Uma carta do poeta de agradecimento
Marconi Ferreira
O distanciamento físico do poeta Carlos Drummond de Andrade em relação a Itabira é sempre motivo de muita polêmica aqui no Mato Dentro. Parece representar uma história que teve inicio nos idos de 1920, com a sua ida para Belo Belo Horizonte. São ressentimentos, ódio, falta de informações e interesse por parte de alguns professores de nossa Itabira, que até hoje parece não ter fim..
Aquela velha frase: “Santo de casa não faz milagre”.
Um poetinha de uma cidade qualquer´.
Subestimaram naquela época o nosso poeta – como são subestimados os escrivinhadores dos dias de hoje. Especialmente por alguns que se acham especialistas em Drummond em nossa “terrinha”, pelo fato de ter decorado alguns 44 poemas. O discurso continua como antes: “Como pode qualquer pessoa rabiscar versos?”
Tenho certeza que Drummond sentiu tudo isso na pele.
Somente em 1979, com o advento do periódico O Cometa Itabirano, os laços do poeta com Itabira foram atados. Aqueles meninos ousados do periódico trocaram cartas e gentilezas com Drummond.
O Poeta tinha tanto carinho com a meninada, que em uma das cartas, ele disse: – Serei eu uma invenção do Cometa?
“Itabira é apenas um retrato na parede” – palavras ´drummondianas´ – que aumentaram ainda mais o sentimento negativo de algumas pessoas de Itabira em relação ao poeta.
Muitos, por desconhecerem a obra do poeta, interpretaram e interpretam como uma expressão de desprezo.
São poucos os que perceberam e percebem a dor expressa na parte final do poema ´Confidência do Itabirano´ quando se refere:
– Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como doi!
A dor em ver sua terra totalmente modificada, a dor da perda de suas referências, a ausência de seus amigos e familiares.
Quem nunca sentiu a dor de voltar até mesmo em um bairro em que passou parte de sua infância e juventude e ali não mais encontrar as suas referências?
Imagine a sensibilidade de quem tem o dom de expressar sentimentos como o nosso poeta.
Poeta nenhum expressou tanto amor a sua terra como Carlos Drummond de Andrade em relação a Itabira.
Em uma de suas entrevistas, ele disse gastar horas escrevendo sobre a sua velha Itabira.
Tive a honra de receber aqui na “Janela da Poesia” a professora Maria Luiza Sampaio (Malu), que contou-me um pouco da relação do poeta com a nossa terra e com os “meninos” do jornal O Cometa Itabirano. Falou-me da histórica carta de agradecimento pelo ´baú de prendas diversas´ ofertado pela municipalidade ao poeta, que transcrevo abaixo.
Obrigado Itabira
“Deus sabe que nunca fui de grandes fumaças e que jamais me comparei a alguma coisa parecida como rei ou imperador do mundo. Pois agora tudo mudou. Para surpresa minha, senti-me grande e poderoso, não por méritos próprios, mas pelos méritos que errada, mas gostosamente me atribuíram.
O caso é que a comunidade itabirana, por meio de representantes idôneos, acaba de me fazer sentir a sua generosidade para com o velho conterrâneo ausente abarrotando-me de presentes que me fizeram lembrar o Rei Salomão ao receber as dádivas da Rainha de Sabá.
A pretexto não sei de quê, ou de nada, entrou-me pela casa a dentro uma arca de produção artesanal contendo pacotes de coisas finas e deliciosas, quer por espírito quer por paladar. Veio encaminhada por um pergaminho com doces palavras assinadas por D. Maria Luiza Sampaio, assessora de relações publica da Municipalidade.
Tomei o pacote de maior dimensão e deparei-me com o esplêndido retrato do poeta quando menino, pintado por esse artista admirável que é o nosso Márcio Sampaio.
Vi a seguir a imagem de Nossa Senhora do Rosário, feita por volta de 1925 nada menos que pelo o grande artista popular que foi Alfredo Duval, uma das figuras culminantes no cenário da minha infância.
E mais. Agora posso beber o meu café com gosto da terra natal, em xícaras de porcelanas onde contemplo, estampada, a igrejinha do Rosário, jóia arquitetônica inscrita nos livros do Tombo do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Esta prenda de D. Silvia Martins Lage.
Vou enumerando: o lindo trabalho em frivolité, de D. Gabriela de Caux de Alvarenga, miniatura de automóvel em lata estanhada, feita pelo artesão Ivan Stefanic Lage; o cinzeiro de hematita, oferta de D. Luiza da Cruz Vieira; o pode de mel de abelhas purificado no Núcleo Apícola, lembrança do dr. Paulo José de Magalhães.
Parei um instante para saborear a cachaça, Boliviana de fabricação caseira, feito o quê voltei para os produtos da Cooperativa Agropecuária Cauê.
Foram aprovados. E logo me virei para o doce de leite regalado pelo meu ex-aluno do Ginásio Sul Americano, Vinicius. E como o doce leite nunca é demais, fartei-me de desgutar o outro guardado em capoteira das antigas, feito especialmente para o poeta por D. Eloir Martins Costa. Sem desprezar, é claro, a goiabada caseira também fabricada por D. Eloir.
Finalmente pedi licença ao meu Vasco da Gama e vesti, com pompa e circunstância, a camisa do intrépido Valério Esporte Clube, que tantas alegrias têm dado a gente itabirana.
Agora pergunto: depois de tantos e tais agrados que simbolizam o coração, o talento, a criatividade do povo da minha terra, com não sentir feliz da vida e importante entre os importantes?
Obrigado, Itabira, a mãe amiga fiel. Beijo comovido tua fotografia na parede.
Carlos Drummond de Andrade.
Carta publicada em março de 1986 no jornal O Cometa Itabirano.
Li seu artigo imaginando você escrevendo mentalmente, naquele conversível vermelho que endoidou um amigo que também quer sair por aí com os cabelos ao vento, mas o querido é careca, portanto…
Sobre a birra de Itabira com o poeta é mandinga feita pela CVRD, de modo a aniquilar a cultura do colonizado. E como o Povo de Itabira tem devoção à CVRD/VALE, resta a nós, os lúcidos, mantermos a resistência e manter a CISMA.
Abraço Vermelho
Marconi Ferreira!
Que bom poder ler novamente esta doce carta de agradecimento do poeta com as prendas diversas enviadas pela prefeitura ao poeta.
Enquanto alguns por aí procura quem odeia o poeta, devemos lembrar de CDA, como o poeta maior e de todas as defesas feitas por Itabira e a voraz devoração de nossas serras.
grande Marconi Ferreira,
Belo texto, boa história.
legal publicar a carta pós presente levado ao porta por itabiranas e itabiranos.
tanto está carta como depois a de despedida, em 1986, dos meninos do cometa sao belos poemas.
digo poesia, porque acho que andam falando por aí (aí é nuns cantos do mundo mineiro -?), que o último poema sobre Itabira foi um por encomenda para o livro das fotos do Brás, de 1982 (é 2 ou 4?).
não é. você sabe, Marconi.
até porque entre uma carta e outra veio espontaneamente O Maior Trem do Mundo, poema genial e definitivo.aus ainda na relação atávica da montanha de ferro, Drummond, e a aldeia Vila da Utopia
é isso.
quando comecer a ler Marconi na Vila de Utopia, estava ouvindo Metálica, show ao vivo em vídeo de internet. no meio do caminho, no fim da Metálica, escolhi de propósito um show de Milionário e Zé Rico.
sabia que viria e veio a música Na Estrada da Vida.
ainda que CDA pudesse preferir Chico Buarque e Caetano, optei por estrada da vida.
—que afinal todos somos e estamos.
abracos
Belo texto. Oportuna lembrança. Todos merecemos está dádiva que é o Itabirano Drummond. Obrigado pela publicação e por me aceitarem no perfil. Abraços. ❤️👍🫂