Moradores reclamam da qualidade da água servida em Itabira e vereadores querem ouvir explicações do Saae

Manancial da Pureza abastece mais de 50% dos bairros de Itabira

Fotos: Carlos Cruz e Reprodução

Se não bastasse a crônica escassez de água na cidade de Itabira, problema que se arrasta há décadas, já que o quase monopólio das outorgas superficiais e dos aquíferos é da mineradora Vale, historicamente o itabirano sofre também com a má qualidade desse recurso que chega nas residências.

Moradores de diferentes bairros, inclusive do centro, que geralmente recebem água de melhor qualidade dos poços profundos das Três Fontes, na Camarinha, reclamam que a água está saindo turva, às vezes da cor de coca-cola, escura e pegajosa, como se contivesse graxa ou óleo.

Na Câmara Municipal, na reunião dessa terça-feira (23), o assunto repercutiu com a discussão e aprovação de projeto que autoriza a doação de caixas d’água com maior capacidade de armazenamento à população hipossuficiente.

O projeto é de autoria do prefeito Marco Antônio Lage (PSB), por indicação do vereador Sebastião “Tãozinho” Leite (Patriota) – e vai beneficiar cerca de 1,4 mil famílias, com investimento municipal de cerca de R$ 407 mil.

Mas segundo os vereadores, não basta assegurar a estocagem do precioso líquido para a população enfrentar possíveis e recorrentes racionamento, com rodízio de fornecimento no período de seca. É preciso também investigar e esclarecer o que anda acontecendo com a qualidade da água fornecida para o consumo da população.

Saúde pública

Diferença na coloração da água servida em Itabira preocupa a população

Afinal, é a saúde pública que corre perigo, pois água insalubre acarreta muitas doenças, além de incômodos diversos. Donas de casa reclamam da água barrenta por “encardir” roupas na máquina de lavar, sem falar na contaminação de alimentos e da própria água usada para a dessedentação humana.

Daí que os vereadores querem convocar a diretora-presidente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Karina Rocha Lobo, para explicar o que está acontecendo com a qualidade da água servida à população itabirana.

Da bancada situacionista, o vereador Carlos Henrique Oliveira (PDT) informou que a má qualidade da água fornecida pela autarquia municipal, nos últimos dias, ocorreu pelo rompimento de uma adutora, o que acabou “contaminando” quase toda a rede de distribuição na cidade.

Mas o vereador assegurou que esse problema já foi resolvido pela autarquia municipal. “O Saae fez a limpeza de todos os reservatórios”, assegurou.

Já o vereador oposicionista Neidson Dias Freitas (MDB) disse que o Saae deveria arcar também com a limpeza das caixas d’água das residências afetadas.

Isso enquanto o presidente da Câmara, vereador Weverton “Vetão” Andrade (PSB) criticou o mau funcionamento da alça hidráulica que o governo passado propagandeou como sendo solução de curto prazo para o abastecimento de água na cidade. A solução “definitiva” só virá com a transposição do rio Tanque, prevista para 2024.

Problema recorrente

Situação e oposição inverteram os papéis nessa discussão, já que o problema da má qualidade da água maltratada e servida em Itabira vem de muito tempo, desde que a mineração em larga escala se instalou na cabeceira da cidade.

Nesse tempo ocorreram alguns poucos investimentos pontuais de melhorias, principalmente com o cumprimento de condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC) da Vale, e que ainda não foram inteiramente executadas.

Além disso, embora algumas redes tenham sido substituídas, até hoje, em bairros mais antigos, a distribuição é feita por manilhas de amianto, mineral considerado cancerígeno pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Instituto Nacional de Câncer.

Pelo mesmo motivo, caixas d’água com esse material estão condenadas e devem ser substituídas.

Desabastecimento

Neste ano, o pior ainda pode por vir com o chamado “verão seco”, que começa em outubro e que pode ser antecipado. Mas o governo promete adotar medidas emergênciais para que não ocorra desabastecimento na cidade.

É quando os mananciais superficiais secam e aumenta a dependência da água dos aquíferos fornecida pela Vale, por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Sem esse reforço, no período mais crítico da estiagem, a disponibilidade hídrica em Itabira, que normalmente é de 400 litros por segundo (l/s), cai para menos de 300 l/s.

Com o déficit, os bairros mais afetados são os localizados em regiões altas, principalmente os que são abastecidos pela Estação de Tratamento de Água (ETA) da Pureza.

Mas também o córrego Pai João, que abastece a ETA dos Gatos, tem a sua vazão significativamente reduzida na estiagem. Desse modo, poucos bairros em Itabira não são afetados com a seca, apenas os que são abastecidos pelos poços profundos das Três Fontes.

Contaminações

Filtro de água com material escuro e pegajoso, substituído em 2018 em uma residência da Esplanada da Estação

Situação semelhante a essa contaminação da água, ocorrida na semana passada, foi também observada em setembro de 2018.

Foi quando muitos moradores, assim como fazem agora, colocaram em dúvida a qualidade da água tratada e distribuída na cidade.

Na ocasião, um morador do bairro Esplanada da Estação se assustou com o que encontrou, após seis meses de uso, em um filtro compacto utilizado para reter resíduos antes de a água chegar na caixa.

“Havia sobre o filtro um material oleoso, com aspecto de pasta lubrificante e cheiro semelhante a derivado de hidrocarboneto (petróleo)”, contou esse morador à reportagem deste site.

Na ocasião, ele manifestou o receio de a água que consome em casa estar contaminada com óleo e graxa vindos da barragem Rio de Peixe, que servia, naquela época, como reforço para a ETA Pureza.

Na reportagem, o ex-diretor do Saae Jorge Borges descartou essa possibilidade, assegurando que não existia contaminação por derivados de hidrocarboneto. Assegurou que a ETA Pureza já não recebia água da barragem, mas de poços profundos da mina Conceição.

Após análise do material constante do filtro desse morador, Jorge Borges informou que o material pegajoso é resultado da ação do cloro com micropartículas vegetais, minerais e biológicas. “Fica parecido com um gel. É o mesmo material que aparece retido numa vela (de filtragem) comum, após muito tempo de uso.”

Jorge Borges, do Saae: material pegajoso é resultado da ação do cloro com micropartículas vegetais, minerais e biológicas

Função bactericida

Segundo ele explicou, o cloro adicionado na água tem a função bactericida e oxida a matéria orgânica nela contida. “O efeito não afeta a qualidade da água.” Ao contrário, diz, é o que garante a sua potabilidade.

Já a cor amarelada da água que vez ou outra é servida nos bairros Pará, Penha e Centro, proveniente dos poços profundos das Três Fontes, Jorge Borges diz ser consequência da ação do cloro com o ferro e o manganês que nela são contidos.

Material escuro e pegajoso encontrado em filtros é comum após certo tempo de uso, explica Jorge Borges. Filtro substituído neste ano no centro histórico de Itabira

“É na queima desse material pelo cloro que a água adquire essa cor”, explicou, reconhecendo que isso é desagradável e a população fica preocupada. “Mas não causa danos à saúde.”

Naquela ocasião, para amenizar o problema, o Saae identificou os poços que apresentavam maior volume de resíduos de ferro e manganês, passando a captar água somente dos pontos onde a incidência é menor.

O excesso de ferro e manganês também deixa a água amarelada e pode manchar tecidos, roupas e utensílios, além de dar um sabor metálico na água e na alimentação. Em baixa quantidade, esses minerais não causam danos à saúde e são necessários ao bom funcionamento do organismo.

No caso da água captada dos poços profundos servida à população, segundo Borges, é a mesma encontrada no santuário do Caraça e em alguns ribeirões da Serra dos Alves e Itambé. “É uma água de classe especial. Tem cor de coca-cola”, comparou. “No tratamento simplificado, é clarificada.”

Excesso perigoso

Embora sejam necessários ao bom funcionamento do organismo, esses minerais em excesso são prejudiciais à saúde humana.

No caso do manganês, dosagem excessiva pode causar, segundo a literatura médica, sintomas parecidos com a doença de Parkinson, como tremores, fraqueza e rigidez muscular, entre outros danos à saúde, como impotência sexual, insônia e dor de cabeça.

Portanto, todo excesso deve ser evitado, cabendo aos técnicos do Saae, por meio de análises rotineiras, observar e controlar essa incidência na água servida à população itabirana.

É preciso também prestar contas à população de como são os procedimentos para que não falte o precioso líquido na cidade e que a água servida seja de boa qualidade, sem causar malefícios à saúde.

 

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