Ensino domiciliar (homeschooling) coloca um muro entre a família e o mundo social
Foto: Alexandra Koch/Pixabay
A criança tem o direito de frequentar a escola, instituição responsável por preparar o indivíduo para o convívio em sociedade
Jornal da USP no Ar – A Câmara dos Deputados aprovou recentemente projeto que regulamenta o homeschooling ou ensino domiciliar. Os estudantes deverão estar matriculados em uma instituição de ensino e um dos responsáveis pela tutoria deverá ter escolaridade de nível superior em curso reconhecido.
Mas o projeto de lei está sendo criticado por especialistas com base na Constituição. Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, a professora do Departamento de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação (FE) da USP, Carlota Boto, disse esperar que o projeto seja rejeitado pelo Senado.
A professora argumenta que o projeto viola o direito das crianças frequentarem a escola, a qual é uma instituição que se interpõe entre a família e o mundo social e prepara o indivíduo para conviver em sociedade.
Na visão da professora, a socialização nas escolas é uma questão fundamental:
“A socialização é o aprendizado das amizades, da convivência com o outro. Quando você, por razões religiosas, por exemplo, opta por tirar a sua filha ou o seu filho da escola para que ele conviva com crianças da mesma religião, você está impedindo que essa criança tenha a convivência com um conjunto amplo da sociedade, com pessoas que são diferentes dela, mas que, mesmo assim, podem se tornar amigos. Esse aprendizado da amizade é o aprendizado do convívio, e a escola é fundamental para assegurar esse convívio”.
Os problemas do homeschooling
A professora também reflete sobre a capacitação dos tutores responsáveis, visto que nas escolas os professores possuem formação específica para ensinar as crianças. “Ninguém teria a ideia de tirar a criança de um médico e se tornar médico dessa criança. Mas por que, na situação da educação, pode-se fazer e colocar a situação análoga?”, questiona.
Segundo Carlota, estudos sobre o ensino domiciliar têm mostrado que há um vetor religioso acerca das famílias que escolhem esse tipo de educação para os filhos, pois não querem que eles tenham contatos com teorias educacionais consideradas ímpias.
A professora considera isso grave e diz que é importante que as crianças aprendam conteúdos que possam contrariar os interesses dos pais, já que isso faz parte do aprendizado. Ela ainda afirma que é perigoso a família se colocar como a única instituição na vida de uma criança.
Outro ponto é o viés elitista do projeto enxergado por Carlota. Ela pondera sobre a probabilidade de um adolescente, o qual possui várias matérias no ensino médio, precisar de muitos profissionais de ensino para acompanhá-lo.
“Isso vai exigir a contratação de professores particulares e, nesse sentido, apenas as famílias de renda alta é que poderão arcar com essa despesa. Me parece absolutamente injusto no que diz respeito à própria igualdade de condições.”
Um último aspecto apontado pela professora é o favorecimento da violência doméstica:
“A escola percebe quando a criança vem machucada, traumatizada. Se a família controla o que acontece na escola, a escola também, em certa medida, controla o que acontece na família. São duas instituições que devem continuar se complementando e se autorregulando”, exprime.
Carlota finaliza opinando que o homeschooling tem potencial para atingir um grupo muito pequeno no Brasil e que a demanda não é razoável para justificar a aprovação do projeto.
Na verdade não existem muros, só os da escola, que insistem em separar as famílias de seus filhos e expor os filhos a pressão social para uso de drogas, sexualização e outras questões que ficam atrás desses muros. Uma família de verdade orienta muito os filhos, mas em muitas escolas existem ambientes autoritários que expoem as crianças a diversos tipos de abusos emocionais, físicos e até sexuais.