Mauro Andrade Moura
Em tempos de reação e contrarreação às manifestações no mundo ocidental referente à igualdade das pessoas, era chegada a hora de iniciar a discussão da criação em Itabira do Museu da Escravatura.
Em fins do ano passado, três amigos, Jânio Bragança, José Norberto “Bitinho” e Altamir Sampaio Barros se dirigiram até a cidade de Belo Vale para conhecerem o Museu do Escravo, criado em 10 de abril de 1977, por meio da lei municipal n. 501/75 e é administrado pela Prefeitura Municipal daquela cidade.
Retornaram cheios de ideias, porém impregnadas de divagações, com a proposta de se criar um museu similar para Itabira, o que ainda permanece somente no plano das “ideias”.
Sabido é que o modus operandi da exploração aurífera até finais do século XIX em Itabira e região foi somente por aluvião, com um ou outro sarilho (catas com pouca profundidade), não tendo sido registrado nenhum acidente grave como o ocorrido na região de Belo Vale, sendo o primeiro de grande vulto e ocasionando a morte de pelo menos vinte escravos que estavam trabalhando em uma mina abaixo da superfície da terra.
Neste acidente, quando desabaram as paredes da mina, o senhor dela para acabar com a agonia dos escravos soterrados, mandou enchê-la de água. Agora no século XXI, foi por ali que aconteceu aquela atrocidade promovida pela grande mineradora Vale matando sem direito à defesa os seus operários e vizinhos à jusante da Barragem de Brumadinho.
Certa amiga de Bitinho, de nome bíblico, disse a ele que em Itabira não há matéria, objetos ou algo perceptivo no intuito da criação deste Museu da Escravatura.
Ledo engano dessa senhora, pois não houve exploração de ouro no Brasil Colônia e pós sem o uso da mão-de-obra escrava. Nesse traço, surgiram as pequenas forjas na região, que produziam ferramentas e minério de ferro não havia falta por aqui.
Os primeiros ferreiros, como se sabe, eram também escravos devido a ser um serviço brutal, tal como é a exploração do ouro manualmente.
Temos no Arquivo Histórico de Itabira, aquele que só fica lacrado por ordem do prefeito municipal, e que vem perdendo documentos valiosíssimos, diversos inventários e testamentos contendo vastas listas dos escravos a serem partilhados como propriedade.
Neste arquivo contém uma caixa com a confirmação das alforrias em 1889 dos escravos de Itabira, documentos estes separados pela minha pessoa em esforço de fazer alguma melhoria na organização documental ali existente.
Nos livros paroquiais da região, pode-se notar nos registros a distinção, anotava-se branco ou negro, preto, crioulo, cabinda, mina, angola, congo. Em Ferros existe um livro de batismo somente para os filhos de escravos.
Todos esses registros foram devidamente nominados, com local onde viviam, quem era o dono e com datas, o que facilita qualquer pesquisa a ser feita, pois nada nesse intuito ainda foi pesquisado nos livros da região, a não ser a respeito dos ferreiros escravos em tese de mestrado registrada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Sabido é também que nas Forjas do Girau e nas fábricas de tecido da Pedreira e da Gabiroba, basicamente a mão-de-obra era escrava. E no Morro Santo Antônio a exploração do ouro ali foi feita em parceria dos proprietários da lavra com os negros. Atualmente a comunidade teve o reconhecimento como quilombo.
Em meados do século XIX surgiu o plantio de café na região, inicialmente em Ferros, que era distrito de Itabira. Obviamente que toda a mão-de-obra era escrava.
De outra feita, ludicamente, uma prima sempre coloca a questão dos índios ou silvícolas, como queiram, e o seu extermínio no genocídio nunca revelado, mas ocorrido. A ideia de pesquisar essa história por enquanto ficou somente no plano pessoal dessa amiga.
Essa região era povoada pelos temidos índios botocudos, antropófagos, tendo sido a colonização feita palmo a palmo, empurrando estes índios mais para leste.
Foi tentado por mais de um século a aproximação com os botocudos, mas a resistência dos silvícolas era imensa – e sempre rejeitaram essa aproximação. Chegou ao ponto, já no início do século XIX, de D. João VI declarar guerra aos botocudos com o objetivo de ocupar este rincão, que era uma mata fechadíssima.
Esses botocudos eram tão persistentes e resistentes à invasão branca, que há menos de um século, durante a abertura da Estrada de Ferro Vitória a Minas muitos foram assassinados em represaria por arrancarem os trilhos que chegavam perto de Antônio Dias.
Foi mais uma atrocidade, um genocídio cuja história ainda está para ser contada!
Local disponível para implantação do Museu da Escravatura já existe em Itabira. Trata-se da antiga cadeia pública abandonada, patrimônio do Estado de Minas Gerais.
Importa que há matéria suficiente para contar essa história, que perpassa pela colonização da região. Neste feito, nunca conseguiremos dissociar os brancos dos negros e índios.
Tudo isso resulta no que somos hoje, uma cidade garimpeira com muita história para ser pesquisada, mas sem saber como será o seu futuro próximo, sem horizonte ao se aproximar o fim de mais um ciclo mineral, desta vez da extração de minério de ferro em larga escala para o desenvolvimento do mundo ocidental com as suas guerras de extermínio que nunca têm fim.
9 Comentários
Grande proposito um museu para a memória do pretos escravizados.
Em 1884, Manoel de Barros Araujo Silveira, testamentou a libertação de 45 escravos e lhes deixou 2 fazendas. Mas o mais interessante, era o escravo Adão, do Serro, cortava o Matto Dentro libertando companheiros.
Bela ideia…
Olá, Cristina.
Há a passagem da partilha da sesmaria Barra do Cacunda em Ferros e de seus escravos.
É aí que está a passagem mais interessante nesta tese de mestrado a respeito das forjas e escravos ferreiros na região de Itabira.
Saúde e grato pela leitura,
Mauro
Cristina, este testamento é possível encontrar os nomes dos escravos?
Surpresa!!! Uma ótima matéria em um momento de discussão sobre racismo em todo o mundo , e momento de reflexao sobre a vida pós pandemia.
Gostei muito , parabéns! Mauro.
Abraços,
Altsmir
Prezado Sr. Altamir, a questão foi mesmo esta.
Este é o momento ideal para lançar esse resgate da memória em Itabira, mesmo que pérfida.
O que não dá é ficar assistindo uns tresloucados de motivação dúbia a ficar derrubando monumentos e pichando estátuas ao léu.
Se é para discutir essa má passagem da história da humanidade, que a façamos em pleno.
A cidade de Lagos, Algarve – Portugal, criou lá o Museu e a Rota dos Escravos ainda por volta de 2005.
Vá lá saber se a Lagos da Nigéria procurou participar, se Salvador da Bahia também procurou participar dessa Rota?
Foi de lá que partiu Gil Eannes, o mesmo que comandava a primeira caravela que ultrapassou o Cabo Bojador e passou muito além da dor…
Se é para uma boa discussão e pesquisa do tema, contem comigo; se for para a balbúrdia, estarei sempre a contestar.
Grato pela leitura,
Mauro
Oi Mauro boa tarde, legal o senhor escrever sobre este tema e atitude de Itabira em construir esse Museu da Escravatura.
Um lugar onde possa se ver o que a escravidão causou a tantos seres humanos, que pena em pleno século XXI, ainda exista tanta descriminação, velada ou abertamente a tantas pessoas por causa da cor da pele.
Abraço tenha uma ótima semana,
Weslei Faria Guimarães
Pois bem, Weslei.
A história está aí ainda a ser contada e a edificação pública encontra-se abandonada.
Nada mais útil do que promover essa junção.
Grato pela leitura,
Mauro
Boa tarde,muito obrigada pela leitura.Sou residente do Vale do Aço,mas minha família vem de Ferros.Gostaria de saber se é de díficil acesso o livro de registro de filhos de escravos de Ferros.
Infelizmente, não temos essa informação.