Outubro Itabirano. Crônicas da Itabira do Matto-dentro Imperial – 1866 – Será furta-cor a nova política? A ponte de Ferros

A casa da Narcisa e o seu belo jardim antigo, na rua Major Lage

Foto MCS, junho de 1997
Pesquisa: Cristina Silveira

Itabira 9 de outubro de 1866. Mais um pequeno trabalho hoje lhes envio. Esta quinzena é estéril, se não fossem certas noticiazinhas, seria eu falho por algum tempo no cumprimento do gostoso dever a que me impus. O primeiro objeto sobre que me cumpre expender limitadas considerações é o seguinte:

Qual o motivo poderoso e confessável que influiu sobre o governo para adiar as próximas eleições?

Será, por ventura, a própria consciência, que ele tem da maldição, que qual espantalho, de perto segue sua política inconcebível?

Será por que uma profunda meditação lhe faz compreender que, perante nações politicamente constituídas, é uma utopia a existência de outros partidos que não dois de princípios diametralmente opostos e de tendências diversas?

Será por que já prevê a dissolução dessa política hibrida, e assim querem engodar o pobre povo, comprimindo com as baionetas, os gritos das suas consciências, que eloquentemente protestam contra a presente ordem de coisas.

Pois deveras, estaremos em circunstancias tão momentosas que seja mister não se respeitar uma disposição constitucional, que devia se acatar como a pureza de uma vestal?

Dizem que é a guerra?

Ah! Pobre povo, levanta a cabeça e abre os olhos ante a voragem do profundo abismo que quer tragar-se.

Não vês como os cimentos do edifício social se acham abalados, e ameaçam uma ruina geral?

Foto de Miguel Bréscia, do livro A fotografia na parede, de Renato Sampaio

Considera que imensos olhos são lançados sobre ti, considera que oceanos de dinheiros correm sem motivo aceitável nas plagas do Paraguay. Considera que estás reduzido a um corpo mirrado, cujo sangue se exauriu gota a gota, nestes princípios reivindica tua dignidade deslustrada, e dando por terra com essa política confusa, vinga a tua soberania ao encontro das urnas.

Será furta-cor a nova política?

Sua bandeira tão cedo tremula sobre as ameaças de uma fortaleza carunchosa, além de ser pouco agradável a vista por suas cataratas; pois é feita de farrapos e de pedaços de pano de mil cores!!

Em resumo. O adiamento das eleições a título de guerra é uma mentira solene: a razão que isso encobre é a certeza das derrotas do governo e querer o tempo preparar a arma gladiatória para mistificar-nos.

Agora notícias municipais. Um passeio à Ferros

Municipio de Sant’Ana dos Ferros – porto no rio Santo Antônio, início de 1900 (Foto: R. A. Pinto)

É tempo de o governo deixar o letargo em que está e leve avante a construção de uma ponte no arraial de Ferros, terá as bençãos de todo um município.

O adiamento dessa ponte é um fato que merece alta condenação; porque, feita ela, muito prosperará aquele lugar, e os reditos públicos serão aumentados.

Destine uma quota suficiente para aquele fim, e não esteja com tantos vaivéns a iludir a expectativa da opinião.

Ferros é uma freguesia riquíssima, onde há muitos fazendeiros, que abastecem diversos mercados de nossa província; tem, pois, jus incontestável a essa ponte, que vai despertar a fada, que encanta o progresso daquele lugar, e ativa-lo nos traços de um futuro maravilhoso.

Não são 40:000$000, que batem para esse fim.

Abra o governo cordéis da bolsa é uma obra muito precisa, o suor do povo ai vai melhor do que se gasta em tantas sinecuras.

Não é isso.

Também os diversos pontilhões que existem entre a estrada da Itabira e aquela passagem estão arruinados; cumpre reedifica-los para que daqui a meses não se escoe dezenas de contas à toa.

Em uma palavra.

A ponte de Ferros é o meu Cabrion. Exclamarei por ela como aqueles, que mortos de sede nos desertos do Egito, diziam: água, água a esses lábios secos.

Ainda mais.

É uma vergonha para o governo o procedimento honroso que há tido o povo daquela freguesia; erguem das ruinas em que está aberta uma subscrição entre os habitantes, o templo, em que se celebra o santo sacrifício da missa.

Admira por certo como há tanto dinheiro para se dar pelas verbas secretas, e não sobrem nem ao menos alguns contos para se animar o empenho daquele povo modelo, que, desesperado dos nossos homens de estado, julgou melhor por si erguer esse monumento, que aos vindouros atestará que o povo de Ferros é por excelência religioso, e amante de seus direitos.

Esperamos que a nossa Assembleia Geral, como é, em estragar o suor do povo com o revolvimento da Estatística Provincial, recue o passo, abrindo mão de tais futilidades, destine a quota precisa para se ajudar aquele povo.

Estou na Itabira!

O pedido, que ora faço à Assembleia, também igual faço para a matriz da Itabira, para onde é preciso destinar-se algum dinheiro para seus consertos.

Estou com sono, vou dormir por quinze dias. [O Constitucional, 3/11/1866. BN-Rio]

 

 

 

 

 

 

 

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