Vale anuncia que irá desativar barragens menos seguras construídas a montante. Nenhuma está em Itabira
Uma medida que deveria ter sido adotada pela empresa Vale há mais de uma década, quando, após a privatização adquiriu as minas da MBR, Samitri, Ferteco e parte da Samarco, só agora, após o rompimento das barragens de Fundão, em Mariana, e Córrego do Feijão, em Brumadinho, será efetivada.
Trata-se do descomissionamento (fechamento com as medidas cautelares e mitigadoras necessárias para que possam ser reintegradas ao meio ambiente) de todas as barragens que foram construídas com alteamento a montante. Serão descomissionados dez barragens em todo estado – nenhuma delas se encontra em Itabira.
Se a desativação dessas obsoletas barragens, anunciada nessa terça-feira (29) pelo presidente da Vale, Fábio Schvartsman, tivesse ocorrido antes, o maior crime ambiental da mineração do mundo não teria ocorrido em Mariana, assim como não teria acontecido o maior acidente coletivo de trabalho, com centenas de mortes, em Brumadinho.
É que, diferentemente das barragens construídas pela própria Vale para conter os rejeitos dos complexos de Itabira e Timbopeba, em Ouro Preto, as barragens existentes na maioria das minas adquiridas após a privatização, foram instaladas utilizando-se de um método construtivo arcaico e menos seguro, que é o alteamento a montante.
A alegação da empresa para que não ocorresse essa desativação, antes desses trágicos acontecimentos, é que todas essas barragens se encontravam inativas. Além disso, contavam com laudos de estabilidade emitidos por empresas certificadoras externas, independentes e “conceituadas” internacionalmente. E também licenciadas pelos órgãos ambientais.
O barato que mata
O alteamento a montante é o método construtivo mais barato – e também o menos seguro e mais perigoso, como ficou tristemente demonstrado nos últimos três anos. O método construtivo é rudimentar – e não se entende como esses sistemas arcaicos de contenção de rejeito podem ter sido mantidos em uma empresa que dizia ter a vida humana como o seu principal valor.
Trata-se de um aterro feito com o próprio rejeito de minério compactado em direção da barragem, acima do barramento. Assim como no modelo de alteamento a jusante, constrói-se um dique com um tapete drenante para eliminar a água da estrutura.
Só que se esse dreno não estiver funcionando corretamente, a água infiltra na estrutura da barragem, provocando o seu rompimento, o que pode ter sido a causa do ocorrido em Fundão – e muito provavelmente em Córrego Feijão, embora não estivesse chovendo no fatídico dia 25 deste mês.
Mais segurança
Já o outro tipo de barragem com alteamento a jusante, como são as estruturas de contenção de rejeitos de Itabira e Timbopeba, tem outro modelo construtivo, mais seguro e que emprega técnicas de engenharia modernas, porém mais caras.
Da mesma forma que o outro modelo, a estrutura da barragem é iniciada com a construção de um dique e do tapete drenante. Só que o alteamento, diferentemente do modelo a montante, ocorre pelo lado externo da barragem, conforme prevê o projeto de elevação da cota da barragem do Itabiruçu, em Itabira, já licenciada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Uma outra questão fundamental é que nesse outro modelo a jusante não se utiliza o próprio rejeito de minério depositado na barragem. O material empregado são pedras e britas com argila que ajudam na compactação. E o mais importante: o alteamento é feito pelo lado externo da barragem, reforçando o seu barramento. Além de esse método construtivo ser mais moderno e seguro, o monitoramento da barragem a jusante é muito mais eficaz.
Monitoramento
Para isso, essas barragens contam com vários sistemas de segurança que iniciam na construção, com colocação de cortinas que entram na sua fundação. A finalidade dessa cortina é impedir que a água se infiltre no fundo, o que, caso ocorra, faria forte pressão em sua estrutura.
Além disso, elas dispõem de filtros verticais, tapetes drenantes horizontais e núcleos argilosos. Outro aspecto importante para a segurança dessas barragens é o fato de não permitir que a água passe por cima do barramento.
Para isso, são construídos extravasores, utilizando-se concreto armado. Esses extravasores funcionam como vertedouros, dimensionados para suportar volumes de água muito acima da média histórica. É deixada também uma borda livre entre o nível da água e a crista da barragem, que é para complementar a segurança operacional.
Outra medida importante são as barreiras de pedras chamadas de enroncamento. Elas evitam que o movimento da água na barragem provoque erosão no barramento, assim como nas laterais da barragem. As pedras servem para quebrar as ondas provocadas pelo vento.
Nada disso ocorre nas barragens com alteamento a montante, quando o próprio peso do rejeito força a estrutura do barramento, o que pode provocar o seu rompimento. Nos casos das barragens alteadas a jusante, como são as de Itabira e Timbopeba, isso já não acontece.
Não se pode afirmar que as barragens alteadas a jusante são 100% seguras. Mas é certo que são infinitamente menos propícias a sofrer fissuras em sua estrutura, o que provocaria o seu rompimento, como ocorreu em Mariana e Brumadinho.
Reforço necessário
Para tranquilizar a população itabirana, e também de outras localidades onde existem barragens, é importante que mais medidas de segurança sejam adotadas, mesmo que tenham sido construídas com alteamento a jusante.
Uma das propostas sugeridas é que sejam construídos vários diques de contenção a seco por uma longa extensão dos afluentes das águas dessas barragens.
Esses diques devem ser dimensionados de forma a conter o arraste do rejeito de minério, diminuindo a sua força e a mitigação dos estragos que seriam provocados por um rompimento da barragem.
Desativação de barragem e interrupção da produção não irá causar desemprego, assegura mineradora
Segundo a Vale, atualmente são dez barragens de rejeitos que serão descomissionadas em Minas Gerais. O previsto é que isso ocorra em um prazo de três anos, com investimento em torno de R$ 5 bilhões.
Com o descomissionamento, a empresa irá paralisar, temporariamente, a produção das unidades onde essas arcaicas estruturas estão localizadas. Isso ocorrerá nas operações de Abóboras, Vargem Grande, Capitão do Mato e Tamanduá, no complexo Vargem Grande.
Outras paralisações das atividades ocorrerão nas minas Jangada, Fábrica, Segredo, João Pereira e Alto Bandeira, no complexo Paraopeba, incluindo também a paralisação das plantas de pelotização de Fábrica e Vargem Grande.
As operações dessas unidades paralisadas só serão retomadas à medida que concluir os descomissionamento das barragens inadequadas. O impacto dessas paralisações na produção nacional da empresa será da ordem de 10%, com redução de 40 milhões de toneladas anualmente.
Não haverá demissão, garante a Vale. Os empregados dessas minas serão transferidos para outras localidades, que terão o ritmo de produção aumentado, como deve ocorrer no complexo de Itabira. Com isso, o horizonte previsto para a exaustão das minas itabiranas, atualmente projetado para 2028, pode ser encurtado.
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