Está chegando a hora de devolver o Cauê para Itabira, mas antes a sua cava vai receber 16,5 Mt de estéril e rejeito até o seu fechamento

Carlos Cruz

A mineradora Vale vem, desde 2003, dispondo rejeitos da usina Cauê e parte do material estéril retirado das Minas do Meio na cava da exaurida mina Cauê. A justificativa é ocupar uma área antropizada, já impactada pela mineração, sem ter que dispor de uma outra área ainda não ocupada, evitando os impactos decorrentes.

Embora a legislação de fechamento de mina determine que a sociedade do entorno seja ouvida, para que opine e tome ciência do destino que se pretende dar à cava exaurida, isso ainda não aconteceu. O início da ocupação da cava ocorreu apenas com a deliberação dos órgãos ambiental e regulatório, sem que Itabira fosse devidamente informada assim que teve início essa disposição, no inicío deste século.

A sociedade itabirana só foi informada dessa decisão oito anos depois, por meio de reportagem publicada no informativo Notícias, house-horgan da mineradora, em janeiro de 2011.

A disposição desses materiais na cava exaurida foi licenciada pela Câmara de Atividades Minerárias, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), instância deliberativa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

Antes disso, possivelmente, a ocupação contou com a anuência do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Codema), que também boquifechou-se – e nada informou à sociedade itabirana, que mal representa, sobre o destino que se daria à cava exaurida da célebre mina.

Fechando a cava

Cava exaurida do Cauê já recebeu 113 Mm³ de estéril e 95 Mm³. E vai ser fechada após receber 16,5 Mt desses mesmos materiais em um prazo máximo de dez anos (Fotos: Carlos Cruz)

Já neste início de ano, para encerrar a disposição desses materiais na cava Cauê, a Vale obteve nova licença ambiental, para depositar mais 16,5 milhões de toneladas (Mt) de estéril e rejeito, fechando a cava. O prazo é de dez anos, mas o encerramento pode ocorrer até 2024.

No jornal Notícias, a informação no início deste século foi que seriam dispostos 120 milhões de metros cúbicos (Mm³) de estéril e 80 milhões de Mm³ de rejeitos na cava.

Já agora, em resposta à reportagem deste site Vila de Utopia, a mineradora informa que já foi depositado volume bem próximo ao anunciado: 113 Mm³ de estéril e 95 Mm³ de rejeitos.

“Importante destacar que foi utilizada uma área antropizada para a disposição de rejeito e estéril na cava, evitando impactos ambientais e utilização de novas áreas”, justifica a Vale em resposta à reportagem.

Disse ainda que para encerrar essa utilização, a disposição desses materiais continua sendo feita de forma compartilhada pelo prazo máximo de dez anos, com rejeito filtrado e estéril, criando-se o que chama de condições geotécnicas e topográficas mais adequadas para o fechamento da cava Cauê.

“O projeto da cava Cauê foi elaborado com base nos princípios da proteção da qualidade ambiental e da segurança, buscando atingir a estabilidade física da estrutura e a recuperação das áreas degradadas”, assegura a mineradora.

E acrescenta: “Isso possibilita a integração com a morfologia local, por meio da integração das áreas recuperadas à paisagem, aproximando-se da cobertura vegetal original.”

Ou seja, após a disposição final desse material, será refeita a cobertura vegetal, com espécies nativas encontradas no pico do Cauê antes de ter início a sua exploração, há quase 80 anos.

Plano de Fechamento

Ecoparque Cauê e Museu Cauê: propostas constam do Plano de Fechamento de Mina de 2013: continua valendo? A Vale não respondeu (Imagem: Reprodução/Bureau/Vale)

Tudo isso vem ocorrendo sem que a empresa apresente oficialmente à sociedade itabirana o Plano de Fechamento da Mina (PFM).

Entretanto, por meio de documento obtido por este site, de 2013, soube-se que a mineradora apresentou ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) proposta de instalar no local o Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” deve ser a produção de insumos terapêuticos para hospitais e indústria farmacêutica.

Para esse fim, seriam cultivadas plantas medicinais nas pilhas de estéril e de rejeitos dispostas na cava exaurida – e também no platô da pilha Convap. Pela proposta, no local serão também instalados o Monumento Cauê e o Museu da Vale.

Perguntada se esse PFM ainda está valendo, mantendo-se esses projetos, a empresa se esquivou e não apresentou uma resposta objetiva:

“O encerramento da cava Cauê faz parte do planejamento das operações da Vale no território, que tem como premissa a minimização do risco das estruturas e a identificação de oportunidades de reconversão produtiva para Itabira”, afirma.

“O uso futuro do território está fundamentado nas diretrizes de sustentabilidade e no conceito de valor compartilhado, no qual a escuta ativa e o engajamento com a sociedade são fatores essenciais.”

A mineradora disse ainda que “ao longo do processo operacional são identificadas tendências de potencialidades e ocupação do território que deverão ser revisadas e discutidas quando da proximidade de encerramento do respectivo site ou estrutura, de acordo com as legislações vigentes.”

Legislação

Pela resolução ANM nº 68, de 30 de abril de 2021, que dispõe sobre as regras referentes ao PFM e revoga as normas anteriores, em seu artigo 3º diz que “os empreendimentos minerários com títulos autorizativos de lavra vigentes e em operação deverão apresentar, no prazo de 12 (doze) meses contados da publicação desta Resolução, um PFM atualizado, nos termos do Capítulo II, desta Resolução.”

E pelo artigo 16 da mesma resolução, determina que os “empreendimentos minerários com requerimento de lavra em tramitação na ANM, até a publicação desta Resolução, deverão apresentar o seu PFM atualizado nos termos do artigo 2º desta Resolução, no prazo de 180 dias, a partir da outorga do título autorizativo de lavra.”

FPM de 2013 prevê a instalação do Museu da Vale e do Monumento Cauê (Imagem: Reprodução/Bureau/Vale)

Sobre isso, leia os questionamentos que a ANM fez sobre o processo de renovação do plano econômico para o que resta das minas de Itabira:

ANM pede informações à Vale sobre o complexo de Itabira antes de aprovar novo plano de aproveitamento econômico de suas reservas

Já a portaria 651, de 12 de agosto de 2019, da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), relaciona os procedimentos para a realização de reunião pública nos processos de fechamento de mina, tendo por base o que dispõe o artigo 10, inciso I, do Decreto Estadual 47.347, de 24 de janeiro de 2018.

Sem estabelecer prazos e as condições para a realização da reunião pública, a portaria diz apenas que deve ocorrer em obediência ao princípio da publicidade, conforme artigo 37, parágrafo 1º da Constituição Federal.

A publicização deve ocorrer também em consonância com a Deliberação Normativa Copam nº 220, de 21 de março de 2018, que estabelece diretrizes e procedimentos para a paralisação temporária da atividade minerária e para o fechamento de mina.

A legislação não é clara e objetiva a respeito dessa publicização, dando margem para que o cumprimento desse preceito legal seja adiado indefinidamente, já que as minas de Itabira passaram a ser tratadas dentro do chamado Grupamento Mineiro.

Com isso, o PFM somente deve ser concluído com o fechamento de todas as minas, que podem contar com remanescentes ferríferos, mínimos que sejam.

Com isso, o fechamento das minas locais deve ser prorrogado indefinidamente, exploradas juntamente com a concentração de itabiritos de reservas de outras localidades próximas, a exemplo da mina de Serpentina, em Conceição do Mato Dentro.

Ou seja, a reunião pública para ouvir a sociedade sobre a utilização futura dessas cavas após a exaustão não deve ocorrer tão cedo. Diz a Vale: “Importante salientar que as definições de uso futuro de um site e/ou estrutura devem ser analisadas dentro de um contexto temporal e territorial”, é o que alega a mineradora.

“Nesse intuito, será necessário o aprofundamento de estudos técnicos que darão suporte para as alternativas de fechamento da estrutura e potenciais usos futuro do território embasados em conceitos de sustentabilidade e geração de valor compartilhado.”

E acrescenta: “A Vale trabalha com metodologias baseadas em padrões internacionais, como o ICMM (International Council on Mining and Metals), do qual é signatária, as quais consideram a escuta ativa e o engajamento com a comunidade como parte do processo para definição do uso futuro.”

Cabe aqui perguntar: como essa escuta ativa tem ocorrido em Itabira, que já teve a sua principal mina exaurida em 2003?

Aquífero Cauê

Lamina d’água proveniente do aquifero Cauê: recurso precisa ser preservado e não ser impacto pela disposição de rejeitos e estéril nas cavas exauridas das Minas do Meio

Outra preocupação em Itabira deveria ser com a preservação do aquífero Cauê, e também do Piracicaba, até mesmo para o abastecimento futuro da população e atrair novas indústrias, além de não comprometer os cursos d’água à jusante das minas.

O uso sustentável desse recurso hídrico foi anunciado no passado pela Vale como legado a ser deixado pela mineração para o desenvolvimento do município.

Leia aqui: Prometidos como legados da mineração, aquíferos são alternativas para o suprimento de água em Itabira

A esse respeito, leia o que respondeu a Vale, ao assegurar que o aquífero não será impactado com a disposição de mais rejeitos e esteril na cava Cauê: “Por meio da própria disposição do rejeito hidráulico, há a ocupação do volume da cava pelo material sólido, minimizando a possibilidade de formação de um lago.”

“Entretanto, é importante destacar que após a paralisação das operações de lavra na mina Cauê e, consequentemente, a diminuição da operação dos poços de rebaixamento, já é possível verificar, por meio do monitoramento, a recuperação dos níveis do aquífero Cauê em condições similares ao pré-rebaixamento da mina.”

É assim que, segundo a empresa, as medidas protetivas e mitigadoras já adotadas têm possibilitado o “surgimento de nascentes localizadas à jusante da Cava Cauê.”

É o que se observa, por exemplo, no bairro Penha, onde antigas nascentes voltaram a jorrar o precioso líquido, inclusive impactando as residências construídas quando esses recursos hídricos deixaram de aflorar e correrem livremente.

“Importante salientar ainda que a Vale possui um plano de monitoramento da qualidade da água subterrânea do aquífero Cauê tanto nos poços internos, quanto em algumas nascentes localizadas no entorno do empreendimento.”

Abastecimento público

Com tanta água disponível do aquífero Cauê, e também do Piracicaba, e considerando também que se a Vale reaproveita mais de 80% da água que utiliza no processo de separação e concentração de itabiritos, e sendo “possível verificar a recuperação do nível do aquífero”, por que então essa água, de classe especial, não é disponibilizada desde já para o abastecimento público em Itabira?

Sem que isso aconteça, já que todo esse recurso faz parte da outorga da Vale, a alternativa posta em um Termo de Ajustamento de Conduta, firmado pela mineradora com o Ministério Público de Minas Gerais, passou a ser a transposição de água do rio Tanque, que já está minguando com o assoreamento de seu leito e ausência de mata ciliar e proteção das nascentes.

“Escuta ativa”

Como se observa, a “escuta ativa e o engajamento com a comunidade como parte do processo para definição do uso futuro” das cavas exauridas ainda está longe de acontecer, ainda não passou de um plano de metas.

Só existem nos documentos oficiais encaminhados à agência reguladora e aos órgãos ambientais federal e estadual. Nem o Codema, que até então tem se mantido ausente e omisso nessa discussão, tem participado dessa “escuta ativa e engajamento”.

Mas que deveriam acontecer desde já por meio de audiências públicas, que é o espaço democrático e participativo da sociedade civil, que deve se organizar para esse fim.

É hora de o município cobrar atambém que se cumpra desde já o que está proposto no Plano de Fechamento de Mina apresentado ao antigo DNPM, em 2013. E se estiver defasado, que a Vale apresente o plano atualizado em 2018 e abra a discussão para o que terá de ser reapresentado em 2013. E que comece a executar desde já os projetos relacionados nos PFMs.

Ainda sobre essa “escuta ativa”, que ainda não se sabe com quais segmentos sociais vem ocorrendo, o que também chama a atenção é a ausência e a omissão dos vereadores.

Para os edis itabiranos, é como se nada disso interessasse ao presente e ao futuro sustentável de Itabira, para que não se transforme em uma Cidadezinha Qualquer, pela omissão e falta de empenho da empresa, das autoridades e lideranças empresariais. Sem a mineração, Itabira corrre risco de virar uma cidade fantasma.

Caso se interesse, leia mais:

Vale já prepara, pelo menos desde 2013, o Plano de Fechamento das Minas de Itabira, agora previsto para 2031

Descomissionamento de minas é etapa final de um projeto de exploração que já tem mais de 80 anos em Itabira

Cultivo de plantas medicinais e novo hospital constam, em 2013, do Plano de Descomissionamento das Minas de Itabira

 

 

 

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1 Comentário

  1. Esse pessoal faz o que quer e do jeito que quer, respeito não há!
    E a proposta inicial desta mineradora para a cava do Cauê era deixá-la como estava e a mesma iria se enchendo com a água de chuva e assim reabilitando as nascentes do Centro de Itabira.
    Promessa vã!
    Respeito zero!
    Embromação constante e permanente!

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