande mestre. Espera que seja uma grande festa.
Lamento a notícia da morte de Bantan. Figura icônica pra nós daqui do Pará. Que humor, que memória afiada, trazendo à tona causos e causos de que foi protagonista, juntamente com meu irmão, Carlinhos. Ambos boêmios e sonhadores, vagando por aí, ora tentando criar uma funerária em Santa Bárbara (não deu certo porque perceberam que ninguém morria naquela cidade), ora saindo por aí ,num carro velho, pra pescar em companhia de muita pinga e gente pra ajudar a empurrar o carro. Saudades!
“ Não quero saber quem matou Mar Morto ou amolou Machado de Assis “
Viva Darcy
Darcy presente
“ Não quero saber quem matou Mar Morto nem quem amolou Machado de Assis “
Darcy Bantan
Nessa minha última temporada em Itabira, de maio a novembro de 2024, passava sempre onde o Batãn costuma ficar, alí na Rua Ipoema, esquina…. não me lembro o nome, mas dessa vez eu não o vi e ninguém me deu notícias dele… sempre alegre, brincalhão e de bem com a vida. Faço minhas as palavras do amigo Fernando Duarte Gonçalves: Vai na luz, Bantan!
Perda lastimável!
Dos vários casos do Darcy Bantan teve um do qual participei.
Estava a passeio em Itabira e convidei o mano Carlinhos e o Darcy para pesquisar minérios lá pelas bandas da região do Pouso Alto. O Darcy foi calçando um par de botas sanfona novas e muito bonitas.
Após inspecionados o terreno ficamos a conversar com o proprietário da fazenda próximo ao curral. Derrepente o Darcy entrou no curral que estava coberto de lama e fezes de gado. Ele sapateou ali até sujar totalmente as botas.
Então eu disse-lhe: – Darcy você sujou as lindas botas.
Ele sorrindo respondeu: – Com estas botas novas sujas de “botas de boi” talvez alguém acredite que eu seja um fazendeiro bem sucedido.