Imagem em gesso de Nossa Senhora do Rosário aparece misteriosamente no Poço da Água Santa

Não se trata de milagre, que fique claro. Uma imagem em gesso de Nossa Senhora do Rosário, padroeira de Itabira, foi fixada em uma pedra acima da fonte de água termal existente no Parque Municipal Poço da Água Santa. Marconi Ferreira, poeta e escritor itabirano, foi um dos primeiros a dar o grito na rede social. “Um desrespeito com a comunidade católica. Colocaram uma imagem da Senhora do Rosário no bosteiro da Água Santa”, protestou.

Dadá Lacerda, ex-diretora do Museu de Itabira, e apontada como uma das mentoras da presença da imagem da santa no poço, prontamente rebateu. “Falar que uma estátua é desrespeito à igreja católica, só rindo.”

Já um outro internauta, humordaz, completou: “Bem que a Prefeitura podia engarrafar e vender a água santa. Assim, paga o 13º do servidor e para de falar em crise.”

Marconi Ferreira considera apelação a lenda de que a santa aparecia no local para uma donzela devota (Fotos; Carlos Cruz)

Para Marconi Ferreira é muita apelação pretender transformar o local em espaço de peregrinação religiosa.

“Nada contra a Nossa Senhora do Rosário, mas já pensou se o turista achar que a água é benta e começar a ingerir esse líquido impróprio para consumo, contaminado por coliformes fecais?”, pergunta, já sabendo a resposta.

“O risco de contrair uma doença é grande. Ao invés de se embebedar com a cultura drummondiana, o turista sairá contaminado por uma água que, embora ainda seja termal, é imprópria para consumo, mesmo tendo a Prefeitura diminuído a poluição do local”, adverte, em entrevista a este site.

Dadá Lacerda insiste, mesmo negando a autoria do projeto de levar a santa para a grota onde está o poço com água milagrosa, na defesa de que a imagem deve permanecer no local. Para isso, conta haver antecedente histórico, uma lenda urbana:

A imagem da discórdia

“Existe uma lenda de que havia uma donzela (sic) que, no período da Quaresma se vestia de preto, e de mãos postas, passava horas em frente à gruta. Mas nada dizia quando lhe perguntavam por qual motivo ela fazia isso. Só no leito de morte ela falou que era porque via Nossa Senhora. Essa história quem me contou foi dona Margarida (Costa, voluntária, ex-presidente do Combem), pessoa digna e incapaz de inventar histórias”, diz ela, que prossegue:

“Na verdade, quem teve a ideia de colocar a imagem no ano de 2000 foi o Ronaldo Lott (ex-secretário de Jackson e atual secretário de Obras), mas não o fez. Eu comentei com várias pessoas, mas não sei quem colocou a imagem. Acho que não há mal algum colocar a imagem lá”, sustenta.

A tal lenda não é confirmada por nenhum morador antigo ouvido pela reportagem – e também por testemunhos postados na rede social. Crítico dessa versão, Marconi Ferreira acha pouco provável que essa “donzela” tenha comparecido ao poço da Água Santa, pois poderia ver o que não devia por uma recatada devota.

“Eu tomava banho no poço, na antiga chácara dos Machados. As mulheres ficavam nas imediações com garrafas pedindo que a enchêssemos de água para curar feridas. Ali elas não entravam, temendo encontrar alguém tomando banho pelado”, testemunha.

Assepsia

Placa dos Caminhos Drummondianos com o poema Banho, de CDA

Segundo Marconi Ferreira, a fama da água termal existente no poço nada tem a ver com milagres, mas sim com a assepsia, curando as feridas de quem nela banhava.

A sua opinião tem respaldo histórico no relato de José Baptista Martins da Costa, o célebre Baptistinha, que escreveu em artigo publicado em O Jornal de Itabira, sob o pseudônimo Jarto, em 8 de maio de 1932, transcrito no Almanaque do Batistinha, organizado pela sua neta Maria Inês Lodi, propondo a implantação do parque:

“A Prefeitura poderia mesmo construir um estabelecimento balneário naquele local, pois é sabido que a água do poço é radioativa, tendo portanto propriedades medicinais. Entre o final da rua Água Santa e o poço, ficaria o Parque, com vistosos gramados, belas árvores, lagos, flores, coreto para a banda Euterpe. É uma tristeza para o itabirano que se preza, ver a decadência do legendário poço, onde todos nós nadamos quando meninos e, atualmente em estado de abandono lamentável. Acredito mesmo que os meninos de hoje nem conhecem essa maravilha itabirana, enquanto por toda a vasta região do nordeste mineiro não há quem ignore sua existência.”

O artigo de Bapptistinha, intitulado Ilustrada Redação, foi transcrito em uma placa de alumínio e fixada no portal do parque. Mas foi surrupiada – e não se encontra mais no local. Serviu de inspiração para que a Prefeitura e Vale implantassem o Parque Municipal Poço da Água Santa, como parte da condicionante 34 da Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira, aprovada em 18 de maio de 2000 pelos conselheiros da Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A condicionante ainda não foi inteiramente cumprida, faltando, por exemplo, a instalação do Parque Natural Municipal Ribeirão de São José.

Inauguração do parque, em dezembro de 2000, com as irmãs Edir, Lia e Dulce, filhas de Baptistinha, idealizador do parque (Foto: Reprodução/Vale Notícias)

Saint-Hilaire

Outro célebre visitante que exaltou a qualidade termal da água do poço foi o naturalista francês Saint-Hilaire, que assim o descreveu, em tradução de Baptistinha:

“O capitão Pires me falou a cerca de uma fonte à qual dão o nome de Água Santa devido à propriedade que lhe atribuem de curar reumatismo. Fui visitá-la. Após ter passado ao lado do morro oposto à vila de Itabira, chegamos a uma gruta que se estende obliquamente sobre o terreno. A entrada é quase tapada por cipós, samambaias e outros criptoganios crescem em redor dela. É do fundo dessa grota que sai a fonte d’Água Santa que cai sobre rochas formando uma pequenina cascata. Perto desta cascata está uma segunda que mistura suas águas com as da primeira. Não percebi nenhum paladar, nem numa nem noutra e não me parecem diferir das demais águas senão por sua elevação de temperatura, que aliás, não é a mesma nas duas fontes, pois a fonte da Água Santa é mais quente que a cascata que se acha ao lado.”

Afinal, quem colocou a santa na grota do poço?

Como se vê, não há nenhum relato histórico descrevendo aparições de Nossa Senhora para uma donzela devota ou mesmo para os meninos nus que nadavam no poço. O único mistério que permanece é: quem colocou a santa na grota do poço?

Don Carlos e equipe se apresentam à santa: ele disse não ter autorizado e ainda não sabe quem colocou a imagem no poço

O secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia, Inovação e Turismo, José Don Carlos Alves dos Santos, assegura que a ordem para instalar a santa não partiu de sua pasta, responsável pela administração do parque.

“Não sabemos quem a colocou. E ainda não sei se será retirada. Vou consultar o jurídico da Prefeitura antes de tomar qualquer decisão”, disse ele, após visitar o local para conhecer a santa.

Don Carlos, porém, reconhece que o espaço público é laico, e que não cabe no local qualquer manifestação religiosa, sob pena de ter de abrir o parque para outros cultos religiosos.

A esse respeito, um outro internauta já se manifestou na rede social: “Em Itabira já existe uma idolatria ao poeta CDA, agora mais essa idolatria, mais maldição!”

Enquanto a maldição não vem, uma pista surge para saber quem colocou a santa no poço em meio a fedentina de esgoto que ainda grassa por lá. Segundo uma vigilante da Itaurb, que trabalha no local, a imagem de Nossa Senhora foi fixada por um homem e uma mulher que disseram ser funcionários da área de Comunicação da Prefeitura. “Eles vieram com o Reginaldo, motorista do prefeito”, informa.

Procurado pela reportagem, o assessor de imprensa Fernando Silva disse não saber do que se trata, mas que iria averiguar e retornar com um posicionamento. Até o fechamento desta reportagem isso ainda não ocorreu.

Tombado ou não como patrimônio histórico, o certo é que o poço da Água Santa é uma área de preservação ambiental permanente (APP). E pelo Código Florestal, qualquer intervenção em uma APP, estando a 30 metros de curso d’água e a 50 metros de raio de uma nascente, só pode ocorrer com autorização do Instituto Mineiro de Gestão da Água (Igan). Isso, está claro, não ocorreu.

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7 Comentários

  1. Nasci próximo ao Poço da Água Santa, onde hoje é a Rodoviária, e tomei muito banho ali com meu tio Amyr/Gozinho.
    Não me lembro de ter visto santa nenhuma naquela nascente.

  2. Pela retirada imediata da Santa do Parque da Água Santa.
    Água Santa nada tem a ver com santas de qualquer natureza.
    A Água Santa pertence à história de Itabira. Era e é chamada “santa” pelas águas límpidas e quentes de outrora.

    Quando o governo e a Vale vão sanear por completo o Parque e Poço da Água Santa?
    Já passou da hora: pelo menos uns 39 anos.

    A Água Santa é de Itabira, inclusive dos ateus e dos agnósticos.

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