Por não cumprir TAC, a Vale foi responsável pela falta de água em Itabira no ano passado, disse prefeito. “Agora está cumprindo”, assegura

Fotos: Carlos Cruz

Em sua live nessa terça-feira (30), o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) disse que a a Vale foi a responsável pela falta de água em Itabira no ano passado, quando a população teve de fazer racionamento com rodízio no fornecimento.

Isso segundo ele ocorreu pelo fato de a mineradora não ter cumprido o termo de ajustamento de conduta (TAC), firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), ao deixar fornecer integralmente os 160 litros por segundo (l/s) para os sistemas Pureza e Gatos, por meio da alça hidráulica.

O TAC foi firmado depois que se constatou que os cursos d’água existentes abaixo da cava exaurida da mina Cauê, que suprimiriam a duplicada ETA dos Gatos, estão contaminadas por excesso de manganês, o que torna a água imprópria para consumo humano.

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“Conversamos com a Vale e deixamos claro que se o TAC não fosse cumprido integralmente, iríamos tomar medidas mais severas, porque o itabirano não pode ficar sem água”, revelou.

Atualmente, disse o prefeito, o  Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) já recebe os 160 l/s, conforme foi acordado com o MPMG . “Estamos entrando em setembro, ainda na estiagem, e não tem faltado água em Itabira, sem precisar fazer rodízio, como aconteceu no ano passado”, comparou o prefeito.

Com as recorrentes falta de água nos anos anteriores, o drama de viver sem o imprescindível líquido recaia sobretudo nos bairros populares. “Antes, para 40% da população mais rica nunca faltava água, enquanto a maioria passava por essa dificuldade todos os anos”, criticou.

Paliativos

Como reforço para a ETA Pureza, o Saae está captando água da lagoa natural existente em frente a Funcesi, no Distrito Industrial Maria Casemira Andrade Lage

Ainda sem solução definitiva, que só virá, segundo as autoridades, com a transposição de 600 l/s do rio Tanque, a ocorrer a partir do final de 2024, a prefeitura buscou reforço de uma lagoa natural existente em frente a Unifei, no Distrito Industrial Maria Casemira Andrade Lage (1828/1929), empreendedora itabirana dona da fábrica de tecidos da Pedreira, homenageada por meio da lei municipal 3174, de 30 de maio de 1995.

“A água dessa lagoa é de boa qualidade”, garantiu o prefeito. E segue por gravidade para a Estação de Tratamento (ETA) Pureza, que voltou a verter água para o córrego, fato que há um ano não acontecia, acrescentou a presidente do Saae, Karina Lobo.

Segundo ela explicou na mesma live, fora da estiagem a ETA Pureza fornece 170 l/s de água para a população de Itabira, mas na estiagem do ano passado essa vazão caiu para 90 l/s. “Hoje, a situação está normalizada”, assegurou.

“Mas a população precisa continuar fazendo uso consciente, sem desperdício”, recomendou. “Nada de ficar lavando passeio com mangueira, use a vassoura para fazer a limpeza”, pediu o prefeito, para quem o risco de racionamento ainda existe. “Se não começar a chover em outubro, a situação pode complicar mesmo com todos esses reforços”, alertou.

Além disso, a Câmara Municipal aprovou projeto que prevê a doação e instalação de caixas d’água de 500 litros nas residências que não têm como fazer a reservação para suportar, por exemplo, um eventual corte de fornecimento para a manutenção de rede, até que o fornecimento seja retornado.

Córrego da Pureza, abaixo da ETA, praticamente secou na estiagem do ano passado: captação além da outorga

Responsabilidades

“Não precisa ser especialista para saber que a indústria da mineração gera bônus para a economia municipal, mas também têm o seu ônus, por exigir grande quantidade de água”, disse o prefeito, lembrando que essa demanda resultou em um quase monopólio pela Vale das outorgas na cidade.

Com isso, historicamente a mineração deixou Itabira sem água em volume suficiente para suprir a população e atrair novas indústrias. Agora o prefeito aposta que essa situação vai mudar.

“Estamos negociando com a Vale para que a mineração deixe legados para o desenvolvimento sustentável de Itabira. E um desses legados é justamente a solução definitiva para o abastecimento de água na cidade, com a transposição do rio Tanque, que esperamos antecipar para 2024”, é aposta que ainda faz o prefeito Marco Antônio Lage.

Essa “solução definitiva” vem se arrastando há décadas. Mas o que obriga a mineradora fornecer 160 l/s, hoje captados de poços profundos na mina Conceição, alem dessa situação de escassez, é também decorrente da contaminação de mananciais que ficam abaixo da exaurida cava Cauê por excesso de manganês, o que tornou a água imprópria para o consumo humano.

Essa contaminação foi constada quando já estava praticamente concluída a duplicação da ETA dos Gatos. Foi o que inviabilizou a captação desse recurso hídrico para ampliar o fornecimento à população por meio da alça hidráulica que faz a ligação dessa estação com o sistema Pureza.

Foi após essa constatação que o MPMG propôs a assinatura do TAC, obrigando a Vale suprir os sistemas de tratamento de água de Itabira com os 160 l/s.

O TAC tem validade até que ocorra a transposição da água do rio Tanque, “a solução definitiva para o abastecimento da população e atração de novas indústrias para diversificar a economia municipal”.

Antes tarde do que nunca

Pois para que enfim ocorra essa “solução definitiva”, outro TAC foi firmado com a Vale. Por ele, a mineradora fica responsabilizada a bancar o custo integral das obras necessárias para a transposição de 600 l/s de água do rio Tanque até uma nova ETA a ser construída próxima do Pousada do Pinheiro.

A mineradora vai ter que arcar também com o custo da energia elétrica para a transposição até a nova ETA. Mas em contrapartida, ficará com 400 l/s para suprir a sua área operacional, bancando ainda todos os custos com a energia elétrica, que só devem cessar quando a cidade passar a consumir todo o volume captado do rio Tanque – ou até quando a mineradora não mais necessitar desse recurso hídrico adicional para as suas operações em Itabira.

O acréscimo atualmente demandado pela cidade, para que não falte água nos próximos anos e tenha sobra para atrair novas indústrias, é de 200 l/s.

Antes, pela proposta do governo anterior, o custo da transposição e energético para a água do rio Tanque chegar na cidade seria bancado com aumento da tarifa cobrada pelo Saae. A transposição seria feita por meio de uma parceria público-privada – e a população pagaria a conta, inclusive do aumento do custo com energia elétrica.

A administração passada considerou que as condicionantes da Vale estavam cumpridas e não havia o que ser cobrado da mineradora.

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Mas essa história da população pagar a conta da transposição, deixando de cobrar uma dívida que é da Vale, só mudou com o TAC do rio Tanque, proposto pelo MPMG. Trata-se de um acerto parcial de contas pelo fato de a Vale não ter cumprido integralmente as condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), tendo, desde 2000, empurrado “a solução definitiva” com “puxadinhos” e paliativos.

Mas é também por não ter mais como disponibilizar as águas dos aquíferos, por meio de captação das cavas exauridas das Minas do Meio, prometidas como “grande legado da mineração para Itabira após a exaustão das minas”.

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Além de tudo isso, a obrigação de dar “solução definitiva” para que Itabira tenha acesso ao precioso líquido em abundância se deve também ao que determina o Código das Águas, que prioriza o fornecimento para o consumo humano e a dessedentação de animais, para só depois servir à indústria.

Não é o que ocorre em Itabira nos últimos 80 anos, quando a cidade perdeu para a mineração os mananciais do Borrachudo, Camarinha e Três Fontes. E também perdeu as águas, de classe especial, dos aquíferos Cauê e Piracicaba.

Finalmente, por força do TAC do rio Tanque, essa conta será parcialmente quitada pela Vale, lembrando que se trata de apenas uma entre tantas dívidas históricas que a mineração deve a Itabira.

 

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1 Comentário

  1. Ô conversa para boi dormir, todo ano essa mineradora promete e na hora H, nada!
    Agora fica disponibilizando esses pinguinhos d´água para os moradores de Itabira, bem paliativo mesmo.

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