As namoradas itabiranas do Poeta

No destaque, a professora Graça Lima e o professor Romar Virgílio Pagliarim, diretor da Fachi (Fotos: Eduardo Cruz))

| … Esse papinho doce tornou-se frequente, e, quando sua filha Maria Julieta – tão querida Maria Julieta!, atendia por acaso ao telefone, ia logo brincando: “Espere aí, minha voz de ambrosia, vou chamar seu namorado”. Maria Lúcia Godoy, soprano|

Por Cristina Silveira

Os meios de disseminação de cultura se fazem por dois caminhos: o fazer cultural e o lazer cultural. São duas plataformas do saber geminadas a partir do fazer cultural, do conhecimento semeado em salas de aula. Um povo que não conhece a sua história, que não conserva a sua memória torna-se refém do Estado.

| Poesia é um tema amplo, tão antigo quanto a história e até mais antigo, presente onde quer que a religião esteja presente, sendo possivelmente – segundo algumas definições – a forma primal e primária das próprias línguas. [Howard Nemerov, em O Tesouro da Enciclopédia Britânica. |

Graça Lima, Ana Lima e Ângela Sampaio, foram professoras de Português e Literatura da FIDE (escola privada) e, principalmente, leitoras e estudiosas de poesia. E representam, também, juntamente com Myrian Brandão, o status de primeiras namoradas itabiranas do Poeta.

Na década de 1970, as “jovens cultas e belas” (Arp Procópio) abriram o veio da mina poética na FIDE. Munidas de pedagogia, criaram planos de aula usando o recurso da poesia para ensinar a língua e a arte. Foram bem sucedidas junto aos estudantes da FIDE e abriram os portões dessa instituição para as escolas públicas e para o Povo da cidade.

No meio do caminho, encontraram resistência, inclusive de alguns professores, cujas mentes se alicerçavam no velho preconceito de que Drummond desqualificava a terra natal. E, ainda, resistência oficial, aqui exemplificada pela fala hostil de um vereador, quando, em 1980, na abertura da primeira Feira do Livro Infanto-juvenil de Itabira, em presença do escritor Orígenes Lessa, na Câmara Municipal e, imbuído de um conhecido imaginário coletivo, manifestou o sentimento de repulsa à figura do poeta e à sua .

|A reportagem de Nairo Almeri, no JB, 26/10/1982, confirma a fúria injusta com o poeta: Carlos Cruz, 26 anos, de O Cometa Itabirano, garante que hoje Drummond já está mais presente nas escolas de Itabira:

– Já tive preconceitos contra ele, porque na escola, pelo menos de 1968 até bem pouco tempo, os professores de português não achavam Drummond digno de ser lido. Hoje a mentalidade das professoras é outra.

Raimundo Macedo, dono do Restaurante Mundico, atesta o que Carlos Cruz afirma.

– Hoje as coisas mudaram bastante. Tenho três filhas que são professoras e a criançada do grupo é fanática para conhecer Drummond. |

A professora Ana Lima e o escritor Ronald Clever, na III Semana da Literatura

Ângela e Graça não perderam o viço e, em 17 de setembro de 1977, anteriormente à publicação do número 1 de O Cometa, escreveram ao Drummond contando sobre o programa de educação poética que desenvolviam nas escolas. Chamou-me a atenção o pedido de gravações de Cantiga de Viúvo e Poema de Itabira – do mestre Villa-Lobos, o Índio de Casaca –, talvez por impulso fervoroso da necessidade de ouvir a poesia cantada de letras memorizadas. Namoradas do poeta!

As professoras expandiram a ideia de poesia na sala de aula, atraíram os pais dos estudantes com mais um programa que o Cometa, edição n. 3 de 1980 dá a notícia:

Oswaldo França Júnior fez o lançamento de Recordações de Amar em Cuba em Itabira, na Semana da Literatura

| Êi, criançada! Finalmente uma iniciativa importante numa cidade pobre de realizações culturais. A FIDE, associada à Miguilim Casa de Cultura, de BH, promoverá nos dias 11 e 12 de fevereiro no Sindicato Metabase a I Feira do Livro Infanto-Juvenil de Itabira. A professora Maria Antonieta Cunha, especialista em literatura infanto-juvenil da UFMG, estará à disposição dos pais, professores e alunos para discussões e esclarecimentos sobre obras infantis. Em 1980, a Feira do Livro, colocou na roda das crianças e jovens de Itabira o escritor Orígenes Lessa (1903-1986), pela primeira vez eles falaram tête-à-tête com um escritor. |

Da Cidadezinha há registros da existência do Grêmio Dramático e Literário Artur Azevedo (1915), em cuja fonte o poeta Drummond bebeu e deu no que deu! É assim que se obtêm bons resultados: fazer cultura para formar e empoderar cidadãs (ãos) e projetando em nós o sentido de Nação.

Da Itabira há registros da Semana de Literatura, edições realizadas de 1984 a 87, mais tarde substituída pela Semana Drummondiana e, neste ano, estreia o I Flitabira-Festival Literário Internacional de Itabira.

O começo de tudo foi com a I Semana de Literatura, programa da FACHI-Faculdade de Ciências Humanas de Itabira realizada em outubro de 1984. Se a Cidade já recebia, por ocasião das Feiras do Livro, diversos autores para contatos diretos com as crianças e jovens, passa então, a receber escritoras (es) não como turistas, mas como convidados para falar de literatura, para trocar ideias com o público. Temos uma nominata das escritoras (es), inclusive os locais e artistas plásticos que estiveram presentes na Semana de Literatura de Itabira:

Com dedicatória de Oswaldo França Júnior

Antonio Carlos Villaça; Gilka Szklo; Maria Consuelo Cunha Campos; Maria Tereza Vieira; Adélia Prado, Marina Colassanti, Affonso Romano de Sant’Anna, Nélida Pinõn, Domingos Gonzales Cruz;  Oswaldo França Júnior; Bartolomeu Campos Queirós; Joana d’Arc Tôrres de Assis; Elza Beatriz; Thaís Guimarães; Vivina Assis Vianna; Terezinha Alvarenga; Branca Maria de Paula;  Lais Correia de Araujo; Affonso Ávila; Sebastião Nunes; Marcelo Dolabela; Paulinho Assunção; Irene de Melo Neves; Arp Procópio; Adão Ventura; Ronald Clever; João E. Rodrigues; José Américo; Márcio Sampaio; Renato Sampaio; Luís Müller; Getúlio Brasil Maia; Sebastião Drummond Barcelos; Edson Ricardo; Dirceu; Lor; Genin Guerra; Altamir Barros; Cunha de Leiradella, Jôta Dangelo; Jorge Fernando dos Santos.

Ressalte-se, ainda, a presença, nessas Semanas, de professores especialistas em Arte e Literatura da UFMG e PUC-Minas com o objetivo de oferecer aos participantes subsídios teóricos para uma compreensão mais aprofundada das obras. Com esse propósito, estiveram em Itabira Orlando Bianchini, Maria Antonieta Antunes Cunha, Moacyr Laterza, entre tantos.

É necessário pesquisar a história das Semanas de Literatura de Itabira para contar com mais assertividade como tudo se passou. A Vila de Utopia reproduz as cartas das professoras ao poeta. A carta do poeta foi publicada na primeira edição de OCometa em artigo assinado pela professora Angela Sampaio a qual reproduzimos aqui.

Itabira, 17 de setembro de 1977.

Caro Poeta,

Como professoras de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Fundação Itabirana Difusora de Ensino e, principalmente, como itabiranas, desejaríamos prestar-lhe uma homenagem em outubro: mês de seu aniversário e das comemorações da Semana da Comunidade.

Essa nossa iniciativa tem como objetivo precípuo a divulgação do poeta e do homem Carlos Drummond de Andrade. Sentimos a necessidade e a obrigação de dar aos nossos alunos a oportunidade de melhor conhecerem a produção literária do poeta de sua terra, valorizando-o mais e divulgando-o com orgulho.

O nosso trabalho envolverá o 1⁰, 2⁰ e 3⁰ graus dos cursos mantidos pela FIDE. As atividades foram programadas para execução em classe e extraclasse, constando de: dramatizações de crônicas, ilustrações, ginástica rítmica, entrevistas, jornais, murais, pesquisa de opinião pública, coros-falados, recitações e criatividades inspiradas em passagens de sua obra.

Carta ao poeta

Seria gratificante e estimuladora a sua palavra quanto à homenagem espontânea e significativa que ao senhor será prestada por um grande número de estudantes, professores e diretores de uma entidade educacional de sua Itabira.

Acharíamos oportuno e de grande interesse para todos nós conhecermos a seresta composta por Villa-Lobos sobre o poema “Cantiga de Viúvo” e o “Poema de Itabira” composto sobre o seu poema “Viagem na família”. O senhor poderia nos informar como conseguir essas gravações? que sugestões o senhor nos daria para maior enriquecimento da nossa programação?

Se conseguirmos que nossos estudantes, através dessa homenagem, passem a conhecer e a se interessar pela leitura de sua obra, amando a poesia – “e amar a poesia é forma de praticá-la recriando-a”, daremos por realizado o nosso objetivo.

Ao senhor, o nosso abraço e a nossa admiração.

“Nada de fofocas, meus senhores e minhas senhoras

Assim Carlos Drummond de Andrade termina uma de suas crônicas – Septuagenário”.

É o poeta se dirigindo a seus conterrâneos, pois como todos sabem “…há um velho, insolúvel desentendimento entre Itabira e seu menino de setenta anos”.

A causa de todo o “desentendimento” é a ausência física do poeta em Itabira. Por que ele não vem aqui?! – perguntam todos preconceituosamente.

Nesta mesma crônica citada acima, o poeta afirma: “A quem me acusar de ingrato, porque não apareço lá, não apareço há muito, direi que não preciso rever Itabira para estar em Itabira. Nela estou desde que nasci. É meu clima, limite e medula”.

A carta que se segue, talvez seja mais um esclarecimento ou mais uma resposta a todos aqueles que insistem em não compreender esse itabirano, o maior poeta brasileiro.

(Angela M. S. Rosa) [O Cometa 1, novembro de 1979]

Rio, 21 de setembro de 1977.

Carta do poeta

Caras professoras

Angela Sampaio e Maria das Graças Lima Castro:

É extremamente generosa a ideia, que me comunicaram em carta, de ser assinalado o meu aniversário por meio de atividades culturais nos diversos cursos da Fundação Itabirana Difusora de Ensino.

Recebo a notícia com emoção, e manifesto o meu profundo reconhecimento a diretores, professores e alunos, mas peço licença para ponderar que tal homenagem só se justifica por uma avaliação muito benevolente de minha pessoa e de meus escritos.

Itabira, a bem dizer, não tem motivo para distinguir um filho distante que, por forças das circunstâncias, e não de suas tendências naturais, vive longe do meio natal. Sou eu que devo declarar tudo que devo a Itabira, pela impregnação, que sinto em mim, da carga do seu passado histórico, da sua paisagem cultural e física, do seu espírito, enfim. Com base nessas raízes, e à luz da sensibilidade itabirana, é que tem transcorrido minha vida e meu trabalho. Não há propriamente mérito de minha parte nessa fidelidade; há um imperativo sanguíneo, uma espécie de destino: a marca de Itabira, que todos quantos aí nasceram levam consigo, pelos caminhos do mundo.

Com a minha gratidão renovada e constante, manifesto o meu carinhoso apreço às distintas conterrâneas, que tanto me comoveram com a sua carta.

Vou ver se consigo obter o disco que contém a gravação de “Cantiga de viúvo”, de Vila Lobos, para atendê-las. Quanto ao “Poema de Itabira”, creio que ainda não foi gravado.

O abraço muito amigo de

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

 

 

 

 

 

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6 Comentários

  1. É necessário pesquisar sobre a literatura e Drummond na cidade. Entendi que em 1972, quando o prefeito, Joaquim Santana de Castro esteve em casa do poeta para convidá-lo para comemorar os seus 70 anos na Cidade e ele mais uma vez recusou, ficou estabelecido que Itabira nao o incomodaria mais com convites… E o Cometa fechou o assunto. Daí pra frente a poesia entrou nas salas de aula, garantiu a presença do Drummond em nossas mentes. Eu sou fruta da Semana de Literatura, dos Festivais de Inverno, do Cometa. Isso posto, é preciso separar a iniciativas de MULHERES professoras da iniciativa Flitabira que é uma programação da MINERADORA. As professoras deixaram o bom exemplo.

  2. As indas e vindas do poeta que não aconteceram .De forma alguma pode superar as findas declarações e menções sobre esta terra .
    É um Povo chato que atravessa o tempo desdenhado essa figura que queira ou não queira , viesse ou não viesse , destacou em seus versos Itabira de forma visceral e quase visceral. Drumond gostava de Itabira sim . Agora se ele não vinha visitar foi um problema dele . Não foram as vindas dele a cidade que hoje nos dá uma credibilidade como capital da poesia e sim suas incansáveis citações sobre tudo da terra que o gerou . Eu tenho certeza que se hoje Drumond estivesse vivo e ainda recebendo desdenhos sobre essa picuinha . Iria mandar catar coquinho . O povo prefere ficar discutindo estes pormenores do que analisar e se orgulhar pelo filho ilustre e que é sem sombra de dúvidas nossa maior referência nacional e mundial . Com essa de todo mundo querendo dar uma de inteléctual a maioria prefere ir pela contra mão pra ver se consegue alguma visibilidade formando opiniões contrárias para ver se destaca . Mesmo sabendo que está atolado em equívocos

  3. Parabéns, Cristina, por resgatar a história dessas brilhantes professoras, de cuja bravura colhemos um novo ambiente cultural em Itabira: o resgate do nosso poeta maior, as inumeráveis atrações relevantes do festival de inverno, as feiras do livro, as semanas de literatura e, agora, a Flitabira.

    1. intrigante é que a Semana Literária de Itabira em 1977 parece ter sido maior e melhor que a festa literária do ano passado.

      não fui, não vi, pouco soube das duas ( a primeira acabei de saber agora por Cristina Silveira, a grande).
      mas me parece claro que pelo número, nomes e a soma das qualidades, 77 foi mais abrangente, envolvente e emocionante.

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