Poluição do ar por partículas de minério e fuligem das queimadas afeta saúde respiratória, mental e cardiovascular da população de Itabira

Fotos: Carlos Cruz 

Os efeitos da poluição atmosférica por partículas de minério de ferro em suspensão e pela fuligem das queimadas vão muito além da tosse, espirros, dificuldade respiratória e irritação nos olhos, segundo explicou a professora da Unifei, Ana Carolina Vasques de Freitas, doutora em Ciências Atmosféricas, durante a abertura da Semana do Ar em Itabira, realizada nessa sexta-feira (8), durante reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema).

Estudos apresentados pela pesquisadora mostram que a exposição prolongada ao material particulado, especialmente o PM2.5, proveniente da fumaça das queimadas e da poeira fragmentada de minério, está associada ao aumento de internações por doenças respiratórias, transtornos de ansiedade e depressão, além de alterações estruturais e funcionais no cérebro.

“Estamos falando de impactos que vão do pulmão ao sistema nervoso central”, alertou Ana Carolina.

Há também evidências de maior risco de câncer de pulmão, traqueia e brônquios. Isso mesmo com a Vale, que em publicações no informativo Vale Notícias, ter sustentado que, por serem partículas mais grossas, a poeira de minério ficaria retida nas vias aéreas superiores, não chegando aos pulmões. “A gente não respira só pelo nariz, respiramos também pela boca”, rebateu a professora.

Mas a afirmação da empresa, conforme os primeiros estudos já revelam, não corresponde à realidade. Essas partículas são fragmentadas no ar e tornam-se ainda menores, principalmente com o advento das novas usinas de concentração de itabiritos compactos, que exigem moagem intensa, gerando partículas ultrafinas. “Essas partículas menores precisam ser melhor pesquisadas, principalmente quanto aos impactos à saúde”, reforçou Ana Carolina.

“Partículas partículas menores precisam ser melhor pesquisadas, principalmente quanto aos impactos à saúde”, afirmou a professora Ana Carolina

É que essas partículas podem permanecer suspensas no ar, inclusive vindas das novas pilhas de estéril, caso os sistemas de controle não se tornem eficazes, a exemplo do que ocorre com partículas liberadas pelas áreas descobertas nas minas.

Estudos epidemiológicos sobre os efeitos da poluição do ar

Daí que a professora destacou a importância de dar continuidade ao estudo epidemiológico iniciado pela Universidade de São Paulo (USP), coordenado pelo professor Paulo Saldiva, que recomendou aprofundar a investigação sobre os efeitos da poeira de minério nas doenças cardiorrespiratórias.

Esse estudo foi financiado pela Vale, em cumprimento de condicionante da LOC 2000, mas não foi concluído.

Fuligem das queimadas e incêndios florestais, assim como as partículas mais finas de minério, podem agravar doenças cardiorrespiratórias, transtornos de ansiedade e depressão, com alterações estruturais e funcionais no cérebro

Segundo Ana Carolina, a equipe da Unifei já trabalha com essa linha de pesquisa, mas reconhece a necessidade de mais profissionais e recursos para ampliar os estudos. “Sem apoio técnico e financeiro, não há como avançar em uma pesquisa que é vital para a saúde pública”, disse.

A continuidade e aprofundamento desses estudos devem ser, inclusive, algumas das condicionantes que Itabira pode – e deve – sugerir como parte da anuência para a renovação da licença ambiental de operação do Complexo de Itabira, vencida desde 2016.

Nessa circunstância, a empresa se beneficia de brechas legais e da morosidade do órgão ambiental estadual, que permite a continuidade das operações sem licença ambiental por até dez anos. Esse prazo expira em 2026.

Com o advento do chamado PL da Devastação, mesmo com os vetos do presidente Lula, a pressão da sociedade itabirana corre o risco de ser neutralizada ou esvaziada, reforçando o entendimento do órgão licenciador estadual de que não há obrigatoriedade de realizar uma Audiência Pública em Itabira antes de aprovar a renovação.

Será preciso mobilizar esforços significativos em sentido contrário, pois essa audiência, a exemplo da que ocorreu em 1998, é imprescindível para garantir o exercício legítimo da participação popular e servir de contraponto ao forte lobby da mineradora junto aos órgãos licenciadores.

PM2.5, o perigo invisível que respiramos
População de Itabira sofre com a “tempestade perfeita” para abalar a saúde respiratória: poeira e fuligem das queimdas

O material particulado fino, conhecido como PM2.5, é um dos poluentes atmosféricos mais perigosos para a saúde humana – e é também um dos mais difíceis de controlar.

É formado por partículas sólidas ou líquidas suspensas no ar, com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros. Para se ter uma ideia, isso equivale a cerca de 30 vezes menos que a espessura de um fio de cabelo e menor que muitas células do corpo humano, como explicou a professora Ana Carolina.

“Essas partículas são tão pequenas que conseguem ultrapassar as barreiras naturais do nosso sistema respiratório, penetrando profundamente nos alvéolos pulmonares e, em muitos casos, chegando à corrente sanguínea”, afirmou.

Uma vez no organismo, elas podem provocar inflamações sistêmicas, agravar doenças respiratórias e cardiovasculares, e até atingir o sistema nervoso central, com impactos neurológicos e psiquiátricos.

Em cidades mineradas como Itabira, o PM2.5 é gerado principalmente pelas fuligens de queimadas e incêndios florestais. Mas é também pela movimentação de minério, explosões, britagem e moagem de itabiritos compactos – processo que fragmenta o material em partículas ultrafinas.

Danos irreversíveis

Poeira gerada pela usina de ferro gusa precisa também ser monitorada e estudada para avalir o impacto na saúde dos trabalhadores e moradores, principalmente do bairro Barreiro

“Essas partículas não ficam retidas nas vias aéreas superiores. Elas chegam aos pulmões e podem causar danos irreversíveis”, alertou Ana Carolina.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a concentração média anual de PM2.5 não ultrapasse 5 microgramas por metro cúbico (µg/m³), o que, segundo o automonitoramento da qualidade do ar pela Vale, raramente tem ocorrido em Itabira.

No entanto, estudos independentes realizados pela Unifei, inclusive em parceria com a Universidade de São Carlos, apontam que os níveis de poluição em Itabira superam esse limite com frequência, especialmente em áreas próximas às minas e com baixa cobertura vegetal – e mais ainda no período seco, com o advento das queimadas e incêndios florestais.

Já pelo automonitoramento da Vale, esse impacto de vizinhança na cidade é amenizado e quase neutralizado nos relatórios pelo ItabiraAR, no portal da Prefeitura de Itabira.

Além dos riscos à saúde, há também impactos sociais e econômicos. O aumento de internações, o uso contínuo de medicamentos e a queda na qualidade de vida são consequências diretas da exposição prolongada ao PM2.5. “É um problema silencioso, mas que está presente em cada respiração que damos”, concluiu a pesquisadora da Unifei.

 

 

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