No tempo
Carlos Drummond de Andrade
O colar
Iemanjá, doçura do mar, emerge das águas, qual peixe luminoso. Traz no pescoço o colar do Ano Novo. As contas são brancas, com entremeio de sete azuis e sete douradas.
E o colar é flor que se despetala; cada um de nós ganha seu destino, ao ganhar uma das contas do colar que Iemanjá vai desfiando e atirando à praia corremos a verificar, à luz das velas na areia, a cor que nos tocou.
Quem terá ganho a dourada? Quem a azul? Mas a cor é segredo que os pavios trêmulos vão cambiando de tonalidade, sob o vento da passagem do ano.
Contas estranhas, estas, pequeninos mistérios redondos na noite abaulada. Tudo é mironga. Iemanjá, explica pra gente o que nos reserva no interior destas continhas indecifradas!
Mas a deusa, em graciosa rabanada de peixe, some nas águas. Perto, a draga Transmundum exala um mugido cavernoso. Vão se apagando os toquinhos de vela, e delineia-se no horizonte um rascunho de amanhecer.
MICROTEMPO
… essa folhinhas de bolso, distribuídas pelos bancos e pelas lojas, em que os algarismos dos dias são tão pequenininhos que o ano inteiro cabe num minuto, e as grandes datas da Pátria e da nossa vida se tornam invisíveis e indiferentes; ah, que saudade das boas folhinhas de parede, a marcarem a hora certa de cada emoção, numa página exclusiva para cada dia, e o prazer de desfolha-la!
(1 de janeiro de 1970 no Jornal do Brasil. Pesq. mcs)
Agora não tem festa pra Yemanjá… em Copacabana só dá a ralé, aquela que curti a festa de seus apartamentos confortáveis e é a pior ralé e cá em baixo na praia poluída está a ralé que não mora nas alturas. Um inferno, os fogos deveriam ser proibidos e assim fez em Araraquara o prefeito Edinho do PT.
Abaixo o ano novo em Copacabana. Que volte a festa simples e doce de Yemanjá.
A praia de Copacabana vira um verdadeiro lixão depois das explosões.